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Rita da Nova

Qui | 18.01.24

Yellowface, R. F. Kuang

Yellowface (PT: A Impostora) é o mais recente livro de R.F. Kuang, onde a autora foge completamente à fantasia — o género que habitualmente publica e pelo qual ficou conhecida — e decide explorar os meandros do mercado editorial. Estava com algum receio de que não correspondesse ao hype todo que tem tido nos últimos tempos, mas posso dizer que engoli completamente este livro.

 

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June Hayward, a protagonista e narradora de Yellowface, é uma escritora pouco conhecida — o seu primeiro romance não teve o sucesso que ela almejava e acaba por se sentir inferior no meio de tantos outros jovens autores com sucesso. Entre eles, e mais importante, está Athena Li: um fenómeno do mundo editorial, a quem tudo parece correr demasiado bem. Não se pode dizer que sejam amigas, pelo menos June admite desde início uma certa inveja de Athena, mas vão-se encontrando aqui e ali. Até ao dia em que Athena morre de uma forma muito estúpida e June vê nisso a oportunidade de lhe roubar um manuscrito.

 

A partir daí, June fará tudo o que estiver ao seu alcance para publicar esse livro como sendo seu. Não vou contar mais sobre o que acontece, mas posso dizer que gostei muito do rumo que R. F. Kuang deu à história. Mais do que isso: amei a maneira como desenvolveu as personagens. June é uma protagonista detestável e não há momento algum em que o leitor sinta empatia por ela — adorei esta escolha, uma vez que sou fã de personagens principais moralmente dúbias. E o que dizer da dinâmica de amizade/inveja (a expressão inglesa frenemies seria até a mais indicada) entre Athena e June? É uma forma de relacionamento que é inerentemente feminina e vejo a acontecer muito em contextos assim, onde a relação pessoal se mistura com a profissional.

 

Every writer I know feels this way about someone else. Writing is such a solitary activity. You have no assurance that what you’re creating has any value, and any indication that you’re behind in the rat race sends you spiraling into the pits of despair. Keep your eyes on your own paper, they say. But that’s hard to do when everyone else’s papers are flapping constantly in your face.

 

Yellowface oferece várias reflexões sobre o que constitui efetivamente plágio, sobre apropriação cultural — June é branca e Athena é asiática —, sobre racismo, e fá-lo de uma forma sarcástica e mordaz. Ao mesmo tempo, levanta algumas questões sobre o mundo editorial que, embora aqui sejam vistas com a lente e dimensão próprias dos Estados Unidos, são possíveis de identificar em Portugal a uma escala menor. Se calhar é um pouco mais de nicho, mas gostei muito de identificar questões em que penso muitas vezes — o que faz um escritor? É a qualidade literária ou a máquina editorial a trabalhar por trás? Ou é uma mistura das duas coisas? Ou é pura sorte?

 

Writing is the closest thing we have to real magic. Writing is creating something out of nothing, is opening doors to other lands. Writing gives you power to shape your own world when the real one hurts too much.

 

Adorei a experiência de ler este livro e mesmo as coisas que carecem de uma melhor explicação — ou que acontecem de maneira mais ou menos conveniente para a narrativa avançar — acabaram por não me fazer tanta confusão, já que o ritmo do livro é bastante bom e convida a que seja lido de uma assentada. Recomendo mesmo muito, principalmente a quem tem interesse sobre o mercado literário ou a quem aprecia um bom narrador em quem não se pode confiar.

 

Será que é desta que avanço para a fantasia da autora, com Poppy War? Vamos ver! E agora quero saber: quem já leu Yellowface? O que acharam?

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