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Rita da Nova

Sex | 19.11.21

Vem à Quinta-Feira, Filipa Leal

Depois de ter lido Fósforos e Metal sobre Imitação de Ser Humano, de Filipa Leal, sabia que mais tarde ou mais cedo iria acabar por ler mais poemas da autora. E se eu já tinha gostado da minha primeira experiência, acho que este Vem à Quinta-Feira ainda me tocou mais no coração.

 

vem-a-quinta-feira-filipa-leal.jpg

 

É difícil falar de poesia, sobretudo numa colectânea tão diversa como esta, mas há claramente aqui vários temas transversais: as dificuldades que a geração da autora passou e passa, as memórias de tempos felizes, os amores que nunca chegaram a sê-lo totalmente. E por ser tão difícil falar de poesia, nada como deixa-vos aqui o poema que dá nome ao livro:

 

Vem à Quinta-feira.

É quase fim-de-semana e podemos, talvez, beber uma cerveja

ao cair da tarde, enquanto planeamos a viagem a Paris. E se Paris

for muito caro - sei que isto não está fácil - podemos ir a Guimarães

assistir a um concerto, que ouvir é a maneira mais pura de calar.

Vem à Quinta-feira.

A seguir, temos ainda a Sexta e talvez me esperes à porta do emprego,

e talvez fiques para Sábado e Domingo, e talvez o mundo pare

de acabar tão depressa.

Vem à Quinta-feira.

Mas não venhas nesta, vem na próxima.

Nesta, tenho um compromisso que não posso adiar, é um compromisso

profissional - sabes que isto não está fácil - e talvez nos dê hipótese de irmos

a Paris ou a Guimarães. Vem na próxima, que eu preciso de tempo

para arranjar o cabelo, para arranjar o coração,

para elaborar a lista do que me falta fazer contigo.

Vem à Quinta-feira e não te demores.

Enquanto te escrevo, já fui elaborando a lista

(sabes como gosto de pensar em tudo

ao mesmo tempo)

e afinal o que me falta fazer contigo

não é caro:

- viajar de auto-caravana,

- dançar pela Estrada Nacional,

- ver-te chorar.

Choras tão pouco. Ainda bem que estás contente.

Vem à Quinta-feira.

Se não pudermos ir a Paris ou a Guimarães, não te preocupes.

Vem na mesma, que eu vou apanhando as canas-da-índia, as fiteiras,

eu vou recolhendo a palha e reunindo cordas e lona.

Já estive a aprender no Youtube como se faz uma cabana.

Vem na mesma, que eu vou procurando um lugar seguro.

Vem na mesma porque a cabana, como a casa, só funciona com amor

— ou, pelo menos, é o que diz o Youtube.

Temos ainda tanto para fazer.

Por isso, se algum dia voltares, meu amor, volta numa Quinta.

 

Quando terminei o Fósforos e Metal sobre Imitação de Ser Humano, lembro-me de ter pensado que teria sido melhor ter lido mais devagar, a aproveitar melhor cada poema, e que numa próxima seria mais calma. Obviamente que não consegui não devorar este livro, ainda por cima estando no Porto parece que ainda senti mais o que aqueles textos tinham para dizer. É que é difícil não nos identificarmos com a forma como Filipa Leal explora emoções e utiliza pequenas memórias para evocar sentimentos que são comuns a qualquer pessoa.

 

Espero ter conseguido convencer-vos a dar uma chance aos poemas de Filipa Leal, porque valem mesmo a pena. Agora, contem-me lá: que outros poetas dentro do mesmo género me recomendam?