Vem à Quinta-Feira, Filipa Leal
Depois de ter lido Fósforos e Metal sobre Imitação de Ser Humano, de Filipa Leal, sabia que mais tarde ou mais cedo iria acabar por ler mais poemas da autora. E se eu já tinha gostado da minha primeira experiência, acho que este Vem à Quinta-Feira ainda me tocou mais no coração.
É difícil falar de poesia, sobretudo numa colectânea tão diversa como esta, mas há claramente aqui vários temas transversais: as dificuldades que a geração da autora passou e passa, as memórias de tempos felizes, os amores que nunca chegaram a sê-lo totalmente. E por ser tão difícil falar de poesia, nada como deixa-vos aqui o poema que dá nome ao livro:
Vem à Quinta-feira.
É quase fim-de-semana e podemos, talvez, beber uma cerveja
ao cair da tarde, enquanto planeamos a viagem a Paris. E se Paris
for muito caro - sei que isto não está fácil - podemos ir a Guimarães
assistir a um concerto, que ouvir é a maneira mais pura de calar.
Vem à Quinta-feira.
A seguir, temos ainda a Sexta e talvez me esperes à porta do emprego,
e talvez fiques para Sábado e Domingo, e talvez o mundo pare
de acabar tão depressa.
Vem à Quinta-feira.
Mas não venhas nesta, vem na próxima.
Nesta, tenho um compromisso que não posso adiar, é um compromisso
profissional - sabes que isto não está fácil - e talvez nos dê hipótese de irmos
a Paris ou a Guimarães. Vem na próxima, que eu preciso de tempo
para arranjar o cabelo, para arranjar o coração,
para elaborar a lista do que me falta fazer contigo.
Vem à Quinta-feira e não te demores.
Enquanto te escrevo, já fui elaborando a lista
(sabes como gosto de pensar em tudo
ao mesmo tempo)
e afinal o que me falta fazer contigo
não é caro:
- viajar de auto-caravana,
- dançar pela Estrada Nacional,
- ver-te chorar.
Choras tão pouco. Ainda bem que estás contente.
Vem à Quinta-feira.
Se não pudermos ir a Paris ou a Guimarães, não te preocupes.
Vem na mesma, que eu vou apanhando as canas-da-índia, as fiteiras,
eu vou recolhendo a palha e reunindo cordas e lona.
Já estive a aprender no Youtube como se faz uma cabana.
Vem na mesma, que eu vou procurando um lugar seguro.
Vem na mesma porque a cabana, como a casa, só funciona com amor
— ou, pelo menos, é o que diz o Youtube.
Temos ainda tanto para fazer.
Por isso, se algum dia voltares, meu amor, volta numa Quinta.
Quando terminei o Fósforos e Metal sobre Imitação de Ser Humano, lembro-me de ter pensado que teria sido melhor ter lido mais devagar, a aproveitar melhor cada poema, e que numa próxima seria mais calma. Obviamente que não consegui não devorar este livro, ainda por cima estando no Porto parece que ainda senti mais o que aqueles textos tinham para dizer. É que é difícil não nos identificarmos com a forma como Filipa Leal explora emoções e utiliza pequenas memórias para evocar sentimentos que são comuns a qualquer pessoa.
Espero ter conseguido convencer-vos a dar uma chance aos poemas de Filipa Leal, porque valem mesmo a pena. Agora, contem-me lá: que outros poetas dentro do mesmo género me recomendam?