Sísifo, Gregório Duvivier & Vinicius Calderoni
No palco existe uma rampa, o ator percorre essa rampa em todas as cenas e, no fim, salta. Sísifo: Ensaio sobre a repetição em sessenta saltos é um monólogo escrito e protagonizado por Gregório Duvivier, que esteve em cena em Portugal no final de 2019. Porque é que só vos falo desta peça agora, perguntam vocês? Porque a sorte assim o ditou: de todos os livros que estavam na minha prateleira por ler, este foi o selecionado aleatoriamente.
Na altura não fui ver a peça, e só agora tenho noção daquilo que perdi. Começando pelo início: Sísifo: Ensaio sobre a repetição em sessenta saltos inspira-se precisamente no mito de Sísifo, um rei condenado a empurrar uma pedra monte acima por desejar ser imortal, pedra essa que cai quando chega ao topo, num processo que se repete até à eternidade. É frequentemente usado para descrever trabalhos ou tarefas árduos, repetitivos ou, por vezes, destinados ao fracasso.
Mas a questão é que as coisas são mesmo regidas pelo mistério. É um milagre que exista a vida, e que cada um de nós nasça. Não necessariamente um milagre religioso, mas certamente um milagre matemático. Estatisticamente, é como se todo mundo que nasce já tivesse ganhado numa loteria antes de morar no útero da sua mãe e a gente se esquece disso e passa a vida temendo a morte e não sabendo lidar com as coisas quando acabam. Mas se a gente se lembrar que nascer é tão improvável quanto glorioso, é possível encarar o envelhecimento e a morte como uma inevitabilidade bonita dentro do milagre fundador que é a vida de cada um. Pra mim, isso também vale para o fim do amor.
Neste ensaio em sessenta saltos, Gregório Duvivier e Vinicius Calderoni transpõem o mito de Sísifo para o palco e para a vida real e atual, para as coisas por que temos de passar se queremos sentir-nos realizados. Ou, de certa forma, para a ilusão dessa aparente necessidade de sofrimento prévio, através do qual será necessário passar para atingir a verdadeira felicidade. É um texto trágico-cómico que, a cada salto, nos faz refletir sobre o que valorizamos na vida, e os caminhos que percorremos.
Gostei muito de ler uma peça de teatro, algo que raramente faço, e deixou-me o bichinho para ler mais algumas. Tenho cá duas de Shakespeare, mas fica a porta aberta para que me sugiram outras, mais ou menos conhecidas. Quais são as vossas favoritas?