Palavras Cruzadas // Um sabor de infância
Estou ao colo da minha Avó. Não está frio, mas os raios de sol não estão suficientemente quentes para me queimar a pele. Acho que corre uma aragem, mas disso não me recordo. Talvez as folhas das árvores dancem umas com as outras. Talvez se olhem apenas, mudas, quietas, pacientes.
Devo ter acabado de dormir a sesta porque a luz do dia ainda me agride ligeiramente e ecoa na minha cabeça. Estamos na varanda e olho com curiosidade o vermelho dos carros de bombeiros estacionados abaixo de nós. Estico os dedos, o braço, o corpo, mas não lhes toco.
É então que oiço um barulho que nunca esquecerei. A minha mãe traz nas mãos um copo de iogurte, que mexe energicamente com uma colher prateada. Leva-me uma colherada à boca e recuso. Pego no talher com a minha própria mão, como pequena independente que sempre tive a mania de ser. Ou de achar ser. Está amargo e a minha mãe põe-lhe mais uma colher de açúcar. Volta a remexer o iogurte com um barulho que me é tão familiar. Sorri e as folhas das árvores, lá fora, sorriem com ela.
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Este é o décimo post da rubrica Palavras Cruzadas, criada em parceria com o P.A. e, quem sabe, convosco também. A ideia é irmo-nos desafiando uns aos outros através da escrita e escrevermos sobre temas que saem um pouco da nossa zona de conforto ou registo. O tema desta quinzena foi ideia minha, agora é ver o desafio que o P.A. tem para a próxima quinzena!