Os livros da Rita // O Pintor Debaixo do Lava-Loiças, Afonso Cruz
Quando o Jorge me disse "tenho um livro lá em casa que tens mesmo que ler", ele não sabia que o Afonso Cruz - ou o seu Os Livros Que Devoraram o Meu Pai - tem um lugar muito especial na minha história com o Guilherme. E também não sabia que há uns anos fomos até Óbidos só para lhe pedir que assinasse uma cópia do livro. Mas sabia que tenho uma ligação muito especial com a minha Avó e sabe, acima de tudo, que gosto de coisas simples escritas de forma bonita. E isso bastou para que acertasse completamente no empréstimo que me fez.
Neste O Pintor Debaixo do Lava-Loiças, Afonso Cruz conta uma história que acompanhou a sua infância. A história de como os seus avós ajudaram um pintor eslovaco refugiado por causa do nazismo, escondendo-o debaixo do seu lava-loiças. Como ouviu esta história desde pequeno, acrescentou uma camada de imaginação acerca do que teria sido o passado deste homem e foi isso que gostei tanto neste livrinho. É a imaginação de uma criança posta por escrito através das palavras de um adulto.
O escorrega ensina-nos que um pequeno, muito pequeno, momento de prazer exige que subamos escadas. O esforço para ser feliz é muito maior do que aquilo que desfrutamos. É isso que nos diz o escorrega. Não é por acaso que todos nós somos educados com eles.
Para além de Os Livros Que Devoraram o Meu Pai também já tinha lido o Flores e lembro-me que terminei todos com a sensação de que Afonso Cruz escreve muito bem, mas pensa ainda melhor. Comparo-o muito com Saramago porque consegue criar narrativas aparentemente simples, por vezes meio infantis até, para abordar questões mais filosóficas. Deixo-vos três citações deste livro que provam isso mesmo:
Muito da eficiência daquilo que fazemos, daquilo que mastigamos, depende do que não se vê. Das raízes. É por isso que estou a contar esta história. Porque são as coisas que estão dentro de nós e em que ninguém repara quando nos olha. Temos uma paisagem muito grande que não se vê, a menos que nos debrucemos para dentro e mostremos aquilo de que nos lembramos.
O seu passado parecia ter ficado definitivamente para trás, mas o passado nunca fica para trás. Anda sempre connosco. Mais ainda, vai à nossa frente - o futuro só o vemos através desse passado.
Fica demonstrado que as coisas que vemos e que são comuns a todos, as coisas que são iluminadas pela luz exterior, são muito menores do que as coisas que vemos com a luz dos nossos olhos. De resto é da mistura das duas luzes que o mundo é feito.
Ao início não se percebe muito bem, mas este livro é uma homenagem do escritor aos seus dois avós, ambos suficientemente corajosos para ajudar judeus na altura da Segunda Guerra Mundial. Devorei o livro de uma assentada, numa manhã de piscina, mas quando cheguei ao fim e percebi o motivo que o levou a escrever este livro, fiquei completamente K.O. Posso ou não ter chorado, mas isso agora também não vem para a conversa.
Não sabia que ele tinha orgulho nessas coisas. Ele não era muito expansivo. Para mim, o mais importante não foi o homem chegar à Lua, foi saber que eu tinha chegado ao meu avô. Por vezes é uma viagem muito mais difícil: chegar a quem está perto.
Aposto que há aí fãs de Afonso Cruz! O que me recomendam que leia dele a seguir?
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O Pintor Debaixo do Lava-Loiças por Afonso Cruz
Avaliação: 9,5/10
Semelhante a: Os Livros Que Devoraram o Meu Pai e Flores, do mesmo autor