Os livros da Rita // As Vozes de Chernobyl, Svetlana Alexievich
A mini-série Chernobyl, da HBO, é um pequeno sucesso televisivo - por ser a primeira vez que esta catástrofe é abordada desta forma; pela visão humana do que se passou; pela fotografia lindíssima. A série capta a beleza que existe em tudo o que é trágico, e isso foi o que mais gostei. Depois de ter devorado os cinco episódios de 1h numa assentada, decidi agarrar-me ao livro que inspirou o criador da série - As Vozes de Chernobyl, de Svetlana Alexievich.
A autora conseguiu criar um estilo narrativo muito próprio, entre o jornalismo e a literatura, que se baseia essencialmente em testemunhos de pessoas que viveram um certo acontecimento (Chernobyl, neste caso). Selecciona algumas pessoas, acompanha-as durante anos e entrevista-as de tempos a tempos. Depois edita os seus testemunhos, as suas histórias, e traz-nos um retrato fiel do que estas pessoas viveram (e ainda vivem) na primeira pessoa.
Tudo se tornou impossível, os olhos, os ouvidos, os dedos já não serviam, já não podiam servir, porque a radiação não é visível e não tem cheiro nem som. É incorpórea. Durante toda a nossa vida, ou estávamos em guerra ou nos preparávamos para a guerra, sabemos tanto sobre ela - e de repente! A imagem do inimigo mudou. Surgiu-nos outro inimigo… Inimigos… A erva recém-ceifada matava. O peixe e a caça capturados, uma maçã… O mundo à nossa volta, antes complacente e amigável, agora incutia medo.
Se a mini-série se centra, essencialmente, no desastre e na forma como o governo soviético o tentou controlar e esconder, o livro de Svetlana Alexievich vai muito para além disso. Como a própria escritora diz, As Vozes de Chernobyl é um livro sobre o futuro, sobre as consequências da catástrofe e a forma como esta mudou uma nação inteira. Sendo bielorrussa, não poderia deixar de nos mostrar o impacto que Chernobyl teve no desenvolvimento deste país - em 10 milhões de habitantes, cerca de 20% ainda vivem com consequências da radioactividade.
Quando falamos sobre o passado ou sobre o futuro, as nossas palavras englobam as nossas noções do tempo, mas Chernobyl é antes de mais uma catástrofe do tempo. Os radionuclídeos espalhados pela nossa terra existirão durante cinquenta, cem, duzentos mil anos… Ou mais… Na ótica da vida humana, são eternos.
É uma leitura dura e difícil de digerir, mas tem o seu quê de viciante. Svetlana Alexievich traz-nos histórias e relatos que, de outra forma, se manteriam secretos para sempre. Parece-me uma leitura essencial para compreender o declínio da União Soviética e dar a importância devida a este acontecimento, que tantas vezes é desconsiderada.
Descobri algo tão… Percebi que Chernobyl vai além de Kolymá e Auschwitz… e do Holocausto… Fui clara? Um homem com um machado e um arco ou um homem com um lançador de granadas e câmaras de gás não nos poderia matar a todos. Mas o homem com o átomo… Nesse caso… Toda a terra está em perigo…
Fiquei também agradavelmente surpreendida com o estilo narrativo da autora e vou certamente querer ler mais coisas dela. O A Guerra não tem Rosto de Mulher já tinha sido falado num dos encontros d’Uma Dúzia de Livros e acho que será a minha próxima escolha. Quem desse lado também viu a série e ficou com vontade de ler este livro?
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As Vozes de Chernobyl por Svetlana Alexievich
Avaliação: 8,5/10