Os livros da Rita // 1Q84 (Livros 2 e 3), Haruki Murakami
Agora que regresso da viagem a Madagáscar, é também tempo de vos falar dos livros que me acompanharam ao longo destas duas semanas. Uma coisa vos digo: nunca subestimem o poder que as férias têm na voracidade de um leitor compulsivo. Na mala levei os volumes 2 e 3 da trilogia 1Q84, escrita por Haruki Murakami, mas li-os tão depressa que tive que roubar os livros que o Guilherme tinha levado para ler.
Ao contrário do que fiz com o primeiro volume da trilogia, hoje decidi juntar estes dois volumes num só post. Ser-me-ia muito complicado falar-vos deles separadamente, porque na verdade não fiz nenhuma pausa entre eles. E não deixa de ser estranho que, tendo terminado a leitura há tão pouco tempo, já não consiga distinguir bem onde começa um e acaba o outro.
Bem sei que ele não se encontra “aqui”, mas um corpo inexistente nunca morre, da mesma forma que as promessas por cumprir não se podem quebrar.
E então a dor surgira. Até esse momento, o frio do coração devia ter anestesiado essa sensação dolorosa. Era, por assim, dizer, um mecanismo de defesa. Agora aceitava a dor e, em certo sentido, até a saudava. O calor que sentia fazia frente à dor. Vieram a par, e, a menos que aceitasse a dor, não sentiria calor. Era uma espécie de troca.
Já vos tinha falado do facto de a história ser sempre contada alternadamente através das perspectivas de Aomame e Tengo, as duas personagens principais. Contudo, no terceiro livro Murakami altera um pouco as regras do jogo e traz-nos a voz de uma personagem nova. Chama-se Ushikawa e não é propriamente simpático, o que a meu ver acrescenta um lado muito interessante na narrativa.
Ora bem, como eu já tinha comentado convosco, o Murakami destes livros é aquele Murakami mais fantasioso que perde a atenção de muita gente. Com estes livros percebi uma coisa sobre o autor em que nunca tinha pensado, apesar de já ter lido muitas coisas dele. Para se conseguir gostar deste lado mais supernatural de Murakami é preciso aceitar as novas regras destes mundos que ele nos traz. Porque ler é sobretudo isso: ter acesso a mundos e a cenários que não conseguiríamos viver de outra forma, sobretudo se estes estiverem arrumados na cabeça de alguém.
- E quem é o meu pai?
- É apenas um espaço vazio. A tua mãe juntou os trapinhos com um vazio e pôs-te neste mundo. Eu preenchi esse vazio.
E é preciso aceitar outra coisa: que Murakami não fecha histórias. É um bocadinho como se nos abrisse a porta para a casa dele, uma casa desordenada, com coisas fora do lugar. Mostra-nos as divisões, mas nunca nos explica porque é que as coisas não estão onde deviam estar. Por um lado, isso pode inquietar muita gente, mas por outro é a forma mais genuína que um autor tem de nos dar um papel na leitura, de nos dar uma certa liberdade para sentirmos a história a partir do nosso próprio ponto de vista.
É por isso que, para mim, este livro é sobre solidão e o esforço que todos fazemos para nos sentirmos um pouco menos sozinhos. É sobre a certeza de que só vivemos completamente quando colocamos parte de nós nas mãos dos outros. Mas é provável que, ao lerem, percebam que para vocês é sobre outra coisa qualquer.
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1Q84 por Haruki Murakami
Avaliação: 8/10
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