Leme, Madalena Sá Fernandes
Há pouca coisa nova que possa dizer sobre Leme, de Madalena Sá Fernandes — este livro tem andado um pouco por todo o lado e a ser lido por muita gente. Por isso, vão desculpar-me, mas é provável que esta review diga coisas que já leram ou ouviram noutros sítios, o que só confirma que toda a fama que tem é completamente justificada.
Entre a ficção e a auto-ficção, este livro é o relato cru da violência doméstica aos olhos de uma criança que se torna adolescente, que se torna adulta. Que acaba a repetir alguns dos ciclos, porque infelizmente é assim mesmo que algumas coisas são na vida. Tem muito da experiência de vida da própria autora, como é assumido, e isso ainda me faz ter um respeito maior pela maneira como conseguiu pôr na escrita tudo aquilo por que passou e tudo o que sente sobre isso. Acredito que seja muito complicado de conseguir este equilíbrio entre escrever para ajudar a resolver traumas e escrever para ser editado e lido.
Porque é sempre complicado dar opinião sobre a vida das pessoas — porque, no fundo, é disso que um livro de memórias como este se trata —, resta-me falar-vos um pouco da escrita da autora. Ao mesmo tempo que consegue trazer ao de cima a inocência da infância, rapidamente nos tira o tapete de debaixo dos pés com as descrições vívidas dos momentos em que Paulo, o padrasto, se tornava violento com a criança narradora ou com a mãe. Consegui sentir a dualidade que existe na cabeça das crianças que passam por situações destas: a figura violenta é também uma figura paternal, capaz de dar amor na mesma medida em que o tira.
Os capítulos são muito curtos, mas não se deixem enganar ou levar pela sofreguidão de o ler de uma assentada — acreditem, vai acontecer. Em vez disso, permitam-se digerir o que forem lendo porque pode ser bruto (sobretudo se tiverem passado por vivências semelhantes). Por fim, contem-me: também já leram Leme? Se sim, o que acharam?