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Rita da Nova

Ter | 27.10.20

Campo de Sangue, Dulce Maria Cardoso

Oh, Dulce, porque é que me fazes isto? Desculpa tratar-te por tu, mas já nos sinto um bocadinho amigas. Não há nada que tu escrevas que seja só assim um bocadinho menos bom? Juro que começo um livro teu sempre da mesma forma, a achar que é desta que me desiludo… e nunca é.

 

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Agora que já tive este pequeno diálogo com a Dulce Maria Cardoso na minha cabeça, é altura de vos falar de Campo de Sangue, o único romance da autora que ainda não tinha lido - apesar de o ter cá por casa à espera. Neste livro, conta-nos a história de um assassinato, embora tenhamos que ir lendo para perceber, primeiro, quem é o assassino e, depois, quem é a vítima.

 

O protagonista, sem nome, tem claramente uma doença mental que o faz procurar constantemente a validação dos outros, sobretudo das mulheres, como que criando uma realidade feliz e entusiasmante que só existe na cabeça dele. O mais interessante é que vi um pequeno vídeo em que a autora dizia que, quando o idealizou nos anos 90, a ideia era ser apenas um doente mental; mas que agora, aos olhos dos anos que vivemos, parece-lhe ser apenas um homem normal, dentro do que todos nos tornámos.

 

Ao longo das páginas de Campo de Sangue vamo-nos tornando familiares com esta forma de ser do protagonista e, ao mesmo tempo, vemos a perspectiva de quatro mulheres importantes na vida dele: a mãe, a ex-mulher, a senhoria da pensão em que vive e a rapariga por que se apaixona. São elas quem tem que atestar a saúde mental deste homem, antes de ser julgado pelo crime que cometeu.

 

Nunca tinha acreditado que se podia começar a vida outra vez, e a carta que a intimava a depor dava-lhe razão. Começar a vida era um privilégio de um recém-nascido ou de um amnésico, não estava ao alcance dela nem de ninguém, os que diziam isso estavam enganados e mentiam. Eva não os criticava porque era fácil enganarem-se e bom mentirem, em contrapartida acreditava que todos os erros podiam ser corrigidos desde que se tivesse vontade, a vontade chegava para corrigir os erros, mas nunca para se começar tudo de novo, Eva queria corrigir o erro de ter confiado nele.

 

Percebemos, também, que mesmo as pessoas próximas de um doente mental podem não ter completa noção de como ele verdadeiramente se sente. E isto leva-nos a outras questões, como: será que conhecemos realmente as outras pessoas? E será que nos conhecemos realmente? Como em todos os livros da Dulce Maria Cardoso, a história parte de um acontecimento aparentemente pequeno para, aos poucos, nos levar a reflexões sobre temas muito mais profundos e importantes.

 

Isto para vos dizer que Campo de Sangue não é sobre um homem que mata alguém, nem sobre as mulheres que fazem parte da vida dele. É sim, sobre assuntos muito maiores como a solidão, a dificuldade em nos ligarmos verdadeiramente uns aos outros e a forma como nos conhecemos uns aos outros (ou não). Vale muito, muito a pena. Facilmente se tornou o meu segundo livro favorito da escritora, só destronado pel'O Retorno

 

Já leram este livro ou outros da autora? Vocês sabem que eu sou fã e vou fazer de tudo para que leiam.

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