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Rita da Nova

Sex | 10.10.25

No Brasil não há leões, Álvaro Curia

Aguardava o segundo romance do Álvaro com muita expectativa: algo me dizia que não iria ser, em nada, semelhante ao primeiro, Filhos da Chuva, e parece que essa intuição estava correta. Bastou-me ver o título — No Brasil não há leões — e a capa para confirmar que este livro teria tudo para ser um livro daqueles que gosto de ler, cheio de densidade emocional e profundidade no desenvolvimento das personagens.

 

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Conhecemos o nosso protagonista, de quem só sabemos o nome muitas páginas depois, num momento de choque familiar: cai um elevador, os avós morrem nesse acidente e, a partir daí, toda a farsa familiar se defaz. E, embora possa parecer que este desaparecimento do conceito de família é uma coisa inerentemente má, para esta personagem pode também ser um ponto de partida para revisitar o trauma a que foi sujeito, de forma a libertar-se (ou não) de tudo o que lhe aconteceu quando era mais jovem.

 

Vamos andando sempre entre os quinze anos antes e o presente da história, de forma meio fragmentada e sem um fio condutor claro, como acredito que seja quando recordamos o que nos aconteceu para tentar criar significado. O nosso protagonista não nos poupa, como também ele não foi poupado: há relatos detalhados do abuso, violência e abandono que sofreu; mas, porque não há trevas sem luz, também nos dá acesso aos momentos bonitos que foi vivendo, e apresenta-nos as pessoas (e não só) responsáveis por tais alegrias.

 

Olho essa violência de frente, defino-a em rigor, nomeio-a, dou-lhe a minha voz para que ninguém faça dela a sua fala. Feito em pedaços de pedra, é a mim que a minha dor pertence.

 

Depois de um Filhos da Chuva com um pé no realismo mágico, gostei muito, muito, muito de ler o Álvaro neste registo mais humano e cru — acho que a prosa dele brilha especialmente assim, quando fala do mais sombrio que existe dentro do ser humano. Acredito que tenha sido um livro especialmente difícil de escrever, pela imersão nestes temas pesados, e acho que é uma narrativa que exige ser lida assim, com calma, respeito e tempo para deixar tudo assentar.

 

Já fui falando deste livro aqui e ali, mas esqueço-me sempre de mencionar que adorei a maneira como o Álvaro acabou este livro e nos tirou completamente o tapete. Sabem aquelas histórias que leríamos com outros olhos se soubessemos como acabam? É precisamente isso que acontece, mas não vou dizer mais nada porque não quero estragar — até porque acho mesmo que devem ler este livro.

 

Há por aí leitores do Álvaro? Ou curiosos? Contem-me tudo!