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Rita da Nova

Sex | 13.06.25

Filho do Pai, Hugo Gonçalves

Estava cheia de vontade de ler Filho do Pai desde que fui à apresentação do livro em Lisboa, moderada pela Tânia Ganho. Adorei ouvir o Hugo Gonçalves falar de como foi escrever este relato, e a leitura da Tânia (sempre tão completa e sensível) acrescentou uma camada de interesse relacionada com o processo de escrita em si. Ainda assim, como também saberão, decidi ler primeiro Filho da Mãe, e por isso demorei um pouco a chegar a este.

 

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Não é absolutamente necessário ler primeiro Filho da Mãe, mas eu acredito que enriqueceu muito a minha experiência: foi possível observar como é que Hugo Gonçalves parte de experiências semelhantes — a morte da mãe no primeiro e a morte do pai no segundo — e escreve dois livros muito diferentes sobre esses acontecimentos. Se Filho da Mãe se centra na maneira como construímos as nossas memórias, e o papel que as pessoas mais velhas têm nessa mesma construção, em Filho do Pai todo o contexto é diferente. Hugo confronta-se com a possibilidade da morte do pai já em adulto, e quando ele próprio está prestes a tornar-se pai pela primeira vez. Isto é o ponto de partida para reflexões muito interessantes sobre paternidade e masculinidade.

 

Quando soube que o meu pai se estatelava da cama, a meio da noite, chorando porque tinha medo de morrer, não pude disfarçar o meu ultraje primitivo, do macho que preza a inteireza do seu corpo: como podia aquele homenzarrão ser reduzido ao desamparo dos doentes terminais? O choque maior viria depois: como podia o meu pai ter escondido, durante toda a vida, tão indefetivelmente, a sua vulnerabilidade?

 

Tive uma experiência menos emocional com este livro, mas creio que esse também era o objetivo do autor: Hugo Gonçalves estudou muito sobre a maneira como educamos os nossos rapazes, como transmitimos experiências de masculinidade às gerações futuras, como é ser um rapaz nos dias de hoje. Ainda assim, conseguiu a proeza de não tornar Filho do Pai num livro técnico e estéril — esta narrativa continua a ser sobre perder um pai e sobre tornar-se pai, com tudo o que esta experiência tem de íntimo e frágil.

 

Não poderia recomendar mais este livro, bem como todos os outros que já li do autor. A cada nova leitura, a cada novo romance ou livro de não-ficção, confirmo a minha suspeita de que é uma das minhas vozes favoritas da literatura portuguesa.