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Rita da Nova

Qui | 26.06.25

Deep Cuts, Holly Brickley

Uma das coisas de que mais gosto no Clube do Livra-te — por falarmos de livros que lemos em conjunto com outras pessoas — é a quantidade de reflexões que uma simples leitura pode espoletar, mesmo (ou sobretudo) quando não ficámos assim tão fãs da história ou da forma como está escrita. Deep Cuts (PT: Deep Cuts - Uma Música Só Nossa), o romance de estreia de Holly Brickley, pode não ter sido a leitura que antecipava, mas pôs-me a pensar e a falar sobre a maneira como divulgamos livros hoje em dia.

 

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Começando pelo livro em si: Deep Cuts conta a história de Percy e Joe, que se conhecem através do amor que ambos têm à música. Ora, Joe tem um grande talento, mas pouca capacidade para escrever músicas, e Percy tem pouco talento, mas um gosto musical invejável (e sabe sempre como melhorar as canções de Joe). A partir desta premissa, vamos assistir à maneira como a relação deles se desenvolve, tendo em conta que Joe é catapultado para o estrelato e Percy fica na sombra.

 

Muita coisa poderia ter sido diferente nesta história — desde logo, acho que a experiência de leitura fica penalizada por não termos a perspetiva de Joe. Toda a narrativa é conduzida na primeira pessoa pela Percy, o que faz com que muitas das atitudes de Joe fiquem por explicar, ou pelo menos sejam contadas pela metade. E depois, as excessivas referências musicais, algo que funcionou para algumas pessoas, mas que fez com que a minha experiência de leitura fosse menos fluida.

 

Ainda assim, aquilo que realmente prejudicou o livro, pelo menos na minha opinião, foi ter sido vendido ao público como um livro perfeito para quem gosta de Daisy Jones and The Six, de Taylor Jenkins Reid, e Normal People (PT: Pessoas Normais), de Sally Rooney. E aqui chegamos ao ponto de que realmente me interessa falar: publicitar novos livros como o cruzamento de outros títulos famosos está a fazer mais mal do que bem. Atenção, eu compreendo porque é que as editoras e até os autores o fazem, mas esta estratégia de marketing cria expectativas nos leitores, que dificilmente serão cumpridas porque não é suposto que um livro seja outra coisa que não ele mesmo.

 

Não sei se isto vos faz sentido, mas gostava muito de saber a vossa opinião sobre a maneira como os livros nos são «vendidos» porque, na maior parte das vezes, fico com a sensação de que todo o marketing faz com que eu acabe a gostar menos das histórias. Falamos nos comentários? Se me quiserem dizer o que acharam de Deep Cuts, a caixa também está aberta!

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O que é o Clube do Livra-te?

É o clube do livro do podcast Livra-te — calma, não precisam de acompanhar o podcast para participar nas leituras. Todos os meses, cada uma de nós escolhe um livro para ler em conjunto convosco e vocês podem optar por ler a escolha da Joana, a escolha da Rita ou ambas. Depois, podem deixar a vossa opinião no grupo do Goodreads ou no Discord. Podem juntar-se a qualquer altura, venham daí!

Ter | 24.06.25

Feira do Livro // Edição de 2025

Todos os anos celebramos a grande festa do livro em Lisboa, não é mesmo? A Feira do Livro de Lisboa começou um pouco mais tarde este ano, e por isso não consegui apanhar a primeira semana de atividade — estava mesmo a terminar a pequena digressão de apresentação de Apesar do Sangue pelo país, e calhou estar na bela ilha da Madeira.

 

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Falando do meu trabalho enquanto escritora, tive a felicidade de estar mais um ano presente nessa condição. Será que alguma vez me vou habituar a ver o meu nome na agenda de eventos da feira, ou a ouvir o anúncio no recinto a avisar que as minhas sessões de autógrafos estão a decorrer? Mas bom, conversei com o Álvaro Curia, com a nossa editora, Marta Miranda, e com os leitores que assistiram à sessão sobre a novíssima ficção portuguesa. Como bons leitores que somos, a conversa passou também para a forma como escolhemos leituras e as partilhamos nas redes sociais, e criou-se ali uma troca de ideias muito orgânica com quem estava presente.

 

Tive também duas sessões de autógrafos «à pinha», mesmo apesar do sol direto que se fazia sentir, e por isso queria agradecer mais uma vez a todas as pessoas que estiveram presentes e resistiram ao calor. Muito obrigada por perderem um bocadinho dos vossos dias para ter um autógrafo e/ou conversar comigo sobre os meus livros e aquilo que acharam deles. Faz mesmo toda a diferença na minha vida, dá-me motivação para continuar a escrever, e mostra que afinal há muitos leitores interessados. Foi nessas sessões que me apercebi da quantidade de gente que estava a chegar à minha escrita e aos meus livros — vi muitos As Coisas Que Faltam (que também foi Livro do Dia algumas vezes) a serem comprados, assinei dezenas deles, e agora fico deste lado para perceber se consegui conquistar estes novos leitores. Bem-vindos!

 

Ainda assim, e ao contrário do que aconteceu no ano passado, fiquei com a sensação de ter conseguido aproveitar muito mais a Feira do Livro além daquilo que tinha em agenda enquanto autora. Fiz um bom «plano de ataque» para as minhas compras e dei lá vários saltos ao longo dos dias, simplesmente para passear e aproveitar oportunidades. Assim sendo, aqui vos deixo as minhas compras desta 95.ª edição da Feira do Livro de Lisboa:

 

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A Viagem do Elefante (17,75€ 10,66€) + As Intermitências da Morte (17,75€ 10,66€) + O Memorial do Convento, José Saramago (18,85€ 11,30€)

Começo pelos livros que vão diretamente para a estante porque já os li. Comprei-os nesta edição bonita porque anda para aí uma nova, com capas muito feias, e nunca se sabe se não se lembram de trocar uma pela outra. Poucos foram os livros de Saramago que estiveram como Livro do Dia na feira, ou que entraram nas promoções e Hora H, mas pelo menos consegui adicionar estes à minha coleção!

 

O Dever de Deslumbrar, Filipa Martins (24,90€ 14,94€)

Passei de ser a pessoa que «não gostava assim tanto de biografias» para ser a pessoa que se apaixonou completamente pel’A Desobediente, a biografia de Maria Teresa Horta escrita por Patrícia Reis. Natália Correia é várias vezes mencionada nessa obra, de tal modo que agora quero também saber mais da vida dela através deste livro.

 

Catarina e a Beleza de Matar Fascistas, Tiago Rodrigues (16,90€ 13,50€)

Não é preciso dizer grande coisa sobre o que me levou a comprar este livro, certo? O desconto não foi nada por aí além, mas senti mesmo que queria comprar esta peça de teatro — e sei que quero lê-la brevemente, tendo em conta a situação toda que vivemos.

 

O Evangelho Segundo Jesus Cristo, José Saramago (18,85€ 13,49€)

Aqui está o único livro de José Saramago que comprei este ano e que ainda não li — quero muito continuar na senda de pontuar as minhas leituras mensais com mais Saramago. Não estava como livro do dia quando o comprei, mas aproveitei a promoção de 5€ de desconto na compra de três livros com etiquetas de cores. Aliás, ia toda esperta em busca de mais livros de Saramago para perfazer o desconto e lixei-me, já que eram poucos os livros do autor com etiqueta colorida.

 

Amor Estragado, Ana Bárbara Pedrosa (17,70€ 9,89€)

Estava na minha lista como potencial Livro do Dia a ser comprado, mas acabei por comprá-lo para aproveitar o desconto de que vos falei acima — e acho que até acabou por ficar mais barato. Há dois anos, comprei Lisboa, Chão Sagrado e adorei, pelo que não podia perder a oportunidade de ler mais um livro de Ana Bárbara Pedrosa — e logo este, de quem tanta gente fala bem.

 

Todos os Nossos Ontens, Natalia Ginzburg (18,80€ 14,80€)

Foi a minha compra impulsiva do ano porque ia atrás de Léxico Familiar, mas estava esgotado. Fui conquistada pela sinopse, que afirma que este livro é uma espécie de Léxico Familiar, mas romantizado, e pela introdução de Sally Rooney. Ainda só li um livro de Natalia Ginzburg, Foi Assim, mas gostei muito e estou com vontade de continuar a explorar a obra da autora.

 

 

Se ficaram com curiosidade em perceber como têm sido as minhas Feiras do Livro de Lisboa ao longo dos anos, deixo-vos com os posts que fui escrevendo. Neles encontram também as minhas estratégias para aproveitar este evento da melhor forma, pode ser que vos inspire no próximo ano:

>> Como aproveitar melhor a Feira do Livro (2017)
>> Feira do Livro: as minhas compras deste ano (2018)
>> Feira do Livro // O rescaldo da edição de 2019
>> Feira do Livro // A edição de 2020
>> Feira do Livro // Edição de 2021
>> Feira do Livro // Edição de 2022
>> Feira do Livro // Edição de 2023
>> Feira do Livro // Edição de 2024

 

Estiveram presentes nesta edição da feira? Se sim, o que trouxeram convosco? Já leram algum dos que eu comprei? Vamos prolongar um dos eventos mais bonitos do ano aqui na caixa de comentários, boa? 🥺

Sex | 20.06.25

Beautyland, Marie-Helene Bertino

2025 está a ser um ano espetacular na descoberta de novos autores. Não apenas de novas vozes, mas de pessoas que fogem completamente às caixinhas em que costumamos inserir os livros de ficção. Já me tinha acontecido com uma leitura recente — Martyr! (PT: Mártir!), de Kaveh Akbar —, e voltou a acontecer-me com este Beautyland (PT: Beautyland - Terra Bela), de Marie Helene-Bertino, no qual sabia um total de… zero.

 

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Este livro chegou-me como oferta da Penguin (obrigada! 🫰) e só então me lembrei de que já tinha visto a capa algures. Daí a fazer dele uma leitura conjunta com a Sofia e o Guilherme foi um instante, e ainda bem que o lemos. Arrisco em dizer que se tornou um favorito dos três, tais foram as emoções e pensamentos que espoletou. Mas começando pelo início, e tentando desvendar apenas o essencial: Beautyland conta a vida de Adina, uma mulher que não se sente em casa no planeta Terra. Mais: Adina considera-se uma extraterrestre e, através de um fax, vai dando informações aos seus «superiores» sobre o que se passa na Terra.

 

He explains that avoiding experiences because of fear makes them feel bigger than they are. She is panicking over something that, if faced, would turn out to be minuscule. It is called integrating one's shadow self. Instead of avoiding a fear, you move toward it.

 

Acho que isto é tudo o que precisam de saber antes de partir para a leitura. Diria que interessa pouco perceber se é um livro de ficção científica ou especulativa, porque aquilo que realmente me prendeu à leitura foi a voz da protagonista e a evolução que podemos acompanhar ao longo do livro. Conhecemos Adina no momento do seu nascimento, e é como se nos fosse dada uma janela pela qual podemos espreitar para os pensamentos mais íntimos desta mulher. No fundo, é um livro sobre sentirmos que não pertencemos, que vemos o mundo de uma forma completamente diferente dos outros, mas também sobre encontrarmos quem nos compreenda. Se, no final das contas, Adina é uma extraterrestre, uma mulher no espetro do autismo ou só alguém que pensa de forma diferente, isso pouco interessa — o que interessa realmente é que, em qualquer um desses cenários, encontramos dentro dela humanidade.

 

When they are lonely, human beings reach out with their holding parts. If no one is around they reach out with their thoughts. They write sentences on paper to express their desire. This makes them feel less alone because they have created another person on the page.

 

Ler Beautyland é confrontarmo-nos constantemente com as idiossincrasias da personagem, mas também com as nossas. É como se fosse um pêndulo e andássemos sempre entre «isto é estranho» e «isto faz imenso sentido». Se procuram um livro que vos faça sentir compreendidos, mas também que desafie a forma como vemos o mundo, então aqui está ele. Recomendo mesmo muito que o leiam, até porque acho que qualquer pessoa encontrará aqui pontos de identificação e reflexão.

 

Dei-vos vontade de o ler?

Qui | 19.06.25

Atmosphere, Taylor Jenkins Reid

Não imaginam o quanto eu aguardei por um novo livro de Taylor Jenkins Reid, e o quão entusiasmada fiquei quando soube que nos traria uma história bastante diferente das anteriores. A autora volta a levar-nos ao passado — mas especificamente aos anos 1980 —, mas desta vez acompanhamos uma vaga de mulheres pioneiras que se tornaram astronautas na NASA.

 

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Atmosphere (PT: Atmosfera) conta a história de Joan Goodwin, uma astrofísica que, no verão de 1980, começa o treino para se tornar astronauta, juntamente com um conjunto de personagens que rapidamente se tornam uma espécie de família. É nesse contexto que conhece Vanessa Ford, uma engenheira aeronáutica que tem um magnetismo diferente. Ainda assim, a narrativa começa quatro anos depois, quando todas estas pessoas estão envolvidas na missão STS-LR9 — e tudo lhes foge do controlo.

 

Há sempre algum receio de que os autores de que tanto gostamos nos desiludam, e parti com algumas reservas para a leitura deste livro. No entanto, bastaram-me poucas páginas para compreender que estava perante mais uma narrativa de Taylor Jenkins Reid no seu melhor: fui completamente transportada para os anos 80 e para o ambiente que se vive nesta estação espacial. Além disso, sinto que desenvolveu muito bem todas as personagens — não apenas Joan, a protagonista, mas também todas as que estão à sua volta. Só Vanessa, o interesse amoroso, é que sinto que poderia ter sido explorada de outra forma e havia margem para tal, uma vez que o livro é todo narrado na terceira pessoa. Ainda assim, creio que o digo porque gostava de ter passado mais tempo com estas personagens, e não acho que retire qualquer qualidade à história e à forma como está escrita.

 

In all of her time spent watching others, she hadn't picked up on this part of falling in love, that someone could look at you as if you were the very center of everything. And even though you knew better, you'd allow yourself a moment to believe you were worthy of being revolved around, too.

 

Por outro lado, os saltos temporais funcionaram muito bem nesta narrativa: enquanto os capítulos do presente nos confrontam com o que está em risco, os capítulos do passado ajudam a construir a relação das personagens umas com as outras, fazendo-nos, aos poucos, torcer para que tudo corra bem. Atmosphere podia ser só uma história de amor entre duas mulheres, pontuada por estes momentos de clímax, mas é bem mais do que isso. À boa maneira de Taylor Jenkins Reid, temos aqui vários temas importantes, quase todos relacionados com emancipação feminina. Gostei muito que a autora tivesse explorado as diferentes posturas das astronautas que acompanhamos. Embora todas tenham uma oportunidade que até então era inacessível às mulheres, cada uma delas encara esse caminho de uma forma própria, o que tem depois impacto na postura e nas decisões de cada uma delas.

 

Adorei demorar-me na leitura deste livro, adorei conhecer estas personagens e sobra-me apenas um pedido: Taylor, se por acaso me estás a ler, podemos ter um livro que conte a história da Lydia Danes, à semelhança do que fizeste com Carrie Soto is Back depois de Malibu Rising? E não podia terminar sem um pedido para vocês, claro: se já o leram, contam-me o que acharam?

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