Reviews Relâmpago #1
É provável que tenham notado uma certa ausência por aqui, mas a verdade é que, pela primeira vez na vida, vi-me completamente incapaz de estar em todo o lado ao mesmo tempo. Talvez amadurecer seja aprender a conservar a nossa energia e a decidir usá-la nos sítios certos, à hora certa. As últimas semanas têm sido intensas: tenho andado pelo país a divulgar o meu mais recente romance, Apesar do Sangue, e a tentar fazer todas as outras coisas ao mesmo tempo.
Infelizmente, não consegui manter o ritmo de reviews aqui pelo blog, e isso levou-me à ideia de condensar algumas das minhas leituras mais recentes num só post. Nesta primeira edição das «Reviews Relâmpago», trago cinco livros que li entre o final de abril e o início de maio.
A Paixão Segundo G. H., Clarice Lispector
Parafraseando uma expressão que digo algumas vezes com experiências assim: no início não percebi nada, e no fim acabei como comecei. Mas até gostei desta viagem meio surrealista com Clarice Lispector, uma autora de quem já tinha lido A Hora da Estrela (embora não me recorde de nada, sei que gostei). É um romance com imensas reflexões sobre vários temas: a nossa perceção sobre o tempo, a nossa relação com o mundo e a perda de identidade. A protagonista, G. H., entra numa espécie de crise existencial e numa espiral de pensamentos profundos depois de esmagar uma barata — e apesar de ser o bicho que mais nojo me mete, consegui superar essa parte.
O Tempo Entre Costuras, Maria Dueñas
Sabem aqueles livros que ficam anos e anos nas prateleiras, à espera do momento certo para o lermos? O Tempo Entre Costuras era já um dinossauro na minha biblioteca pessoal, e até cheguei a pensar em vendê-lo, mas ainda bem que não o fiz. Sira Quiroga, a protagonista, leva-nos numa viagem entre Espanha, Marrocos e Portugal, em alturas como a Guerra Civil Espanhola e a Segunda Guerra Mundial. Sira, que aprendeu a costurar com a mãe e a patroa dela, vai ver-se envolvida num mundo de espionagem — apesar de não parecer o tipo de livros que habitualmente leio, adorei a forma como está escrito, o desenvolvimento das personagens e a relação entre a protagonista e outras mulheres.
É um romance muito feminista e envolvente, e sei que vou querer ver a adaptação para série brevemente.
She’s Always Hungry, Eliza Clark
Se em abril me esqueci completamente de incluir um livro de contos nas minhas leituras, em maio já não deixei passar. Eliza Clark é uma das minhas autoras de referência para histórias mais «fritas» e fora do comum, e esta coletânea mostra-nos um bocadinho de tudo aquilo que ela consegue fazer na escrita. Há contos mais reais, com horror corporal e violência nas relações, mas também narrativas de ficção científica.
I was born too late for her to have another. It was a disappointment not to have a girl. But she didn't want to put a bad man out into the world. Being the mother to a bad man was a worse sin than being daughterless.
Os meus favoritos foram: o conto que dá título ao livro, que é sobre uma sociedade costeira e matriarcal, contado do ponto de vista de um rapaz que pesca uma espécie de sereia, e um conto chamado Shake Well, sobre uma adolescente que namora com um rapaz mais velho e trafica droga, que consegue encontrar-lhe um tratamento para a acne severa na dark web. Embora não tenha sido o meu livro favorito da autora, recomendo porque acho que pode ser uma boa porta de entrada para a escrita dela!
Letters to a Young Poet (PT: Cartas a um Jovem Poeta), Rainer Maria Rilke
Um daqueles clássicos que eu sabia que leria um dia, mas nunca punha na lista de leituras. Valeu-me a minha amiga Pat e a nossa troca mensal de livros para que lhe pegasse de uma vez por todas. O tema de maio era «livros sobre conexão, sobre cartas, storytelling ou expressão criativa» e este, pese embora o seu curto tamanho, acabou por reunir todos os requisitos.
Não estava à espera de gostar tanto destas cartas enviadas por Rainer Maria Rilke e recebidas por Franz Xaver Kappus, onde se fala sobretudo da necessidade de reclusão e contacto com a natureza para a criação artística, sobre a procura de propósito naquilo que fazemos e sobre a necessidade de abraçarmos o sofrimento para melhor criarmos arte. Só tive pena de ler sempre estas cartas de forma unilateral, visto que nunca somos presenteados com aquilo que Kappus respondia a Rilke.
Falar Piano e Tocar Francês, Martim Sousa Tavares
A par do livro anterior, uma das leituras que levei para um retiro de leitura, também com a minha amiga Pat. Uma vez que tínhamos ambas este livro na nossa pilha de livros para ler, não encontrámos melhor oportunidade do que esta para, finalmente, ler sobre a arte, a cultura e o humanismo na era dos memes. Estava com algum receio de ser demasiado erudito, ou de me perder em referências que desconheço, mas o Martim contextualiza tudo muito bem. No fundo, faz aquilo que apregoa como importante ao longo dos vários capítulos deste livro: uma mediação que nos ajuda a compreender melhor e aproximarmo-nos da arte.
Foi-me impossível não fazer paralelismos entre os diferentes tipos de arte abordados e aquele em que me sinto mais à vontade — a literatura —, e gostei de ser guiada pelo conhecimento do Martim. No fim, e porque nunca é de mais lembrar, fica o alerta para deixarmos de ser tão snobes em relação à criação e ao consumo artístico.
Ainda esta semana, prometo trazer-vos a minha opinião sobre All Fours (PT: De Quatro), de Miranda July, a minha escolha de maio para o Clube do Livra-te, e mais um apanhado de reviews rápidas. Depois disso — e de uma semana de férias —, estarei de novo atualizada nas publicações e, se tudo correr bem, não será preciso recorrer a este formato muito mais vezes.
Contem-me: leram algum destes livros? Obrigada por continuarem desse lado!