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Rita da Nova

Sex | 30.05.25

Reviews Relâmpago #2

Tal como vos tinha prometido, e tendo em conta a batelada de opiniões que tinha por publicar aqui no blog, trago-vos mais uma série de reviews rápidas dos livros que tenho lido ultimamente. Andar de um lado para o outro faz com que não tenha tanto tempo para cuidar aqui deste cantinho, mas, pelo contrário, as viagens constantes de comboio e carro têm-me permitido avançar na leitura — seja em livro, e-book ou audiolivro. 

Falo-vos hoje de cinco leituras mais recentes, todas elas muito diferentes, mas nenhuma deixou a desejar:

 

As Perfeições, Vincenzo Latronico

Apaixonei-me pela capa deste livro, e só depois descobri que era finalista do International Booker Prize deste ano. As Perfeições acompanha um casal de jovens expatriados (italianos, creio, embora nunca seja explícitio) a morar em Berlim. São um casal millennial com uma vida aparentemente perfeita: um apartamento de revista, um trabalho digital por conta própria que vai de vento em popa, um grupo de amigos de várias nacionalidades com quem saem todas as semanas. Só que entendemos rapidamente que talvez esta perfeição seja oca, vazia de significado, e Vincenzo Latronico leva-nos a refletir sobre isso mesmo: sobre o sentimento de não-pertença e de falta de propósito característico da nossa geração.

 

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Talvez tivesse gostado de uma escrita menos racional e descritiva de acontecimentos, com um pouco mais de emoção, mas em geral é um excelente livro para compreender muitos millennials.

 

 

Caruncho, Layla Martínez

Se eu tivesse 1€ de cada vez que digo que livros de terror não são a minha praia, e se a esse euro acrescentasse outro de cada vez que me surpreendo positivamente por livros dentro deste género, se calhar já tinha um bom pé-de-meia. Caruncho, da espanhola Layla Martínez, foi bastante falado há uns tempos, e lembro-me de ver opiniões contrárias — havia quem adorasse e quem nem sequer conseguisse ler. Quando uma amiga me disse que estava a ler e a adorar (oi, Gi! 🫰), fui nesse mesmo dia comprar o livro para tirar as teimas.

 

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É uma história familiar cheia de trauma, contada através da relação de uma neta e uma avó, e só por isso já tinha tudo para eu gostar. Mas apaixonei-me de imediato pela escrita, e pela maneira como as vozes destas duas personagens compõem a história. A neta volta à casa da família depois de ser acusada por um crime, e nós vamos, aos poucos, compreendendo como é que tudo aconteceu — como é que a família chegou a este ponto e qual o papel da casa no meio disso tudo.

 

 

The Testaments (PT: Os Testamentos), Margaret Atwood

Vale sempre a pena recuperar os livros que temos há anos para ler e este, que me foi oferecido há muito tempo pela minha cunhada, estava à espera que eu lhe pegasse. E ainda bem que o fiz: The Testaments (PT: Os Testamentos) é a sequela de The Hadmaid’s Tale (PT: A História de Uma Serva), que li há vários anos e adorei, assim como a série.

 

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Estava curiosa com a forma como Margaret Atwood iria construir este enredo, que se passa quinze anos depois dos acontecimentos do primeiro livro, e devo dizer que me surpreendeu muitíssimo pela positiva. O estilo narrativo é completamente diferente, visto que se usa o artifício dos testamentos e documentos deixados pelas mulheres de Gilead para a posteridade, misturando-o com narração normal através das perspetivas de diferentes personagens (umas já conhecíamos, outras não). Acho que ainda gostei mais por ter ouvido, porque a narração do audiolivro está mesmo muito boa.

 

 

Ensaio Sobre a Lucidez, José Saramago

Se foi boa ideia ler este livro ao mesmo tempo em que Portugal ia às urnas? Sim e não. Foi bom porque me fez criar uma conexão muito imediata com o enredo, algo que de outra forma ou noutro contexto talvez não tivesse acontecido. Mas provou-se penoso porque não pude usar a leitura como escape para o resultado destas legislativas. Adorei este livro, que tem uma premissa tão Saramago: e se, no fim de um processo eleitoral, na capital de um país 70% das pessoas tivesse votado em branco? Passa-se alguns anos após os eventos de Ensaio Sobre a Cegueira, e é uma crítica feroz (como lhe era característico) ao nosso sistema eleitoral e político.

 

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Se têm dúvidas sobre a ordem em que devem lê-los, e apesar de poderem ser lidos isoladamente, eu diria que vale a pena começar com Ensaio Sobre a Cegueira e partir depois para este, sob pena de encontrarem aqui alguns spoilers do primeiro.

 

 

Água Viva, Clarice Lispector

Em maio, regressei a Clarice Lispector depois de uma experiência estranha (mas positiva) com A Paixão Segundo G. H. Sabia que queria continuar a explorar a obra da autora e este Água Viva, apesar de mais curto, conseguiu captar-me a atenção de forma mais imediata. Aqui, acompanhamos uma pintora a dirigir-se a alguém numa carta (ao amor da vida dela, talvez?), e a divagar sobre a arte, e sobre os paralelismos entre o processo de escrita e outros processos de criação artística. Tem, sem dúvida, vários pensamentos interessantes sobre o que é escrever.

 

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Já sabem o que vos vou perguntar, certo? Leram algum destes? Se sim, o que acharam? Já sabem que vou estar novamente ausente durante uma semana, mas na seguinte retomamos a programação habitual.

Qui | 29.05.25

All Fours, Miranda July

Por vezes há assim uns fenómenos literários capazes de dividir completamente os leitores: há quem ame, há quem odeie, e parece difícil encontrar alguém que fique no meio das duas barricadas. All Fours (PT: De Quatro), de Miranda July, é um desses casos — e, por isso mesmo, em jeito de provocar o pensamento durante a leitura, decidi escolhê-lo para o mês de maio no Clube do Livra-te.

 

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Aqui, acompanhamos uma artista americana, na casa dos quarenta, que é semi-famosa e que precisa de ir de Los Angeles a Nova Iorque. Em vez de ir de avião, vê nesta deslocação a oportunidade de fazer uma road trip sozinha, para poder estar longe da confusão do dia-a-dia e poder passar uma temporada longe da família, a descansar. Contudo, ainda não passou meia hora de viagem e ela já está a sair da autoestrada para reservar um quarto num motel, que redecora e onde fica durante todo o tempo.

 

Para a protagonista, ousar esconder-se num motel, tomar aquele espaço como seu e dar-lhe uma nova vida, não é suficiente. É que, nessa estada em segredo, esta mulher vai descobrir partes da sua sexualidade que desconhecia ou fingia desconhecer. Nessa jornada de autodescoberta, há várias descrições que, a meu ver, foram escritas de propósito para mostrar ao leitor que os livros podem (e devem) ser pontos de partida para reflexões profundamente desconfortáveis acerca da maternidade, da sexualidade e da condição das mulheres a partir dos quarenta. Há quem diga que não era preciso optar por episódios tão explícitos, mas levei toda a leitura a pensar que precisam de o ser para nos levarem mesmo ao cerne das questões que Miranda July pretende abordar.

 

Não foi, de todo, uma leitura prazerosa, porque me parece que não era esse o intuito da autora. Independentemente da escrita tão bem trabalhada que compõe este livro, é suposto que seja uma experiência desconfortável. Nesse sentido, Miranda July mais do que cumpriu os objetivos. Considero que livros como este são mesmo muito importantes para nos levarem a pensar sobre temas que não têm a representação devida na arte — e a menopausa é só um deles.

 

Tenho muita curiosidade de saber se o leram e o que acharam, porque acho mesmo que All Fours é um daqueles livros que dará margem para discussões muito interessantes.

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O que é o Clube do Livra-te?

É o clube do livro do podcast Livra-te — calma, não precisam de acompanhar o podcast para participar nas leituras. Todos os meses, cada uma de nós escolhe um livro para ler em conjunto convosco e vocês podem optar por ler a escolha da Joana, a escolha da Rita ou ambas. Depois, podem deixar a vossa opinião no grupo do Goodreads ou no Discord. Podem juntar-se a qualquer altura, venham daí!

Ter | 27.05.25

Reviews Relâmpago #1

É provável que tenham notado uma certa ausência por aqui, mas a verdade é que, pela primeira vez na vida, vi-me completamente incapaz de estar em todo o lado ao mesmo tempo. Talvez amadurecer seja aprender a conservar a nossa energia e a decidir usá-la nos sítios certos, à hora certa. As últimas semanas têm sido intensas: tenho andado pelo país a divulgar o meu mais recente romance, Apesar do Sangue, e a tentar fazer todas as outras coisas ao mesmo tempo.

 

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Infelizmente, não consegui manter o ritmo de reviews aqui pelo blog, e isso levou-me à ideia de condensar algumas das minhas leituras mais recentes num só post. Nesta primeira edição das «Reviews Relâmpago», trago cinco livros que li entre o final de abril e o início de maio.

 

A Paixão Segundo G. H., Clarice Lispector

Parafraseando uma expressão que digo algumas vezes com experiências assim: no início não percebi nada, e no fim acabei como comecei. Mas até gostei desta viagem meio surrealista com Clarice Lispector, uma autora de quem já tinha lido A Hora da Estrela (embora não me recorde de nada, sei que gostei). É um romance com imensas reflexões sobre vários temas: a nossa perceção sobre o tempo, a nossa relação com o mundo e a perda de identidade. A protagonista, G. H., entra numa espécie de crise existencial e numa espiral de pensamentos profundos depois de esmagar uma barata — e apesar de ser o bicho que mais nojo me mete, consegui superar essa parte.

 

 

O Tempo Entre Costuras, Maria Dueñas

Sabem aqueles livros que ficam anos e anos nas prateleiras, à espera do momento certo para o lermos? O Tempo Entre Costuras era já um dinossauro na minha biblioteca pessoal, e até cheguei a pensar em vendê-lo, mas ainda bem que não o fiz. Sira Quiroga, a protagonista, leva-nos numa viagem entre Espanha, Marrocos e Portugal, em alturas como a Guerra Civil Espanhola e a Segunda Guerra Mundial. Sira, que aprendeu a costurar com a mãe e a patroa dela, vai ver-se envolvida num mundo de espionagem — apesar de não parecer o tipo de livros que habitualmente leio, adorei a forma como está escrito, o desenvolvimento das personagens e a relação entre a protagonista e outras mulheres.

 

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É um romance muito feminista e envolvente, e sei que vou querer ver a adaptação para série brevemente.

 

 

She’s Always Hungry, Eliza Clark

Se em abril me esqueci completamente de incluir um livro de contos nas minhas leituras, em maio já não deixei passar. Eliza Clark é uma das minhas autoras de referência para histórias mais «fritas» e fora do comum, e esta coletânea mostra-nos um bocadinho de tudo aquilo que ela consegue fazer na escrita. Há contos mais reais, com horror corporal e violência nas relações, mas também narrativas de ficção científica.

 

I was born too late for her to have another. It was a disappointment not to have a girl. But she didn't want to put a bad man out into the world. Being the mother to a bad man was a worse sin than being daughterless.

 

Os meus favoritos foram: o conto que dá título ao livro, que é sobre uma sociedade costeira e matriarcal, contado do ponto de vista de um rapaz que pesca uma espécie de sereia, e um conto chamado Shake Well, sobre uma adolescente que namora com um rapaz mais velho e trafica droga, que consegue encontrar-lhe um tratamento para a acne severa na dark web. Embora não tenha sido o meu livro favorito da autora, recomendo porque acho que pode ser uma boa porta de entrada para a escrita dela!

 

 

Letters to a Young Poet (PT: Cartas a um Jovem Poeta), Rainer Maria Rilke

Um daqueles clássicos que eu sabia que leria um dia, mas nunca punha na lista de leituras. Valeu-me a minha amiga Pat e a nossa troca mensal de livros para que lhe pegasse de uma vez por todas. O tema de maio era «livros sobre conexão, sobre cartas, storytelling ou expressão criativa» e este, pese embora o seu curto tamanho, acabou por reunir todos os requisitos.

 

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Não estava à espera de gostar tanto destas cartas enviadas por Rainer Maria Rilke e recebidas por Franz Xaver Kappus, onde se fala sobretudo da necessidade de reclusão e contacto com a natureza para a criação artística, sobre a procura de propósito naquilo que fazemos e sobre a necessidade de abraçarmos o sofrimento para melhor criarmos arte. Só tive pena de ler sempre estas cartas de forma unilateral, visto que nunca somos presenteados com aquilo que Kappus respondia a Rilke.

 

 

Falar Piano e Tocar Francês, Martim Sousa Tavares

A par do livro anterior, uma das leituras que levei para um retiro de leitura, também com a minha amiga Pat. Uma vez que tínhamos ambas este livro na nossa pilha de livros para ler, não encontrámos melhor oportunidade do que esta para, finalmente, ler sobre a arte, a cultura e o humanismo na era dos memes. Estava com algum receio de ser demasiado erudito, ou de me perder em referências que desconheço, mas o Martim contextualiza tudo muito bem. No fundo, faz aquilo que apregoa como importante ao longo dos vários capítulos deste livro: uma mediação que nos ajuda a compreender melhor e aproximarmo-nos da arte.

 

Foi-me impossível não fazer paralelismos entre os diferentes tipos de arte abordados e aquele em que me sinto mais à vontade — a literatura —, e gostei de ser guiada pelo conhecimento do Martim. No fim, e porque nunca é de mais lembrar, fica o alerta para deixarmos de ser tão snobes em relação à criação e ao consumo artístico.

 

 

Ainda esta semana, prometo trazer-vos a minha opinião sobre All Fours (PT: De Quatro), de Miranda July, a minha escolha de maio para o Clube do Livra-te, e mais um apanhado de reviews rápidas. Depois disso — e de uma semana de férias —, estarei de novo atualizada nas publicações e, se tudo correr bem, não será preciso recorrer a este formato muito mais vezes.

 

Contem-me: leram algum destes livros? Obrigada por continuarem desse lado!

Sex | 16.05.25

Great Big Beautiful Life, Emily Henry

Não é segredo para ninguém e eu digo sempre isto: mesmo não sendo a maior fã de romances destes, os livros de Emily Henry são uma exceção. Gosto de acompanhar a autora anualmente, porque todas as primaveras lança um livro novo, e à exceção de Beach Read (PT: Romance de Férias) gostei de todos — uns mais do que outros, é certo, mas senti sempre que foram um momento bem passado.

 

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Estava, portanto, muito entusiasmada com o lançamento de Great Big Beautiful Life (PT: Uma Vida Incrível e Maravilhosa), mesmo sabendo pouquíssimo sobre a sinopse e o que poderia esperar nesta nova história. Logo às primeiras páginas percebi que estava perante o livro mais maduro da autora, o que vai ao encontro da experiência que tenho tido com ela — a cada nova história, a prosa e o formato escolhido para a narrativa parece-me mais adulto e trabalhado. Aqui, conhecemos Alice e Hayden, dois escritores com percursos muito diferentes. Ela é jornalista e tem muita vontade de escrever biografias, ele já trilhou esse caminho e ganhou até um Pulitzer. Como é que os dois se cruzam? É que estão ambos na corrida para serem escolhidos para escrever a biografia de Margaret Ives, uma herdeira famosa do séc. XX, que desapareceu misteriosamente do estrelato.

 

De forma muito direta, Great Big Beautiful Life é como se Beach Read tivesse tido um filho com The Seven Husbands of Evelyn Hugo (PT: Os Sete Maridos de Evelyn Hugo) e isso, segundo percebi, é a grande crítica que fazem ao livro — o que eu compreendo, mas para mim resultou muito bem. Aquilo que mais me fez ficar agarrada à leitura foi, ao contrário do que aconteceu até agora com a autora, o facto de o romance passar para segundo plano. Há duas linhas narrativas e a de Margaret Ives ganha muitas vezes protagonismo face à da relação de Alice e Hayden.

 

Foi uma leitura bastante divertida, torci pelas personagens desde a primeira página e achei o romance bastante credível e maduro. Sim, há obstáculos entre as personagens, mas em momento algum a autora usa falhas de comunicação ou outros estratagemas para arrastar esse lado da história — e eu, que tenho pouca paciência para esses mimimis, agradeço. Quando terminei questionei-me se não estaria aqui o meu novo favorito escrito por Emily Henry, mas depois de pensar um bocadinho — e embora tenha gostado muito — concluí que esse lugar ainda pertence, em partes iguais, a People We Meet on Vacation (PT: Pessoas que Conhecemos nas Férias) e Book Lovers (PT: Doidos Por Livros).

 

Mas agora quero saber: há leitores de Emily Henry por aí? Como receberam este novo livro?

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