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Rita da Nova

Sex | 07.03.25

Notas Sobre a Impermanência, Paula Gicovate

Se há uma coisa de que gosto na literatura, é a possibilidade de acedermos a vidas e perspetivas que divergem das nossas. Foi o que mais me entusiasmou na leitura de Notas Sobre a Impermanência, de Paula Gicovate: a ideia de ler uma história de amor do ponto de vista da amante, e não do casal «principal».

 

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Tendemos a achar que trair é errado e condenável, mas será que pensamos assim porque não conhecemos a pessoa que vem intrometer-se no meio de um casal estabelecido? Porque não passamos tempo com ela, a conhecer-lhe as motivações e a descobrir o amor pelos seus olhos? Paula Gicovate põe-nos a pensar nisto e em muito mais, num romance de narrativa fragmentada que segue Lia e Otto. Este «seguir» é quase literal, visto que a história se passa entre São Paulo, de onde Otto é, e Barcelona, para onde Lia foge numa tentativa de quebrar esta relação.

 

Ontem a gente fez três anos juntos — será que você sabe dessas datas? — e, ainda assim, nunca convivemos. Como você é no dia a dia? Assiste série à noite? Futebol aos domin-gos? Gosta de pizza, lava a louça? Por aqui eu fico com o lado direito da cama vazio porque sua ausência é tanta coisa que não deixa mais ninguém caber. É uma mistura engraçada de sentimentos, querer tanto estar com você e ao mesmo tempo ser privilegiada por não ser constante, a dicotomia entre te ter com remela e bafo matinal e ao mesmo tempo ser comida com a voracidade de quem não me tem no dia seguinte. Sinto empatia por ela, que aguenta suas questões, enquanto eu fico só com a parte boa. Mas tenho ciúmes pelo mesmo motivo.

 

Gostei muito da forma como este livro está escrito, ao estilo de fluxo de consciência, mas não só — há também trocas de e-mails, diálogos, encontros com personagens secundárias que dão mais corpo ao enredo. No final da leitura, restou-me a dúvida: será Notas Sobre a Impermanência um romance sobre a aceitação desta terceira pessoa ou sobre a absoluta necessidade das mulheres de se libertarem da influência que as presenças masculinas têm nas suas vidas?

 

Se gostam de livros que vos fazem ver o mundo (e as relações humanas) de outra forma, creio que podem gostar bastante deste. Alguém tem mais recomendações de livros dentro desta abordagem?