Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Rita da Nova

Ter | 11.02.25

Landlines, Raynor Winn

Já vos tinha contado que, todos os meses, troco livros com a minha amiga Pat (🫶). Só que, este ano, decidimos tornar as escolhas um pouco mais intencionais e associámos um tema a cada mês — para janeiro era «novos começos», isto é, livros sobre reinvenção, crescimento pessoal ou jornadas de transformação. Tendo esta premissa em conta, a Pat emprestou-me Landlines, de Raynor Winn, uma autora que desconhecia.

 

landlines-raynor-winn

 

Também fui surpreendida pelo facto de ser um livro de memórias, e o terceiro de um conjunto. Podem ser lidos separadamente, mas, juntos, contam uma história — ainda assim, não achei que fosse problemático começar pelo último porque a autora nos situa logo muito bem. E o ponto de partida é este: Moth, o marido de Raynor, está a lidar com uma doença degenerativa que o incapacita de dia para dia. Ambos adoram longos passeios na natureza, e fazer caminhadas de quilómetros — e, contra todas as expectativas, decidem embarcar em mais uma destas aventuras.

 

Decidem fazer o trilho de Cape Wrath, um dos percursos que atravessa várias montanhas e lagos famosos da Escócia. São mais de 300km a pé, mas ambos desejam que a natureza volte a operar magia nas suas vidas. E não é que opera? Apesar de os primeiros tempos serem extenuantes para Moth, aos poucos começam a observar mudanças positivas no seu estado de saúde.

 

But to suddenly be greeted by the openness we so often take for granted comes as a warm reminder of normal life, like arriving unannounced at a friend’s house to find a slice of cake waiting for you and the kettle already on the boil.

 

Além de ser uma espécie de roteiro por paisagens remotas da Escócia — e cujos relatos me relembraram a roadtrip que fizemos por lá em 2017 —, é também uma ode à natureza e aos efeitos que pode ter na nossa disposição e saúde. Não pensem, no entanto, que é uma daquelas balelas de auto-ajuda. Nada disso: Raynor Winn escreve de uma forma muito bonita, mas é bastante racional. Esperem relatos verdadeiros, que não embelezam os momentos em que lhes apeteceu desistir.

 

Gostei bastante da escrita da autora e fiquei com vontade de ler os restantes livros, embora agora já tenha uma espécie de spoiler. Já tinham ouvido falar sobre ela?

Qui | 06.02.25

A Cidade e as Serras, Eça de Queirós

É verdade, é verdade: nem sempre se encontram reviews sobre clássicos da literatura neste blog, mas este é um daqueles momentos em que vos surpreendo. Faço parte do grupo de pessoas que não só leu Os Maias na escola, como gostou da leitura. Por isso mesmo, poucos anos depois, decidi experimentar outras obras do Eça e comecei por esta, A Cidade e as Serras, mas não consegui passar das primeiras páginas. Agora, vários anos volvidos e numa tentativa de ler tudo o que tenho cá em casa, dei-lhe uma nova oportunidade e adorei.

 

a-cidade-e-as-serras-eca-de-queiros

 

Há mesmo alturas certas para lermos os livros, e eu acho que a leitora que sou hoje conseguiu apreciar muito melhor este livro. A Cidade e as Serras foi publicado postumamente, e foi o último livro do autor, e tem até a nota de que os últimos capítulos não chegaram a ser editados como ele gostaria. Compreendo, mas não creio que tenha estragado a experiência ou o resultado final. Conta a história de dois amigos: José Fernandes, que mora em Tormes, e Jacinto, que mora em Paris. Quando José Fernandes visita o amigo na capital, espera encontrá-lo rodeado da felicidade que só a tecnologia e o progresso podem proporcionar. Contudo, rapidamente percebe que Jacinto é profundamente infeliz, apesar de ter todas as condições consideradas ideais. Decidem ir os dois para Tormes e, surpreendentemente, é no contacto com a natureza e com uma vida mais simples que Jacinto consegue encontrar a tranquilidade de que precisa.

 

Ultrapassada alguma dificuldade inicial em entrar no registo e na escrita do autor — dada a lentidão com que começa —, senti-me a aproveitar a dinâmica entre estes dois amigos. A escrita é aquilo a que Eça de Queirós sempre nos habituou, mas a verdade é que já não me recordava que era tão atual. Gostei muito de relembrar que, apesar de ter sido escrito há mais de cem anos, é perfeitamente possível lê-lo sem qualquer dificuldade. E, claro, não podia deixar de referir a crítica social, que está sempre presente nas obras do autor. E não consigo não deixar aqui um pensamento que me passou várias vezes pela cabeça enquanto lia: deu-me sempre a sensação de que havia um certo homoerotismo velado nas interações entre José Fernandes e Jacinto — fui só eu?

 

Fico mesmo feliz por ter dado uma nova oportunidade a este livro, e por a experiência ter sido infinitamente superior à primeira. Se gostariam de voltar aos clássicos portugueses, aqui fica esta recomendação — acho que pode ser um bom sítio para (re)começar. Têm outras sugestões dentro deste género?

Ter | 04.02.25

All the Water in the World, Eiren Caffall

Comecei o ano de leituras com um objetivo claro em mente: estar menos focada em novidades e mais atenta ao que já «passou de moda», pontos extra se forem livros que já tenho cá por casa. Permiti-me, ainda assim, a escolher uma novidade por mês para compor as minhas listas de leituras mensais: em janeiro, esse livro foi All the Water in the World, de Eiren Caffall, uma história distópica sobre o que acontece quando o nível das águas sobre descontroladamente.

 

all-the-water-in-the-world-eiren-caffall

 

Num futuro não muito distante, em que tudo está inundado, Nonie vive com a irmã mais velha, com os pais e com amigos dos pais no telhado do Museu de História Natural, em Nova Iorque. Uma vez que a mãe era investigadora, acabaram por se abrigar no museu, assumindo enquanto grupo a responsabilidade de guardarem os bens daquele espaço. Algum tempo depois, quando uma tempestade mais grave do que o normal atinge a cidade e a mãe de Nonie já não está viva, os sobreviventes vêem-se obrigados a fugir de Manhattan como podem, em busca de um local onde possam reconstruir a sua vida.

 

A building is just a body through which you live a life. What mattered was the people we found and lost, not the places.

 

A história é toda narrada na primeira pessoa, através de Nonie, o que acrescentou uma carga muito especial ao livro. À semelhança do que acontecia com a mãe, esta menina tem uma ligação muito especial à água — e vai-se percebendo ao longo do livro que está dentro do espetro do autismo. Achei a narração e a perspetiva muito refrescantes, e fiquei logo emocionalmente ligada ao enredo através das personagens. Apesar de não termos o ponto de vista das restantes personagens, a verdade é que consegui compreender as motivações de todas. Sobre o enredo em si: talvez faça sentido avisar-vos de que há vários saltos temporais, e que, pelo menos no início, os capítulos referentes ao passado são um pouco mais interessantes do que os do presente. Eu, porém, entrei completamente na história e o ritmo mais lento de algumas partes não me causou confusão — até porque, lá está, senti-me muito conectada com as personagens e gostei de passar tempo com elas.

 

Gostei mesmo muito do livro: estava entusiasmada com a premissa quando o descobri e, para mim, a execução não desiludiu. Fiquei muito presa a todos os pensamentos sobre como se chegou ao ponto em que os glaciares derreteram completamente, ao facto de as pessoas acharem que ainda iria demorar muito e afinal demorou menos do que se esperava. Pareceu-me uma tentativa bem executada de imaginar o que poderá acontecer quando o planeta chegar a essa situação, e assustou-me muito porque sei que estamos mais perto dessa realidade do que gostaríamos. Além disso, também adorei toda a reflexão sobre a necessidade de conservar o que está nos museus, mesmo em alturas em que só queremos sobreviver — e todo o elogio que é feito a quem se assume como guardião do conhecimento.

 

Acabei de ler All the Water in the World com a água a subir-me aos olhos, e acho que é tudo o que precisam de saber sobre a minha experiência com este livro. Se gostam de histórias com um ambiente distópico, então acho que vão gostar mesmo muito deste. Ficaram com vontade de ler?

Pág. 3/3