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Rita da Nova

Qui | 13.02.25

Maus Hábitos, Alana S. Portero

Há muito tempo que andava com Maus Hábitos, de Alana S. Portero, debaixo de olho. Não sabia bem porquê, mas qualquer coisa neste livro me atraía e dizia que iria gostar muito de o ler. Achei que não havia melhor altura do que o início de um novo ano para, finalmente, avançar com esta leitura e posso concluir que foi tudo o que eu antecipava e ainda mais.

 

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A protagonista deste livro nasceu num corpo masculino, que sabe não lhe pertencer desde muito cedo. Além de nascer num corpo errado, nasce também num bairro operário em San Blas, nos arredores da Madrid dos anos 1980/90, um lugar onde sente não haver futuro nem possibilidade de se afirmar como realmente é. Aos poucos, porém, vai encontrando algumas pessoas com quem se identifica, pessoas que são um pouco como ela — pessoas que resistem à norma. A adolescência leva-a a explorar o centro da cidade, os bares onde há mais pessoas como ela, onde há pessoas diferentes daquelas que conhecia no bairro.

 

Tinha aprendido muito com ela, com elas, eram o primeiro conciliábulo de mulheres a que pertencia, sem distâncias, sem esconderijos. Teria gostado de influenciar do mesmo modo as suas vidas, para que a troca fosse justa, mas junto delas compreendi que as filhas estão sempre em dívida, que não conseguimos devolver o que nos é dado ou aquilo com que ficamos porque não é natural fazê-lo. A nossa missão é passar a outras o que recebemos, quem quer que elas sejam. Aprendi que a genealogia, sendo um amor herdado, só funciona em cascata.

 

Maus Hábitos é, acima de tudo, uma história sobre esta procura incessante por uma sensação de pertença, principalmente numa altura e num sítio onde a diferença não parecia ter espaço. Adorei conhecer esta protagonista e o bairro através dela, porque é tudo escrito com uma enorme empatia e compreensão da complexidade humana. Cada pessoa que nos é apresentada acrescenta algo à vida da personagem principal e à trama do livro, pelo que posso afirmar que não senti uma palavra ou pormenor a mais ao longo do livro.

 

Apesar de ser um livro extremamente duro, já que aborda temas como o abuso de drogas, a violência, a prostituição e a transfobia, a verdade é que também há sempre um subtexto que nos remete para a esperança, para a necessidade de encontrar algo de bom no meio das desgraças que nos vão sendo mostradas, e que mais não são do que o «estado normal» das coisas naquele bairro. Adorei tudo, e gostei especialmente da forma como termina — é quase que o fechar de um ciclo que nos permite imaginar as coisas boas que aconteceram depois.

 

Recomendo imenso este livro, ficará certamente como um dos meus favoritos deste ano e como uma recomendação que farei várias vezes, a vários tipos de leitores diferentes. Se também têm curiosidade e ainda estão na dúvida, digo apenas: leiam.