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Rita da Nova

Sex | 28.02.25

O Filho de Mil Homens, Valter Hugo Mãe

Há anos que não lia nada de Valter Hugo Mãe, e tenho de agradecer ao Discord do Livra-te por me ter «obrigado» a voltar a pegar num livro dele. O Filho de Mil Homens foi votado pela comunidade para ser uma leitura extra e exclusiva do Discord, e eu decidi embarcar também, para ter uma motivação extra. Acreditam que já passaram vários dias desde que o terminei, e ainda não consigo ter uma opinião 100% formada?

 

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Começamos a história com Crisóstomo, um pescador solitário com quarenta anos. Nunca teve uma família, mas quer muito, e então pega no amor todo que tem para dar e decide criar a sua própria família. Contudo, a narrativa não se centra numa só personagem: vamos conhecendo as diferentes pessoas que habitam este lugar (que nunca sabemos qual é), bem como as suas vidas e respetivas necessidades de fazer esticar o conceito de família. Não esperava que fosse essa a estrutura do livro e, embora ao início tenha estranhado um pouco, depois acabou por ser uma das minhas coisas favoritas desta experiência de leitura.

 

O Crisóstomo disse ao Camilo: todos nascemos filhos de mil pais e de mais mil mães, e a solidão é sobretudo a incapacidade de ver qualquer pessoa como nos pertencendo, para que nos pertença de verdade e se gere um cuidado mútuo. Como se os nossos mil pais e mais as nossas mil mães coincidissem em parte, como se fôssemos por aí irmãos, irmãos uns dos outros. Somos o resultado de tanta gente, de tanta história, tão grandes sonhos que vão passando de pessoa a pessoa, que nunca estaremos sós.

 

Esta sensação de «estranhei, mas depois acabei a gostar» pautou a minha experiência com o livro. Não é novidade que a escrita de Valter Hugo Mãe consegue ser tão densa quanto poética, que exige estarmos no estado mental certo para ser lida. Demorei-me em O Filho de Mil Homens precisamente porque, não tendo sido amor à primeira vista como A Máquinha de Fazer Espanhóis, compreendi que estava perante uma daquelas situações em que a leitora e o livro precisam de se encontrar no momento certo para que tudo se alinhe. No final, fiquei com a sensação de ter adorado o tema principal da história, esta ideia de procurarmos uma família além da biológica — que, aliás, tem vários pontos em comum com o meu novo romance, que sairá este ano. E também gostei muito das suas diferentes manifestações ao longo do livro, consoante as personagens.

 

Fiquei, sem dúvida, com vontade de pegar em Deus na Escuridão, o único livro do autor que tenho cá em casa por ler. Já alguém leu? O que me podem dizer?

Qui | 27.02.25

The Forty Rules of Love, Elif Shafak

Em fevereiro, eu e a minha amiga Pat (🫰) trocámos livros em que o amor — nas suas mais diversas formas — fosse o tema central. Fiquei felicíssima quando ela me passou The Forty Rules of Love, de Elif Shafak, para as mãos. Não é surpresa para ninguém que eu adoro tudo o que esta mulher escreve, pelo que fiquei muito entusiasmada com esta leitura surpresa.

 

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Ella é uma mulher casada, com três filhos adolescentes, e vive uma vida aparentemente tranquila e feliz. Ainda assim, sente que há qualquer coisa que lhe falta: quando olha para trás, consegue identificar que, onde havia amor, agora não há nada. E é assim que The Forty Rules of Love começa: com o momento em que Ella vai ter com o marido e lhe pede o divórcio. A partir daí, andamos para trás no tempo e percebemos que foi um manuscrito, sobre um poeta sufi chamado Rumi e outro chamado Xamece de Tabriz, que espoletou tudo isto. Mais do que o manuscrito, foi o seu autor, com o qual vai contactando amiúde — primeiro sobre a obra, depois sobre a vida.

 

Every true love and friendship is a story of unexpected transformation. If we are the same person before and after we loved, that means we haven't loved enough.

 

Gostei muito do livro e da história, sobretudo do facto de haver um livro dentro do livro. Contudo, não é o meu Elif Shafak favorito: foi publicado em 2009, sendo assim o livro mais antigo da autora que já li, e acho que se nota. Temos aqui vários ingredientes característicos dela, como linhas temporais alternadas ou uma escrita muito cinematográfica, que em livros mais recentes foram desenvolvidos com ainda mais qualidade. Ainda assim, acho que pode ser um excelente ponto de partida para quem quer iniciar-se na obra dela. Ler Elif Shafak é sempre descobrir novas culturas, novas formas de pensar, e aprender várias coisas sobre o mundo em que vivemos. Aqui, por exemplo, explica-nos a origem da dança rodopiante dos dervixes, de uma maneira que faz todo o sentido para a história.

 

Continuarei deste lado a ler mais e mais coisas desta autora, tanto a newsletter que tem como os livros. Talvez o próximo seja 10 Minutes 38 Seconds in This Strange World (PT: 10 Minutos e 38 Segundos Neste Mundo Estranho). Que outros me aconselhariam?

Ter | 25.02.25

Limpa, Alia Trabucco Zerán

Vou ganhar um pouco de vergonha na cara e escusar-me de dizer há quanto tempo tinha este livro cá em casa. Sabia que, se não me «obrigasse» a incluí-lo na lista de livros para ler, continuaria durante muito mais tempo a ganhar pó. Foi por isso que o escolhi para leitura de fevereiro no Clube do Livra-te — e fiquei surpreendida por ver que tantas pessoas tinham, como eu, este livro pendente.

 

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Em Limpa, Alia Trabucco Zerán dá a conhecer Estela García, que encontra trabalho na cidade, na casa de uma família rica, como criada de quarto e ama de Julia, a filha recém-nascida do casal. Ao longo dos anos, Estela acompanha esta menina, vê-a crescer, ajuda na sua educação, está com ela durante mais tempo do que os próprios pais. Mas isto é algo que só vamos percebendo com a leitura, já que, na verdade, o livro começa com Estela a afirmar que Julia morreu. Página a página, vamos entrando cada vez mais na dinâmica e rotina desta família, e nas minudências do trabalho doméstico e invisível que Estela, como tantas outras pessoas, fazia.

 

Passada alguma estranheza inicial com a escrita — o livro é todo narrado na primeira pessoa e Estela dirige-se constantemente a alguém cuja identidade desconhecemos —, entrei completamente nos pensamentos desta protagonista. Rapidamente compreendi que não é uma narradora confiável, e acho que isso vai ficando presente ao longo do livro. As dinâmicas entre personagens estão muitíssimo bem exploradas, e é através delas que vamos tendo uma noção da luta de classes e preconceitos sociais, que estão presentes em toda a história.

 

Nessa noite não consegui dormir, como em tantas outras noites. Pensava na criança, nas suas unhas, no crescimento repentino daquele gesto, nas suas mãos roliças e preguiçosas, sempre disponíveis para serem levadas à boca, para serem destruídas pelos dentes. Eu nunca roi as unhas, nem a minha mãe. Para isso, acho eu, é preciso ter as mãos desocupadas.

 

Embora a experiência de leitura tenha sido algo desconfortável para mim, acredito que esse fosse o objetivo da autora. Adorei todas as reflexões que esta leitura conjunta espoletou no Discord do Livra-te, sinto que enriqueceram muito a minha perceção geral do livro. Quanto mais penso nele, mais gosto e mais entendo a necessidade de ser escrito como foi. Agora quero muito ler A Subtração, da mesma autora, também editado cá em Portugal — e prometo que não vou demorar tanto tempo!

 

Contem-me tudo: como foi a vossa experiência com este livro?

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O que é o Clube do Livra-te?

É o clube do livro do podcast Livra-te — calma, não precisam de acompanhar o podcast para participar nas leituras. Todos os meses, cada uma de nós escolhe um livro para ler em conjunto convosco e vocês podem optar por ler a escolha da Joana, a escolha da Rita ou ambas. Depois, podem deixar a vossa opinião no grupo do Goodreads ou no Discord. Podem juntar-se a qualquer altura, venham daí!

Sex | 21.02.25

Out on a Limb, Hannah Bonam-Young

Out on a Limb (PT: Parte de Nós), de Hannah Bonam-Young, tem sido muito falado pelas redes nos últimos tempos. Encontrei várias reviews que falavam desta comédia romântica como sendo bastante refrescante e diferente do habitual. Quando a Joana o escolheu para o Clube do Livra-te de fevereiro, parti para a leitura com muita vontade de gostar — confesso, no entanto, que esta publicação não traz boas notícias.

 

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Só para vos explicar em que é que consiste, antes de discorrer: Win e Bo, ambos portadores de deficiência física, conhecem-se numa festa de Halloween, e têm uma one-night stand. Desse encontro, resulta uma gravidez não planeada. Win e Bo decidem ter a criança, e tudo corre bem. Fim. Sei que normalmente, quando não gosto de um livro, exagero para efeitos cómicos, mas aqui é mesmo isto que acontece. Dá-se uma total ausência de conflito ou tensão entre estas duas personagens: decidem logo ir morar juntas, fazem logo tudo uma pela outra; e as dúvidas, que seriam mais do que naturais, são afastadas quase de imediato.

 

Também sei que, na maioria das vezes, os livros deste género exageram precisamente na tensão — há falhas de comunicação desnecessárias, quezílias ridículas, mal entendidos que poderiam ser facilmente resolvidos. E, por isso mesmo, estava expectante em relação a Out on a Limb: estas personagens têm, de facto, motivos para que as dificuldades sejam evidentes e façam sentido para a história, não apenas pela deficiência física e tudo o que isso acarreta, mas também porque são duas pessoas que não se conhecem e dão por si unidas por uma gravidez. Numa história que tinha tudo para justificar o conflito, e para o construir de forma humana, nada disso aconteceu.

 

Óbvio que a representatividade de pessoas com deficiência é mais do que bem-vinda e faz todo o sentido que exista, mas até me pareceu que a autora não fez justiça às personagens e àquilo que têm de ultrapassar. Compreendo que queira dar uma visão humana da vida destas pessoas, mas, pelo menos para mim, ao não lhes dar qualquer obstáculo, fez precisamente o contrário.

 

Percebo perfeitamente porque é que é um favorito do momento, e que seja uma boa leitura para quando as pessoas precisam de desligar o cérebro. Ainda assim, acho que o hype é completamente injustificado e que não há propriamente uma história aqui. As histórias existem precisamente porque há conflito, seja interno ou externo, e porque os protagonistas precisam de ultrapassar barreiras que são postas à sua frente. Aqui, não houve barreiras, tensão ou sequer — e isto é o que me enerva mais — um teste de paternidade.

 

Contas feitas, fiquei sem vontade de ler qualquer outra coisa da autora. Sei que vou estar MUITO sozinha na minha opinião, mas fica a pergunta na mesma: já o leram? Se sim, o que acharam?

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O que é o Clube do Livra-te?

É o clube do livro do podcast Livra-te — calma, não precisam de acompanhar o podcast para participar nas leituras. Todos os meses, cada uma de nós escolhe um livro para ler em conjunto convosco e vocês podem optar por ler a escolha da Joana, a escolha da Rita ou ambas. Depois, podem deixar a vossa opinião no grupo do Goodreads ou no Discord. Podem juntar-se a qualquer altura, venham daí!

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