O Acontecimento, Annie Ernaux
Pois bem, eis que chegamos à minha primeira leitura de 2025: O Acontecimento, de Annie Ernaux, a minha estreia na obra desta Nobel. Confesso que não tinha grande curiosidade em explorar os livros dela, mas este fazia parte da Ultimate Livra-te TBR, uma lista de livros sugerida pelos ouvintes do podcast para lermos durante os próximos tempos, e decidi arriscar.
Neste livro, acompanhamos uma jovem de 23 anos que descobre que está grávida quando ainda está a estudar na universidade, em 1963. Claro que, nessa época, em França como um pouco por toda a parte, a interrupção voluntária da gravidez era proibida e punida. Ainda assim, esta jovem toma na mesma essa decisão difícil, embora saiba que será complicado e que terá de se envolver em situações perigosas. Não é um livro extenso — não chega sequer às 100 páginas —, mas é um livro muito detalhado, que mostra ao pormenor não apenas «o acontecimento», mas o caminho tortuoso até conseguir chegar lá.
E, como sempre, seria impossível determinar se o aborto era proibido porque estava errado, ou se estava errado porque era proibido. Julgava-se em conformidade com a lei, não se julgava a lei.
A escrita de Annie Ernaux era aquilo que eu, de certa forma, antecipava: sem floreados e sem embelezamentos, uma forma crua e direta de pôr as coisas. Talvez o estilo da autora contribua muito para o impacto que este relato tem no leitor: Annie Ernaux conta exatamente como tudo se passou, sem esconder nada, sem imagens ou eufemismos. E, ao fazê-lo, consegue reproduzir aquela que é, certamente, a experiência de muitas outras mulheres — o facto de porem em risco a sua vida para conseguirem exercer uma decisão que deveria ser um direito.
Curioso como um livro publicado em 2000, escrito em 1999, e que fala de coisas que se passaram nos anos 1960, consegue ser tão atual. Numa altura em que vemos direitos a serem retirados às mulheres, sobretudo em países onde os considerávamos conquistados para sempre, acho que esta leitura se torna ainda mais importante e inevitável. Recomendo muitíssimo que o leiam, independentemente do vosso género.
E, sim, agora que entrei na escrita de Annie Ernaux fiquei com vontade de explorar mais. Que outros livros dela me recomendariam?