Demon Copperhead, Barbara Kingsolver
Acabei de ler este livro há várias semanas e ainda tenho dificuldade em reunir todos os meus pensamentos sobre ele — não porque a experiência de leitura tenha sido má, mas precisamente por ter sido um livro longo e com tanta substância. Escolhi-o para encerrar o Clube do Livra-te de 2024, e não podia ter tomado uma melhor decisão: lê-lo em conjunto deu-me a motivação necessária para começar a enfrentar este calhamaço.
Inspirado em David Copperfield, de Charles Dickens, em Demon Copperhead, Barbara Kingsolver continua este legado de escrever sobre estas crianças e adolescentes perdidos, que parecem vir ao mundo para ficarem irremediavelmente presos aos locais amaldiçoados em que nascem. Não é necessário ler o romance de Dickens antes para apreciar este na sua plenitude, pelo que não deixem que isso vos demova de entrar nesta aventura. Demon é o nosso protagonista e narrador, filho de uma mãe solteira e de um pai que já morreu, que vive nos Apalaches, nos Estados Unidos da América.
Os primeiros capítulos atingiram-me diretamente na cara: como é que este rapaz tão novo, com nove ou dez anos, já é tão cínico e desafiador em relação ao que o rodeia? Como a história é narrada na primeira pessoa, esta é uma das primeiras coisas que notamos — a idade parece não bater certo com a personalidade. Contudo, bastam poucas páginas para compreendermos o motivo e para ficarmos do lado de Demon. Passei o tempo todo de coração nas mãos, antecipando a desgraça, a comover-me com o que vai acontecendo, e a sentir-me frustrada com todas as coisas que são representadas neste livro por saber que não faz nada mais do que tratar a realidade.
Sunday school stories are just another type of superhero comic. Counting on Jesus to save the day is no more real than sending up the Batman signal.
Podem esperar vários temas que compõem a desigualdade que existe atualmente nos Estados Unidos: um sistema de acolhimento temporário débil, trabalho infantil, escolas negligenciadas, drogas, entre outros. Apesar de nunca desculpar o sistema, Kingsolver põe-nos do outro lado: do lado dos norte-americanos que vivem em áreas rurais, muitas vezes ignoradas, e mostra-nos a origem de vários comportamentos que, diretamente da cadeira do nosso privilégio, condenamos ou não conseguimos compreender.
Não sei como é que Barbara Kingsolver conseguiu incorporar tão bem esta personagem, nem como conseguiu dar exatamente a mesma dimensão a todas as outras que ajudam a montar a esta narrativa. Além de achar que tem uma escrita irrepreensível — sobretudo pelo equilíbrio entre pensamentos profundos e sarcasmo —, saí desta leitura com a sensação de ter lido um livro que constrói personagens com bastante justiça e carinho, apesar da brutalidade e injustiça do mundo que retrata.
Sei que terei ainda muito que dizer sobre este livro, muitos pensamentos que vão demorar a assentar, mas tenho mesmo de recomendar este livro. Não é uma leitura fácil, mas é uma leitura necessária — e, se tudo correr bem, podem contar que seja impactante e inesquecível. Quem desse lado já leu Demon Copperhead? O que acharam? E que outros livros da autora me recomendariam?
----------
O que é o Clube do Livra-te?
É o clube do livro do podcast Livra-te — calma, não precisam de acompanhar o podcast para participar nas leituras. Todos os meses, cada uma de nós escolhe um livro para ler em conjunto convosco e vocês podem optar por ler a escolha da Joana, a escolha da Rita ou ambas. Depois, podem deixar a vossa opinião no grupo do Goodreads ou no Discord. Podem juntar-se a qualquer altura, venham daí!