Estava com muita vontade de ler este livro desde que fui colega de painel da Lorena Portela na Feira do Livro de Lisboa deste ano; não há nada melhor para motivar a leitura do que conversar com outras autoras sobre o que escrevem. Daí a comprar em pré-venda através da livraria Greta — a única opção visto ainda não estar publicado em Portugal — foi um instante.
Tinha gostado bastante da escrita da Lorena em Primeiro Eu Tive De Morrer, e terminei a leitura de O Amor e Sua Fome com a sensação de que aquilo que já tinha apreciado só ficou mais apurado: a aparente simplicidade cheia de camadas, a escrita sem paninhos quentes, a mistura de termos nordestinos. Gostei bastante dos capítulos iniciais, da forma como vamos conhecendo Dora e Esmê, as nossas protagonistas, mas principalmente todas as outras pessoas que compõem a pequena cidade onde esta história se passa. Senti-me mesmo lá, a ir ao enterro de Jeremias com estas duas meninas, juntamente com o resto de Rio do Miradouro.
Confesso que gostei mais da forma como esta história começou do que do rumo que levou depois: no princípio recordou-me da relação de amizade entre as protagonistas d’A Amiga Genial, de Elena Ferrante, pelo que segui a leitura com a expectativa de que fosse uma narrativa dentro dos mesmos moldes. Não é, tem até uns laivos de loucura que são impossíveis de ignorar, o que não é necessariamente mau — só não aquilo que antecipava. É, no fundo, um livro sobre o vazio que alguns de nós sentimos, um buraco que, por mais que tentemos remediar, nunca desaparece totalmente; por isso mesmo, seria impossível não ter uma grande dose de dureza. Não se deixem enganar pela capa e vão conscientes de que haverá algumas partes mais difíceis de ler — não pela linguagem, mas pelas temáticas.
Já leram Lorena Portela? Se sim, o que acharam? E que outras autoras brasileiras contemporâneas me recomendariam? Tenho descoberto algumas recentemente e está a ser uma experiência incrível!
Podia estar aqui a discorrer sobre o facto de termos chegado à última sexta-feira do ano, mas vou poupar-nos à constatação do óbvio — o tempo passa demasiado depressa e, quando damos por nós, está aí um ano novo quase à porta. Contudo, estar a chegar ao fim de 2024 dá-me o mote perfeito para reunir, como vem sendo habitual, os melhores livros que li ao longo do ano.
À semelhança do que aconteceu no ano passado, continuei a sentir-me exigente com as coisas que leio; será, provavelmente, um «defeito» de escritora que ficará para sempre comigo e que, suspeito, só terá tendência a ficar cada vez mais apurado. Ainda assim, não deixei de dar oportunidade a livros e géneros completamente diferentes — acho que 2024 foi o ano das buddy reads por este lado, não apenas as leituras conjuntas que vamos fazendo a propósito do Clube do Livra-te (e que são posteriormente discutidas por várias pessoas no nosso Discord), mas sobretudo algumas leituras que fui fazendo com amigos (cucu, Sofia!) e com o Guilherme. Se não fossem estes pequenos desafios, como ler livros de terror no Halloween ou trocar mensalmente livros com a minha amiga Pat, acho que teria ficado estagnada nos géneros que sei que funcionam comigo e não teria explorado tanta coisa nova.
Uma última nota antes de vos apresentar os meus favoritos do ano: continuo muito disciplinada na tarefa de limpar a minha pilha de livros físicos. Vejo o carrinho a esvaziar-se de mês para mês e, como também não tenho comprado muitos livros, acho que chegarei ao final de 2025 com isto tudo tratadinho! Agora sim, sem qualquer ordem específica, aqui ficam os dez melhores livros que li em 2024:
1. Blue Sisters (PT: Irmãs Blue), Coco Mellors
«Não vou apontar nenhum defeito a este livro porque, mesmo havendo alguns, eu não reparei ou consegui desvalorizar por tudo o que a história me estava a fazer sentir. A única parte menos boa para mim foi ter acabado porque eu queria continuar com as Blue Sisters durante mais tempo.»
2. The Dutch House (PT: A Casa Holandesa), Ann Patchett
«Além de um enredo muito bem pensado e de personagens bastante bem desenvolvidas, resta ainda deixar uma palavra final para a escrita de Ann Patchett. Assustava-me a ideia de o livro ter um ritmo um pouco mais lento. Contudo, as reflexões que faz e a maneira como consegue tornar interessante até a vida mundana, tornam The Dutch House uma história que ficará durante muito tempo comigo.»
«É provável que este livro não me tivesse impactado tanto se não estivesse a aprender Língua Gestual Portuguesa e em contacto com a comunidade surda, mas acredito que é uma daquelas histórias com capacidade de aumentar a nossa perspectiva acerca do mundo que nos rodeia, de nos tornar um pouco mais empáticos. Recomendo mesmo muito, caso tenham curiosidade em saber mais sobre estes temas!»
«A relação entre estes dois irmãos é mesmo muito bonita e está explorada com uma honestidade comovente, do mesmo modo que a autora nunca descreve os pais ou as restantes personagens com julgamento. Todas são extremamente reais, estão apenas a tentar fazer o melhor que podem dado o contexto em que estão. Se gostam de relatos que equilibram muito bem estes elementos — tristeza, beleza e realidade —, então acredito que possa ser uma excelente leitura para vós.»
«Gostei muito da forma como o livro está estruturado e de perceber que se baseia em investigação e dados concretos — de certa forma, recordou-me da experiência que tive com Invisible Women (PT: Mulheres Invisíveis), de Caroline Criado Perez, um livro que definitivamente mudou a minha forma de pensar o mundo em que existimos.»
«Não é um livro com um enredo intrincado ou até linear, mas também me parece que esse não foi o intuito da autora. Até porque, como depois perceberão, esta carta é escrita num momento extremo e, por isso mesmo, faz sentido que estes pensamentos saiam de forma meio atabalhoada. De qualquer das formas, a grande beleza de Soldier Sailor está na escrita poética e na maneira como Claire Kilroy expõe todos estes dilemas internos da protagonista.»
7. Small Worlds (PT: Pequenos Mundos), Caleb Azumah Nelson
«Adorei a principal reflexão deste livro, toda a ideia subjacente de irmos construindo “pequenos mundos” nas nossas vidas, seja pelo contexto ou pelas pessoas com quem estamos — e essas bolhas são ecossistemas importantíssimos na forma como encaramos a vida. Também apreciei bastante a maneira como o autor desenvolveu a relação de Stephen com a família, principalmente com o pai, e emocionei-me muito nas páginas finais.»
«Diria que foi uma leitura muito emocional para mim, por esta capacidade quase imediata de me ligar às personagens e de conseguir imaginar-me em naquele bairro em Monza, a acompanhá-las de perto. Creio que todo o imaginário já criado na minha cabeça por conta d’A Amiga Genial de Elena Ferrante, tanto a tetralogia de livros quanto a série televisiva, ajudou muito a que houvesse esta entrada rápida na narrativa.»
9. Drive Your Plow Over the Bones of the Dead (PT: Conduz o Teu Arado Sobre os Ossos dos Mortos), Olga Tokarczuk
«Ainda hoje penso bastante neste livro e em todos os temas sobre os quais reflete, principalmente a maneira como nos põe a pensar sobre definições que, por norma, temos muito bem balizadas nas nossas cabeças. Por exemplo: as definições de justiça, de sanidade, de direitos dos animais, de tradição. Sei que não é um livro para toda a gente, mas definitivamente que ficará na minha lista de favoritos.»
«A história começa com uma simples gota de água, que permanece a mesma com a passagem dos séculos, lançando desde logo o mote deste livro — a importância que a água tem para as civilizações e para as pessoas, seja através da chuva, das lágrimas ou dos rios. Aqui, Elif Shafak volta, então, a trazer um elemento da natureza como fio condutor da história, mas desta vez foi ainda mais ambiciosa na estrutura narrativa que montou.»
Como este ano teve várias leituras bastante boas, volto a trazer-vos algumas menções honrosas — livros que só não estão nesta lista porque decidi reunir apenas dez. Falo de A Cicatriz, Stoner, Revolução, Clytemnestra (PT: Clitemnestra), Dear Edward (PT: Querido Edward) e Torto Arado. Se tiverem curiosidade em ouvir mais detalhadamente a minha opinião sobre os melhores livros de 2024, incluindo estas menções honrosas, podem sempre ouvir o episódio de Livra-te sobre o tema:
Para terminar esta publicação, que já vai longa, deixo-vos os meus favoritos do ano passado, se quiserem espreitar. E, agora, sim, vamos lá a ver: quais foram as leituras que mais vos impactaram ao longo de 2024?
Não é segredo para quem vai acompanhando as minhas reviews que Piranesi, de Susanna Clarke, foi um daqueles livros que me agarrou do início ao fim e que se tornou num dos meus favoritos. Por isso mesmo, fiquei entusiasmadíssima quando vi que a autora iria lançar um pequeno livro, com um conto muito invernal e festivo — The Wood at Midwinter.
Neste conto, que traz ilustrações lindas de Victoria Sawdon, conhecemos Merowdis, uma rapariga muito estranha que consegue falar com os animais e só está realmente feliz quando pode caminhar pelos bosques. Um certo dia, vai com a irmã até ao início de uma floresta e entra sozinha, apenas acompanhada pelos seus cães e pelo seu porco de estimação. Encontra um melro e uma raposa, e apesar dos avisos dos seus fiéis companheiros, acaba por confiar neles. É então que uma figura aparece na clareira onde se encontram, mudando a vida de Merowdis para sempre.
“One should be patient with saints, I suppose. Though the trouble with being patient,” she said, “is that, generally speaking, there’s no one to see you doing it."
Além de ser uma pequena história com um ambiente próprio para esta altura do ano, também aflora algumas questões importantes, nomeadamente acerca das figuras dos santos — e de tudo o que têm de deixar para trás para se poderem transformar. O conto é curto e soube a pouco, talvez por em tão poucas páginas conseguir criar um universo do qual queremos saber mais. Aliás, a história de Merowdis faz parte do mundo de Jonathan Strange & Mr Norrell, um dos livros mais conhecidos da autora, que quero ler em 2025.
Uma última nota para a escrita de Susanna Clarke, sempre tão cheia de significado, mas também de sarcasmo. Adorei ler a nota de autora, onde explica de onde surgiu esta história e dá um pouco mais de informação sobre o seu processo criativo — gosto sempre quando os escritores são generosos ao ponto de nos abrirem um pouco mais a porta. Por isso mesmo, embora tivesse querido um pouco mais de The Wood at Midwinter, este extra já me satisfez bastante e deu-me vontade de ler não-ficção escrita por ela.
Quem desse lado conhece esta autora? Vão aceitar esta sugestão de leitura tão própria para a época festiva?
Aqui estamos para o terceiro post (de quatro) sobre as melhores coisas do ano que está prestes a terminar. Já por diversas vezes afirmei que é uma das minhas alturas favoritas aqui pelo blog, mais que não seja porque me obriga a considerar tudo aquilo que vivi, a apreciar cada bocadinho, garantindo assim que as coisas boas — sejam ínfimas ou gigantes — não passam despercebidas.
Escrever é a minha forma primária de processar, e fazê-lo aqui, neste meu cantinho da internet que vai resistindo e que me acompanhou durante diversas fases da minha vida, é um privilégio enorme. Passou mais um ano, e eu tenho a certeza de que revisitarei esta e as outras publicações desta rubrica vezes sem conta — recordar é também uma forma de voltar a viver um bocadinho da magia destes melhores momentos. Como sempre digo — embora não custe reforçar —, a ordem por que vos apresento os melhores momentos de 2024 é completamente aleatória, e segue então:
1. Fui à The Eras Tour
Terminei o post sobre as melhores coisas que vi em 2024 com um disclaimer: não incluí os concertos de Taylor Swift a que assisti porque foram, no seu conjunto, um momento incrível do meu ano. Ter tido a sorte de acompanhar esta turné, de ouvir a artista musical que mais me acompanha no meu dia a dia, de viver tudo isto junto de milhares de outras pessoas com a mesma paixão do que eu… tento arranjar as palavras certas para o descrever, mas nem sempre consigo. Vou para sempre guardar este verão como um dos mais felizes da minha vida, precisamente porque estive na The Eras Tour — e também porque tive a sorte de ter a música que mais queria ouvir como surprise song.
2. As feiras do livro e eventos literários
Sinto que não agradeci o suficiente a todas as organizações de feiras do livro, eventos literários, bibliotecas, livrarias e clubes do livro por me terem convidado para falar dos meus livros ao longo deste ano — e olhem que não falo apenas dos grandes eventos, como a Feira do Livro de Lisboa e a Feira do Livro do Porto (tive a minha estreia enquanto autora este ano). Ao rever o meu ano, constatei que passei imensas horas na estrada, a caminho para e de vários locais deste país, e posso garantir uma coisa: quero continuar a poder percorrer Portugal de cima a baixo, para conhecer quem me lê.
3. Celebrar o meu 33.º aniversário em Nova Iorque
Por falar em andar de um lado para o outro: num ano intenso a nível de viagens, escolho destacar aquele que será sempre o destino da minha vida. Devem estar fartos de me ouvir (ou ler) a dizer isto, mas é mesmo verdade quando afirmo que tenho uma ligação qualquer com Nova Iorque. Uma cidade confusa, barulhenta, imparável, que tinha tudo para ser um local onde me sentiria desconfortável, é afinal um dos sítios onde me sinto mais em casa. Poder ir lá passar alguns dias de vez em quando, e conseguir casar essas idas com o meu aniversário, deixa-me sempre com a sensação de que sou mesmo muito sortuda.
Será que daqui por uns tempos consigo cumprir o sonho de passar lá uma temporada a escrever? Veremos!
4. Criar rotinas de cuidado
O que é que eu quero dizer com «rotinas de cuidado»? Não falo de skincare, embora pudesse, mas sim das pequenas coisas que fui fazendo ao longo deste ano para garantir que cuidava não só de mim, mas das relações com as pessoas à minha volta. Foi um ano muito proveitoso nesse sentido: fiz planos diferentes com amigos (por exemplo: as apresentações com os amigões Mafalda e João, as tardes de café e escrita com a Márcia, os jantares de amigas que forçamos porque sabemos que não podemos confiar na vida para fazer acontecer, os co-works em casa do Jojo); reservei, sempre que pude, os domingos para ficar sozinha em casa, a fazer o que me dava na real gana (fosse limpar e arrumar ou ficar a fazer maratonas de The Crown); mantive-me muito próxima do meu núcleo familiar, garantindo que não deixávamos passar muito tempo sem estarmos juntos.
Pode parecer uma coisa muito óbvia e simples, mas em retrospetiva percebo que todos estes pequenos momentos contribuíram muito para a sensação de que foi um ano mesmo muito bom.
5. Começar a escrever o meu terceiro livro
Não podia terminar este post sem falar no terceiro livro, certo? Depois de um processo de escrita desafiante (e doloroso em certos momentos, vá) com Quando os Rios se Cruzam, pensei que demoraria algum tempo até estar com vontade de escrever. Sinto que aprendi a respeitar melhor o ritmo das coisas: é bom e importante celebrar os lançamentos, vivê-los, sem ter a pressão de avançar com uma nova história. Ao fazê-lo, dei espaço para que esta narrativa crescesse em mim e estou tão feliz com aquilo que estou a escrever. Espero que os leitores também gostem, porque — modéstia à parte — acho que é a melhor coisa que alguma vez escrevi.
Vocês já sabem que a pergunta vai surgir, mas vamos lá a saber: quais foram os vossos melhores momentos deste ano? Partilham-nos comigo ali nos comentários? 👇 Para a semana trarei a derradeira publicação desta rubrica, já que é a última sexta-feira do ano, e falar-vos-ei dos melhores livros que li em 2024.