Já desde o final do ano passado que andava curiosa com Stay True (PT: Lealdade), de Hua Hsu. Foi porque vi a tradução para português que fiquei com ele debaixo de olho, mas acabei por ouvir a versão audiolivro porque prefiro sempre esse formato quando são livros de memórias ou não-ficção. No fundo, é como ouvir um podcast ou uma conversa longa.
Embora o foco do livro seja o momento em que Ken, amigo de Hua Hsu, é assassinado na sequência de um assalto a um carro, a narrativa começa largos anos antes, com o objetivo de termos uma noção mais geral de quem é esta pessoa que nos escreve. É filho de imigrantes chineses nos Estados Unidos, que usa a música para se ligar ao que o rodeia e à família; e tornou-se, por consequência disso, um adolescente extremamente ligado às artes, um pouco snob em relação aos gostos dos outros.
Faz sentido, então, que a amizade que trava com Ken possa ser definida como improvável: é que Ken representa toda a convencionalidade que Hua Hsu abomina. Ainda assim, os dois acabam por começar a conversar, essas conversas tornam-se longas noites de companheirismo e viagens de carro na costa da Califórnia. Os dois, e o restante grupo de amigos, partilham os sucessos e as humilhações típicos dos tempos universitários. Por toda esta ligação, a morte de Ken é um choque generalizado para todos eles, e Hua Hsu vira-se para a escrita para conseguir lidar com o que aconteceu.
At that age, time moves slow. You're eager for something to happen, passing time in parking lots, hands deep in your pockets, trying to figure out where to go next. Life happened elsewhere, it was simply a matter of finding a map that led there. Or maybe, at that age, time moves fast; you're so desperate for action that you forget to remember things as they happen. A day felt like forever, a year was a geological era.
Posso dizer que gostei bastante mais do início do livro, dos pensamentos do autor em relação a ser filho de imigrantes nos Estados Unidos, da forma como explorou as origens da sua ligação à música, de poder ver como criou uma identidade baseada em tantos aspetos diferentes. A parte da amizade, porém, não teve tanto impacto emocional em mim — claro que é injusto avaliar aquilo que foi a vida e a experiência de uma pessoa real, mas enquanto leitora senti que o foco deste livro estava muito menos explorado do que todo o contexto inicial que nos é dado.
De qualquer das formas, Stay True é uma boa leitura para quem gosta de memoirs, e para quem se interessa sobre todos estes temas relacionados com a forma como construímos a nossa identidade, e o impacto que a arte pode ter nesse processo. Já conheciam este livro?
Depois de Revolução, não esperava atirar-me a um livro de Hugo Gonçalves tão cedo. Como saberão, isso não significa que não tenha gostado, apenas que foi uma leitura intensa e demorada. Ainda assim, pensei que um voo de quase 8h seria o cenário ideal para pegar em Deus, Pátria, Família — estaria completamente concentrada nele e sem distrações do exterior.
Embora, à semelhança de Revolução, este livro se passe no Estado Novo, fiquei logo agradavelmente surpreendida por ver que o enquadramento da história era completamente diferente. Aqui, acompanhamos dois detetives que estão a investigar vários homicídios com um modus operandi semelhante: mulheres jovens, que são mortas e depois envoltas num manto branco e com um rosário entre os dedos. Todos os meses aparece mais uma mulher morta, e o investigador Luís Paixão Leal vai desembrulhando uma teia de acontecimentos — e vai perceber que talvez esteja mais dentro de uma conspiração de alto nível do que pensaria.
Gostei muito mais de ler este livro do que esperava, e aquilo que me agradou mais foi sem dúvida a escrita: ri-me várias vezes com o tom sarcástico e jocoso deste livro, e com a forma como esse tom é um veículo para uma forte crítica política e social a esta época. Adorei que apresentasse uma realidade alternativa à que o nosso país acabou por viver, embora tudo faça sentido e quase pareça que as coisas foram mesmo assim. Há uma linha ténue que separa os factos históricos da ficção, e eu gosto muito disso.
Confesso que não me interessei tanto pelo crime, mas mais pela forma como Hugo Gonçalves desenvolve estas personagens e lhes dá toda uma dimensão emocional que acaba por ter muito impacto no desenvolvimento da história. A minha parte favorita foi, sem dúvida, a relação cheia de nuances de Paixão Leal com a sua mulher, uma judia alemã.
Em resumo, recomendo muitíssimo este livro e fiquei ainda com mais vontade de ler coisas do autor. O próximo será Filho da Mãe, sem dúvida, mas fica a caixa de comentários aberta a outras sugestões que possam ter para mim.
Fruto de uma troca mensal de livros que costumo fazer com a minha amiga Pat (❤️) este livro veio parar às minhas leituras de forma inesperada, mas eu já conhecia a capa e sempre tive curiosidade em perceber que tipo de livros é que a autora escrevia. Fiquei feliz por sentir que talvez tenha encontrado aqui uma autora de conforto, daquelas que escreve histórias que aquecem o coração, mas não deixam de nos fazer pensar.
Em Freckles conhecemos Allegra Bird, uma rapariga sardenta e bastante peculiar. Mudou-se para Dublin, vinda da pequena terra onde morava com o pai, e dedica os seus dias a ser fiscal de estacionamento. Allegra leva o trabalho bastante a sério, e é na consequência de passar uma multa que conhece um homem. Irritado, diz-lhe que somos a média das cinco pessoas com quem nos damos mais — o problema é que Allegra não tem cinco pessoas ao seu redor. Este encontro fá-la olhar para o que a rodeia e tentar encontrar essas pessoas, idealmente algumas que possam ter uma influência positiva.
Sometimes it would be easier to be a human if there weren't other humans.
Escrito de uma forma leve, mas sem deixar de abordar temas mais sensíveis como o medo do abandono, a necessidade de pertença e a solidão, acho que é um daqueles livros perfeitos para esta altura do ano — sabe quando fazer rir, sabe quando nos emocionar, e sabe fazer a história avançar. Não digo que mude a vida de toda a gente, mas é certamente uma daquelas histórias que nos aquece o coração e nos dá um pouco mais de esperança no mundo. Sem dúvida que aquilo de que gostei mais foi o desenvolvimento de personagens, não apenas a Allegra, mas toda esta constelação de pessoas que anda à sua volta — tirando uma ou outra que roçaram mais a caricatura, em geral pareceram-me bastante credíveis.
Infelizmente, acho que este livro não está traduzido para português, mas espero que os outros livros da autora passem esta sensação de conforto. Como referi, ficarei com os livros dela debaixo de olho para sempre que precisar de uma pausa de leituras mais intensas. E vocês, já conhecem Cecelia Ahern? Se sim, o que acham?
Saí de Vertigens com bastante vontade de conhecer melhor a escrita da Valentina Silva Ferreira, motivo pelo qual corri a comprar Um Lobo no Quarto mal foi publicado. Mas porque a data em que compro os livros e aquela em que os leio tem, por norma, uma diferença grande, só agora pude mergulhar novamente nas histórias desta autora portuguesa.
Nesta, conhecemos Leo, uma mulher que procura pôr fim a uma vida marcada pela dor — não sabemos a origem dessa dor no início da narrativa, mas vamos desembrulhando tudo aos poucos. Apesar de não ver mais motivos por que viver, a figueira da casa do avô (que ela tanto ama) acaba a salvá-la e a mostrar-lhe que talvez valha a pena tentar de novo. Um Lobo no Quarto não é apenas um livro sobre suicídio, diria até que há outras temáticas muito mais presentes na história, como o trauma familiar e a necessidade de nos libertarmos dele para conseguirmos encontrar o nosso lugar no mundo.
Gostei ainda mais deste livro do que de Vertigens, mas há algo em comum nos dois: a forma como a Valentina escreve. Não sendo exatamente igual nas duas obras, acho notável a forma como consegue criar uma escrita e uma linguagem próprias — saberia distinguí-la por entre tantos outros autores porque há todo um imaginário e um universo mental que é construído pela maneira como escreve. Ainda assim, sinto que devo deixar um alerta a quem quer aventurar-se nesta autora pela primeira vez: a narrativa não é linear, andamos muitas vezes em tempos diferentes e saltitamos entre a realidade e os pensamentos das personagens. Isso significa que os livros da Valentina (pelo menos os que li) exigem que lhes dediquemos toda a nossa atenção.
Acho que a vontade de continuar a acompanhar a carreira da Valentina só aumentou, pelo que continuarei aqui a lê-la e a torcer por ela. E vocês, já leram alguma coisa da autora?