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Rita da Nova

Qua | 28.08.24

Torto Arado, Itamar Vieira Junior

Sempre tinha ouvido falar muito bem dos livros de Itamar Vieira Junior, sobretudo deste Torto Arado, por isso fiquei super contente quando a Joana o escolheu para agosto no Clube do Livra-te. Quem mo recomendava dizia que era uma excelente representação de um Brasil que nem sempre é trazido para os livros, e posso dizer que é uma daquelas leituras com que qualquer pessoa vai aprender imenso.

 

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Somos transportados para uma fazenda no Sertão da Bahia, onde conhecemos Bibiana e Belonísia, duas irmãs descendentes de escravos. Certo dia, ainda crianças, encontram uma mala que está debaixo da cama da avó e a curiosidade típica da idade dá azo a um acidente que muda para sempre a forma como se relacionam uma com a outra — cria-se uma relação de co-dependência, sobretudo para uma delas. Com o passar dos anos, Bibiana e Belonísia acabam por se separar, por conta dos caminhos muito diferentes que têm pela frente: uma mantém-se confortável com o trabalho na fazenda, a outra é mais sensível às injustiças que vêm com a servidão e tenta lutar pelos direitos dos trabalhadores.

 

Meu pai, quando encontrava um problema na roça, se deitava sobre a terra com o ouvido voltado para seu interior, para decidir o que usar, o que fazer, onde avançar, onde recuar. Com um médico à procura do coração.

 

Pode ajudar que partam para a leitura de Torto Arado com algum conhecimento prévio sobre as comunidades quilombolas, porque no fundo é disso que se trata esta comunidade apresentada no livro. São descendentes de comunidades compostas por escravizados fugitivos, que ainda estão presentes um pouco por todo o país. Apesar de terem uma cultura riquíssima, com raízes na ancestralidade negra, indígena e branca, enfrentam muitas dificuldades no acesso igualitário à saúde, educação e oportunidades. Gostei muito da forma como Itamar Vieira Junior explanou tudo isto sem nunca nos dar uma aula de História — é a dualidade destas duas irmãs que apresenta a realidade vivida no Brasil por volta dos anos 1960/70, que tem ecos ainda hoje.

 

É uma saga familiar, mas também é um romance inerentemente político, e há um equilíbrio muito bem feito entre estas duas componentes. Senti-me mesmo parte desta comunidade, fui capaz de imaginar todos os cenários que o autor descrevia e de sofrer com as personagens. No final, fica a incapacidade de decidir qual das duas irmãs escolheu melhor o caminho de vida — e acho que isto pode ser visto como um elogio.

 

No fundo, não posso recomendar mais a leitura de Torto Arado e tenho a certeza de que vou querer continuar a ler Itamar Vieira Junior — que outros livros do autor me recomendam?

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O que é o Clube do Livra-te?

É o clube do livro do podcast Livra-te — calma, não precisam de acompanhar o podcast para participar nas leituras. Todos os meses, cada uma de nós escolhe um livro para ler em conjunto convosco e vocês podem optar por ler a escolha da Joana, a escolha da Rita ou ambas. Depois, podem deixar a vossa opinião no grupo do Goodreads ou no Discord. Podem juntar-se a qualquer altura, venham daí!