Gostei da obra de estreia de Caleb Azumah Nelson — Open Water (PT: Mar Alto) —, mas tinha algum receio de ler mais coisas dele por sentir que talvez fosse repetir o truque de narrar tudo na segunda pessoa do singular, a sua grande marca de estilo. Contudo, na minha mais recente ida a Edimburgo, encontrei exemplares de Small Worlds autografados e não resisti a trazer.
Ainda bem que o fiz: indo direta ao assunto, gostei muito mais da experiência de leitura deste livro. Tirando um capítulo muito específico, Caleb Azumah Nelson escreveu a obra toda na primeira pessoa e isso fez com que conseguisse apreciar muito melhor aquilo que tem para nos contar. Acompanhamos Stephen ao longo de três verões determinantes na sua juventude: os amores e os desamores, as dinâmicas familiares, a procura pelo seu lugar no mundo, a busca de uma identidade entre a vida em Londres e as raízes no Gana. Tudo isto enquanto a música e o ato de dançar provam ser verdadeiras bóia de salvação, não apenas para si como para a comunidade que o rodeia.
I gaze at my parents, and see that a world can be two people, occupying a space where they don’t have to explain. Where they can feel beautiful. Where they might feel free.
À semelhança do que acontece em Open Water, também em Small Worlds a escrita e a construção de personagens se sobrepõem ao enredo, mas ainda assim senti que houve uma preocupação maior em trazer uma narrativa um pouco mais apoiada em acontecimentos que vão construindo a história. Adorei a principal reflexão deste livro, toda a ideia subjacente de irmos construindo “pequenos mundos” nas nossas vidas, seja pelo contexto ou pelas pessoas com quem estamos — e essas bolhas são ecossistemas importantíssimos na forma como encaramos a vida. Também apreciei bastante a maneira como o autor desenvolveu a relação de Stephen com a família, principalmente com o pai, e emocionei-me muito nas páginas finais.
Espero que Caleb Azumah Nelson continue a escrever com esta qualidade, e espero que este livro seja traduzido brevemente para que toda a gente o possa ler. Ficaram com vontade de o ler? Recomendo muito, até a quem não tenha gostado de Open Water.
Há algum tempo que não lia um livro com uma envolvência mais de mistério, a roçar o thriller sem o ser realmente. The Lamplighters (PT: Os Guardiões do Farol), de Emma Stonex, veio ocupar esse espaço e fez-me companhia durante uns dias de descanso em família, à beira de uma piscina, e posso dizer que fiquei presa à história do início ao fim.
Em 1900, três faroleiros desapareceram na ilha remota de Eilean Mòr, na Escócia, e esse evento inspirou a autora a escrever um livro com um ponto de partida semelhante. Emma Stonex avisa desde o início que tudo o resto que estamos prestes a ler é ficção: em The Lamplighters vamos andando entre 1972 e 1992, entre o testemunho dos três homens que trabalhavam no farol e o testemunho das suas mulheres, vinte anos depois de se terem visto sozinhas.
Time gives you a bit of distance where you can look back on whatever's happened to you and not feel all the feelings you once had; those feeling have calmed down and they're not at the forefront of your mind in the way they are at the beginning.
Bem sei que algumas pessoas acharam a história um pouco lenta, mas eu não senti — é certo que algumas coisas soam repetidas, mas em geral gostei bastante do ambiente criado e não me importei nada com o ritmo. Outra coisa que gostei bastante foi o estilo de entrevista usado nos momentos em que eram as mulheres a recordar o que se tinha passado em 1972; mesmo sem haver intervenção do escritor que as questiona, conseguimos perceber o que está por detrás das respostas.
Tinha receio de que o livro terminasse sem haver uma explicação para o desaparecimento dos três homens, algo que me frustraria, mas fiquei feliz quando percebi que nos estávamos a encaminhar para um final bem fechadinho (não se preocupem, não foi dar spoilers!). Em resumo: foi uma leitura bastante positiva, que não sendo extraordinária acabou por conjugar suspense com alguns pensamentos interessantes sobre esta ideia de termos de fazer o luto de alguém que não temos a certeza de ter morrido.
Ficaram com curiosidade de ler este The Lamplighters?
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O que é o Clube do Livra-te?
É o clube do livro do podcast Livra-te — calma, não precisam de acompanhar o podcast para participar nas leituras. Todos os meses, cada uma de nós escolhe um livro para ler em conjunto convosco e vocês podem optar por ler a escolha da Joana, a escolha da Rita ou ambas. Depois, podem deixar a vossa opinião no grupo do Goodreads ou no Discord. Podem juntar-se a qualquer altura, venham daí!
Estive sempre na dúvida sobre se leria ou não Vemo-nos em Agosto, de Gabriel García Márquez, um livro editado postumamente pelos filhos do autor. Quando saíram as notícias do lançamento, li que Gabo não queria que este livro fosse publicado como estava e senti que a aposta de o pôr na mesma no mundo era uma traição aos desejos dele. Mas depois pensei que é raro termos esta possibilidade de continuar a ler coisas novas de autores falecidos e decidi arriscar.
Vemo-nos em Agosto conta a história de Ana Magdalena Bach, que todos os anos, no mesmo dia de agosto, apanha um ferry até à ilha onde a mãe foi enterrada. Este ritual é, claro, uma forma de prestar homenagem à mãe e de a visitar, mas é bem mais do que isso — todos os anos, e apesar de ser casada, Ana Magdalena aproveita essa viagem para ter um caso com um homem diferente.
Estão aqui presentes, então, temas como o luto e a emancipação feminina e sexual; ou, pelo menos, inícios de temas. Isto porque, sendo um manuscrito inacabado e com o qual García Márquez não estava assim tão satisfeito, nota-se que não há o devido desenvolvimento destas ideias e até da protagonista. Claro que existe a qualidade que costumamos associar ao escritor, simplesmente não está maturada da mesma forma que nos seus restantes livros e contos.
Ainda assim, se gostam de Gabo e da sua escrita, diria que vale a pena ler este pequeno livro — não apenas pelo regresso “a casa”, mas pela tentativa de explorar estas temáticas mais femininas, onde foi bem sucedido até certo ponto. Além disso, a edição também conta com um prólogo dos dois filhos, com uma nota do editor e com quatro páginas fac-similadas da quinta versão manuscrito original. Para quem gosta de saber mais sobre o processo de escrita e de edição, é um bom acrescento.
Quem desse lado se aventurou nesta surpresa deixada por Gabriel García Márquez?
Estes últimos meses estão a trazer-me várias leituras que prometem afirmar-se como favoritas do ano e, quem sabe, da vida. É o caso de Soldier Sailor, de Claire Kilroy, um dos nomeados ao Women’s Prize for Fiction — um prémio que costumo acompanhar de perto e que, por norma, me traz sempre boas leituras. Assim que li a sinopse deste livro soube que iria adorar e ainda bem que não me desiludi.
Soldier Sailor é uma carta de uma mãe (Soldier) para o seu filho (Sailor) sobre as grandes dificuldades de ser mãe pela primeira vez. Escrito em forma de fluxo de consciência, esta mulher vai explicando todas as coisas dolorosas por que passou com o nascimento do filho, mas fá-lo com um carinho extremo — acho que nunca tinha lido nada que mostrasse tão bem a dualidade de sentimentos que invadem uma mulher numa altura destas. Por um lado, há a felicidade de ser mãe, a ligação profunda que esta mulher tem ao filho; por outro, há a exaustão, as horas que passam sem que saiba bem para onde foram, a perda de identidade, a falta de partilha desta carga com outra pessoa.
I tell my husband about my childhood and he tells me about his but it isn't the same. We can never know each other as we were then. But I know you. I will see the child you were in the man you will become. So come to me. When you need me, come. When you are lost, when are you low: come. When the birds have stopped singing, or you have stopped hearing, because they never stop singing. They are birds.
Não é um livro com um enredo intrincado ou até linear, mas também me parece que esse não foi o intuito da autora. Até porque, como depois perceberão, esta carta é escrita num momento extremo e, por isso mesmo, faz sentido que estes pensamentos saiam de forma meio atabalhoada. De qualquer das formas, a grande beleza de Soldier Sailor está na escrita poética e na maneira como Claire Kilroy expõe todos estes dilemas internos da protagonista.
Diria que qualquer pessoa se pode apaixonar por este livro, mas mulheres que tenham passado pela maternidade ainda vão identificar-se mais. No que me diz respeito, fiquei deliciada com a escrita da autora e tenho vontade de ler os outros romances que publicou no passado. E vocês, já conheciam este livro?