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Rita da Nova

Qui | 20.06.24

Teoria das Catástrofes Elementares, Rita Canas Mendes

Vi a capa de Teoria das Catástrofes Elementares, de Rita Canas Mendes, e algo me disse que teria de o ler. Depois, em conversa com um amigo que teve a oportunidade de a entrevistar, confirmei que este romance teria tanto de trágico como de divertido — duas características que, como bem sabem, muito aprecio.

 

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Rita Canas Mendes escreve muito, mas este é o seu primeiro romance. Ainda assim, não esperem uma história direitinha, que siga uma estrutura mais tradicional ou linear. Com Teoria das Catástrofes Elementares senti-me como se estivesse a espreitar o diário íntimo da protagonista, ou até como se estivesse a assistir a uma sessão de terapia em que ela recorda diversos episódios que a marcaram.

 

No fundo, é quase como se fosse uma manta de retalhos de episódios de vida, que se interligam e acabam por criar o retrato muito fiel de uma família e da época em que esta vive. A autora equilibra memórias mais divertidas com algumas mais trágicas, infância com adolescência, idade adulta com a constatação da velhice dos pais — e desenha muito bem uma família de classe média-alta dos anos 90. Está aqui o fantasma da Guerra Colonial e do regresso a Lisboa, está aqui a queda financeira no início dos anos 2000 (mas sem deixar que isso transpareça para os outros), está aqui uma certa frieza na forma como as pessoas desta família se tratam umas às outras.

 

É sempre melhor vivermos como se tudo o que nos aconteceu nos tivesse acontecido.

 

A melhor parte deste livro, para mim, é sem dúvida a escrita da Rita: sabe perfeitamente onde ser sarcástica, onde ser mais cuidadosa, onde ser mais bruta. E parece-me que este estilo mais em crónicas é onde se sente mais confortável, embora eu adorasse ler um romance com um enredo e estrutura mais tradicionais, para ver que tipo de histórias seria capaz de criar. E isso leva-me ao ponto de que menos gostei: achei que termina de uma forma um pouco anticlimática, estava a gostar bastante da leitura e senti falta de ter deixado um texto mais impactante para o fim.

 

Recomendo muito a leitura desta Teoria das Catástrofes Elementares e ficarei, com muita curiosidade, deste lado a acompanhar os próximos projetos da autora dentro do romance.

Ter | 18.06.24

Feira do Livro // Edição de 2024

Bem, o que dizer desta edição da Feira do Livro de Lisboa? Várias coisas: a maior parte delas incríveis, outras um pouco mais desgostosas, e é mesmo por aí que vou começar. Esta foi provavelmente a primeira vez em muitos anos em que não consegui aproveitar a feira como queria. Por estar em plena tour de divulgação de Quando os Rios se Cruzam, tive de apontar as minhas visitas para coincidirem com os dias em que estaria por lá enquanto autora — isso fez com que tivesse pouca atenção aos livros do dia e às melhores oportunidades, mas não fez com que saísse da feira de mãos a abanar, claro.

 

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E essa é a parte incrível: estive lá no dia 10 de junho para uma conversa com o Álvaro Curia sobre entrar no mercado literário, que se seguiu de uma sessão de autógrafos de quase 2h30 (!); passei por lá no dia 13 para um Meet & Greet com influenciadores literários que trabalham de perto com a minha editora e tive a fantástica Marta Maia da Costa (@ofwavesandpages) a orientar uma conversa sobre o meu livro; e finalizei no domingo, dia 16, com uma conversa com a Lorena Portela sobre personagens femininas e mais 1h e picos de autógrafos.

 

Desde que sou uma autora publicada (🥹) termino sempre a Feira do Livro de Lisboa num estado muito emocional: ainda é inacreditável para mim que tanta gente tenha interesse em ouvir-me e em ficar ao sol para ter um autógrafo meu e conversar um bocadinho. Considerem que este pequeno parágrafo nunca será suficiente para agradecer, mas que eu nunca esquecerei a quantidade de leitores incríveis que tenho.

 

E porque, como vos disse, mesmo não tendo estado tão atenta aos deals acabei a fazer algumas compras, aqui vos deixo as minhas compras desta 94.ª edição da Feira do Livro de Lisboa:

 

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Brutes, Dizz Tate (14,70€ 11,80€)

A compra impulsiva do ano, numa visita a meio da semana para um Meet & Greet com influenciadores da Presença, a casa-mãe da minha editora. Nunca tinha ouvido falar nele, nem na autora, mas adorei a capa e, depois de ler a sinopse, parece-me um daqueles livros com a mistura certa entre mistério e doidice. Tentarei lê-lo brevemente e dizer-vos se sempre vale a pena.

 

Day, Michael Cunningham (16,75€ 13,40€)

Já sabia que quereria levar este livro para o Clube do Livra-te, por ter ouvido falar muito bem dele, pelo que encontrá-lo na versão original à venda na feira foi o sinal de que precisava para avançar com essa escolha já para Julho. Supostamente é uma história sobre amor e perda, que se centra numa família e nos tempos iniciais da pandemia.

 

Um Lobo no Quarto, Valentina Silva Ferreira (18,50€ 16,65€)

A entrada no Clube das Mulheres Escritoras e a Feira do Livro do ano passado abriram-me as portas para a leitura de outras mulheres portuguesas. De tal modo que, uma vez que as tenho comprado e lido ao longo do ano, na feira só queria mesmo comprar o novo livro da Valentina Silva Ferreira, que me desperta muita curiosidade. Já gostei muito de Vertigens, mas algo me diz que vou gostar ainda mais deste.

 

Os Crimes do Verão de 1985, Miguel d’Alte (18,45€ 14,77€)

E a falha que é nunca ter lido Miguel d’Alte? Tinha planeado esta compra para outro momento, já que eu e o Miguel fizemos parte do mesmo painel no Festival FALA, em Alcanena. Calha que o voo do Miguel, vindo do Luxemburgo, foi cancelado e ele teve de se juntar através de videochamada. No dia seguinte fui então ter com ele à Feira do Livro de Lisboa, para o conhecer finalmente em pessoa e pedir-lhe um autógrafo neste que será o meu primeiro livro dele.

 

Torto Arado, Itamar Vieira Junior (16,60€ 13,30€)

Não tenho dedos suficientes para contar a quantidade de vezes que já me recomendaram a leitura deste livro. E depois de saber que foi finalista do International Booker Prize for Fiction, fiquei ainda com mais vontade de o fazer.

 

Se ficaram com curiosidade em perceber como têm sido as minhas Feiras do Livro de Lisboa ao longo dos anos, deixo-vos com os posts que fui escrevendo. Neles encontram também as minhas estratégias para aproveitar este evento da melhor forma, pode ser que vos inspire no próximo ano:

>> Como aproveitar melhor a Feira do Livro (2017)
>> Feira do Livro: as minhas compras deste ano (2018)
>> Feira do Livro // O rescaldo da edição de 2019
>> Feira do Livro // A edição de 2020
>> Feira do Livro // Edição de 2021
>> Feira do Livro // Edição de 2022
>> Feira do Livro // Edição de 2023

 

E agora chegou a parte de que gosto mais: aquela em que vos pergunto se foram à feira, como é que correu, que livros compraram… Ah, e se já leram alguns dos que comprei este ano, para me darem a vossa opinião!

Sex | 14.06.24

Foi Assim, Natalia Ginzburg

Nunca tinha ouvido falar de Natalia Ginzburg até começar a falar mais de Turim, a propósito do lançamento do meu Quando os Rios se Cruzam. Alguns leitores recomendaram a obra da autora, que não tendo nascido nessa cidade acabou por viver lá grande parte da sua vida, e eu lembrei-me que tinha recebido um livro dela de oferta. Foi Assim entrou então na minha lista de leituras e posso dizer que foi uma agradável surpresa.

 

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Adorei logo a forma como começou: uma mulher que confronta o marido com as suas mentiras e, não satisfeita com as respostas, acaba a dar-lhe um tiro no meio dos olhos. Prendeu-me logo, como podem imaginar, e fiquei nesse estado até ao final da leitura — até porque o livro não chega a ter 100 páginas, pelo que se lê de uma assentada. Depois de dar um tiro no marido, esta mulher sai de casa e, já num jardim, acaba a recordar todos os acontecimentos que levaram até àquele momento.

 

É uma história sobre amor, sim, mas também sobre a solidão em que o casamento nos pode deixar quando não estamos junto da pessoa certa — ou quando a pessoa com quem estamos está mais focada noutras coisas. E, até, sobre as tragédias que atacam os casais e das quais parece quase impossível recuperar. Dessa forma, a protagonista é introspetiva e tem até alguns laivos de loucura, algo que vai sendo justificado ao longo do livro.

 

Fiquei agradavelmente surpreendida com a escrita de Natalia Ginzburg, em certos momentos fez-me lembrar a de Elena Ferrante, pelo que quererei certamente ler mais coisas da autora brevemente. Se já leram, deixam-me as vossas recomendações?

Qui | 13.06.24

Blue Sisters, Coco Mellors

Sabem quando um livro que antecipavam com entusiasmo não só corresponde às expectativas (já de si altas) como ainda as supera? É com grande felicidade que vos informo que me aconteceu com Blue Sisters, o segundo livro de Coco Mellors, que se tornou o favorito do ano até agora e, sem dúvida, um dos favoritos da vida.

 

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Estou de tal modo apaixonada por este livro que, mesmo passadas semanas de o ter lido, ainda me é complicado expressar de forma clara aquilo que senti — as emoções vêm sempre ao de cima, mas prometo que vou tentar. Começo por recordar que eu já tinha adorado Cleopatra and Frankenstein (PT: Cleópatra & Frankenstein), o livro de estreia da autora, mas sinto que deu aqui vários saltos de qualidade a vários níveis.

 

Neste livro acompanhamos as irmãs Blue — Avery, Bonnie e Lucky — um ano depois da morte de uma quarta irmã, Nicky. Avery mora em Londres, é advogada e a irmã mais velha, logo a que sente a responsabilidade de tomar conta das outras e de parecer perfeita aos olhos delas, mesmo que na sua intimidade esteja completamente desfeita; Bonnie está em Los Angeles e é uma lutadora de boxe que deixou de competir aquando da morte da irmã; Lucky percorre o mundo na sua carreira como modelo — e na vida decadente que isso acarreta —, mas passa mais tempo em Paris. Quando os pais acham que é a altura de vender o apartamento da família em Nova Iorque, as três irmãs têm de voltar a casa para o reencontro, não apenas umas com as outras, mas sobretudo com a perda de Nicky e consigo mesmas.

 

A sister is not a friend. Who can explain the urge to take a relationship as primal and complex as a sibling and reduce it to something as replaceable, as banal as a friend? Yet this status is used again and again to connote the highest intimacy. My mother is my best friend. My husband is my best friend. No. True sisterhood, the kind where you grew fingernails in the same womb, were pushed screaming through identical birth canals, is not the same as friendship. You don’t choose each other, and there’s no furtive period of getting to know the other. You’re part of each other, right from the start. Look at an umbilical cord—tough, sinuous, unlovely, yet essential—and compare it to a friendship bracelet of brightly woven thread. That is the difference between a sister and a friend.

 

Adorei o desenvolvimento de personagens, tanto das irmãs como das pessoas que gravitam à volta delas, e achei que Coco Mellors dedicou a atenção necessária a cada uma delas — faz-nos compreender o ponto da vida em que estão, os seus problemas e a forma como estão a fazer o luto de Nicky. Nenhuma delas é perfeita, arriscaria até em dizer que a autora nos mostra maioritariamente a pior parte de cada uma delas, mas nada é injustificado e faz-nos torcer para que todas fiquem bem.

 

Blue Sisters explora muito bem a irmandade e a forma como ter irmãos define e molda aquilo que nós somos — e eu não consigo sequer imaginar o que seja sofrer a perda de um irmão, mas sinto que acedi a várias emoções verdadeiras através deste livro. Há vários outros temas explorados ao longo da narrativa, mas a adição é talvez um dos mais importantes: todas as irmãs são ou foram viciadas em algo, e muitas vezes essa adição é só uma forma de tentar viver num mundo onde tantas coisas difíceis lhes acontecem. Coco Mellors já falou abertamente sobre ter tido um problema de alcoolismo (e sobre estar sóbria há vários anos), pelo que não posso deixar de ficar sensibilizada com o facto de ter trazido para este livro um assunto que claramente lhe é muito íntimo e pessoal.

 

Não vou apontar nenhum defeito a este livro porque, mesmo havendo alguns, eu não reparei ou consegui desvalorizar por tudo o que a história me estava a fazer sentir. A única parte menos boa para mim foi ter acabado porque eu queria continuar com as Blue Sisters durante mais tempo.

 

Quem desse lado já leu este livro? Que outras histórias sobre irmãs me recomendariam?