Cheguei finalmente a uma das minhas compras da Feira do Livro de 2023, mesmo a tempo de libertar espaço nas estantes para mais uma edição. Luanda, Lisboa, Paraíso, de Djaimilia Pereira de Almeida, é um livro que tenho debaixo de olho já desde que dinamizava o Uma Dúzia de Livros — há por aqui alguém dessa altura? —, uma vez que foi muito bem referenciado num dos nossos encontros. Ainda assim, depois de uma experiência estranha com A Visão das Plantas, da mesma autora, decidi dar um tempo até ler esta história.
Ainda bem que o fiz: Luanda, Lisboa, Paraíso é muito mais o meu tipo de livro e de narrativa. Cartola e Aquiles, pai e filho, chegam a Lisboa em junta médica e deixam as mulheres da família para trás, em Luanda. Sozinhos, têm de descobrir (ou será criar?) as bases da sua relação — por vezes, Aquiles tem se ser pai sem ter tido a oportunidade de ser filho. Quando percebem que Lisboa pode não ser a materialização do sonho de Cartola, encontram o Paraíso à margem da cidade e é lá que fazem um amigo.
Adorei toda a construção da dinâmica entre as várias personagens, sobretudo as masculinas, porque é feita com uma sensibilidade extrema. Creio que essa seja a magia do livro, já que a narrativa não segue linhas muito complexas — ao invés disso, acompanha o dia a dia e as mudanças (tanto exteriores como interiores) destas pessoas que mudaram de país. Também gostei muito da forma como Aquiles e Cartola vão mantendo contacto com a família, seja através de cartas, de telefonemas ou de visitas de algumas personagens a Lisboa, porque isso ajuda o leitor a fazer uma comparação entre as suas versões de Luanda, de Lisboa e de paraíso.
Passaram a esquecer-se dela nas conversas como se a matriarca nunca tivesse feito parte. Uma pessoa podia ser esquecida depressa depois de ter sido o esteio de tantas outras.
Este livro fez-me companhia numa viagem de autocarro entre Lisboa e Faro, pelo que podem perceber a voracidade com que o li. Estive sempre dividida entre a vontade de saber mais sobre estas personagens e demorar-me a ler várias passagens, já que a escrita de Djaimilia quase que nos exige isso. À primeira vista é simples e direta, mas rapidamente compreendemos que tem muitas camadas prontas a serem descobertas.
Se procuram uma leitura em língua portuguesa, acho que não poderia recomendar mais este livro. E desse lado, que outras histórias de Djaimilia Pereira de Almeida me recomendariam?
Se acompanham o Livra-te, então é provável que saibam o teor da opinião que vos trago sobre The Perfect Find (PT: O Achado Perfeito), de Tia Williams. Começo por avisar que é possível que me escape uma ou outra coisa sobre a história, e que algumas dessas coisas podem ser consideradas spoilers, mas não há bem forma de dizer o que achei sem isso — ou seja: a partir deste ponto, vão com cautela.
Ainda antes de falar especificamente sobre este livro, tenho de recordar que até gostei bastante de ler Seven Days in June (PT: Sete Dias em Junho), da mesma autora, pelo que já estava mais ou menos familiarizada com a escrita dela. Esperava que a experiência com The Perfect Find fosse mais ou menos semelhante, mas compreendi logo às primeiras páginas que não seria. A premissa é simples: Jenna é uma ex-editora de moda a quem tudo está a correr mal. Separada do noivo, e sem trabalho, a única solução que encontra é aceitar a proposta de trabalho numa publicação online gerida por Darcy, uma ex-colega e inimiga.
Na casa dos quarenta, Jenna tem dificuldade em adaptar-se a uma publicação digital, mas é-lhe bastante fácil aproximar-se de Eric, o videógrafo com quem faz uma espécie de dupla de trabalho. Sim, já perceberam onde é que isto vai dar: não só Eric é vinte anos mais novo, como calha ser filho de Darcy — a receita ideal para dar asneira. Ainda assim, os dois começam uma relação às escondidas, que poderá pôr tudo em risco.
Ora bem, a ideia de se abordar uma relação com diferença de idades até poderia ser interessante, mas isso seria se Tia Williams não carregasse no teor sexual da relação como se não houvesse amanhã. Ou seja, em vez de mostrar que uma relação destas é tão válida quanto outras, abordando a dinâmica entre personagens, a autora achou por bem que Jenna e Eric se comportassem como coelhos, sem qualquer autocontrolo, e que aproveitassem todos os contextos e mais alguns para se enrolarem. Para não falar da quantidade de coisas absurdas que são ditas durante o ato, como o momento em que Eric menciona que, se tivesse mononucleose, bastava-lhe fazer sexo oral a Jenna para ficar curado. Podia estar aqui o dia todo a mencionar todas as parvoíces que li neste livro, mas não vale a pena.
Eu já estava a odiar o livro e a forma como toda esta história se desenrola, mas a gota de água foi o final — tão novelesco, tão mal construído, tão apressado, tão estúpido… enfim, só terminei na base da raiva e por respeito à Joana, visto que esta foi a escolha dela para o Clube do Livra-te de maio. Mas agora que passei pelo sofrimento de o ler, deixem-me aconselhar-vos: há milhares de coisas bem mais interessantes do que esta para ler, nomeadamente o folheto do supermercado.
Posto isto, quem entrou neste barco também? Sobreviveram? Contem-me tudo nos comentários!
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O que é o Clube do Livra-te?
É o clube do livro do podcast Livra-te — calma, não precisam de acompanhar o podcast para participar nas leituras. Todos os meses, cada uma de nós escolhe um livro para ler em conjunto convosco e vocês podem optar por ler a escolha da Joana, a escolha da Rita ou ambas. Depois, podem deixar a vossa opinião no grupo do Goodreads ou no Discord. Podem juntar-se a qualquer altura, venham daí!
E eu que não lia um retelling de mitologia há algum tempo? Confesso que, apesar de ter saudades, estava um pouco receosa de pegar em Atalanta (PT: Atalanta) porque o último livro da autora, Elektra, não me encheu completamente as medidas. Ainda assim, posso desde já dizer que fiquei presa à história desta heroína desde a primeira página, e que adorei a experiência de ler este livro.
Abandonada numa montanha em pequena, porque o pai gostaria que tivesse sido um rapaz, Atalanta acaba a ser criada por uma ursa — em representação da deusa Artemis. Cresce devota a esta deusa, e é ela quem lhe pede que integre a viagem dos Argonautas. No fundo, um conjunto de heróis que embarcaram a nau Argo, encabeçados por Jasão, para ir buscar o Tosão de ouro (a lã de ouro de um carneiro alado). Embora seja mencionada muito raramente nos textos clássicos, a verdade é que Atalanta foi a única mulher a fazer parte dos Argonautas e o seu papel terá sido bem mais importante do que é dado a entender.
Standing in the shadows, gathering my resolve. I'd been among too many people, living according to their rules for too long. It was clouding my vision, gnawing away at my confidence and certainty, making me doubt the instincts that kept me alive all these years. I needed to remember who I was, who I had always been: a woman who was unafraid.
Em Atalanta, Jennifer Saint faz justiça a uma heroína tão posta de parte, e fez-me apaixonar por esta figura que eu também não conhecia assim tão bem. Não quero contar-vos muito do que acontece, porque é uma história cheia de aventura, mas acrescento que achei que estava super bem contada e que Jennifer Saint fez um excelente trabalho de criação de personagens — consegui compreender a motivação de todas, mesmo daquelas com que não concordo. Mas adorei sobretudo a própria Atalanta e toda a mensagem feminista que a autora quis passar com este livro.
Fico muito feliz por saber que também está publicado em português, pelo que podem também ler este retelling se preferirem traduções — eu até diria que é um excelente ponto de partida para quem quer começar a ler mais dentro deste género, por ser uma história com muito ritmo e aventura. E agora, contem-me: já o leram?
Vou começar este post com uma mensagem de felicidade: felicidade por ver mais uma mulher a ser publicada em Portugal, felicidade por ver que a autora pôde estrear-se nos thrillers, o género que mais aprecia, felicidade por ver o panorama literário português a mudar aos pouquinhos. Estava muito entusiasmada por ler A Corrente, da Filipa Amorim, e nem as suas mais de quinhentas páginas assustaram.
Quando, após nove anos de ter desaparecido, o corpo de Francisco é encontrado numa campa do Cemitério de Santa Cruz, num espaço supostamente livre, é retomada a investigação policial — e o que era entendido como um desaparecimento passa a ser encarado como um homicídio. Este desenvolvimento no caso faz com que Daniel, Gabriela, Mariana e Alexandre — os amigos de sempre de Francisco — tenham de se reunir e reviver acontecimentos do passado que os marcaram tanto.
O reencontro e a nova investigação do caso vão reforçar as dinâmicas entre os amigos, e a partir daí será apenas um desenterrar de segredos e assuntos mal resolvidos — e o leitor terá de perceber em que medida é que se relacionam com o desaparecimento de Francisco há nove anos. Em geral gostei bastante do livro, embora thrillers não sejam de todo a minha praia, e adorei que desenvolvesse uma dinâmica de grupo de amigos. As personagens do grupo estão bem desenvolvidas e senti-me como parte daquela amizade, a descobrir intrigas à medida que eles também o faziam.
Acho que é um excelente livro de estreia e tenho muita curiosidade em ver o que é que a Filipa trará no futuro — a escrita é limpa, direta ao assunto, como se quer num livro onde a trama é o mais importante. A única coisa que não me convenceu a 100% foi alguma repetição de elementos ou ideias que, enquanto leitora, achei desnecessários e acabaram por resultar numa certa sobre-exposição. Gostaria que a história tivesse sido um pouco mais concisa, mas consigo perceber a decisão de não ser.