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Rita da Nova

Ter | 16.04.24

After Sappho, Selby Wynn Schwartz

Há uns tempos subscrevia uma caixinha de livros escritos por mulheres, mas tive de cancelar quando as taxas alfandegárias das encomendas provenientes do Reino Unido começaram a ser incomportáveis. After Sappho, de After Sappho, Selby Wynn Schwartz, chegou-me numa dessas caixas e eu não lhe liguei grande coisa — pu-lo perto dos outros livros para ler e ignorei-o até há bem pouco tempo.

 

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Selby Wynn Schwartz é académica, estudou literatura comparativa e ensina escrita na Universidade de Stanford. Daí que eu tenha achado, pela sinopse do livro e pelas primeiras páginas, que este livro se tratava de uma espécie de estudo feminista e não de uma obra de ficção. Depois de ler um pouco sobre ele, percebi que era a primeira tentativa da autora dentro da ficção — uma tentativa ambiciosa, a meu ver. Isto porque, mais do que uma narrativa com princípio, meio e fim, After Sappho é um conjunto de fragmentos, que dão palco a diferentes vozes, cujo propósito é reimaginar as vidas de um grupo de feministas entre o final do século XIX e o início do século XX.

 

Have you forgotten that a poet lies down in the shade of the future? She is calling out, she is waiting. Our lives are the lines missing from the fragments. There is the hope of becoming in all our forms and genres. The future of Sappho shall be us.

 

Todas estas mulheres existiram, mas algumas não tiveram o palco que mereceram na altura. Sarah Bernhardt, Colette, Eileen Gray, Lina Poletti, Virginia Woolf, e Romaine Brooks são apenas alguns dos nomes que podemos acompanhar neste livro. No fundo, é uma tentativa de celebrar todas estas vozes, artistas mas não só, fazendo pontes entre o passado, o presente e o futuro da luta feminista.

 

Posso dizer que a minha experiência de leitura foi um pouco estranha, como acredito aliás que seja a intenção da autora. Acho que é um daqueles livros para ser lido aos poucos, uma vez que não tem uma linha narrativa para ser seguida e, se tentarmos encontrá-la, facilmente ficaremos frustrados. As reflexões são super interessantes e assustadoras em certa medida, quando percebemos que ainda nos confrontamos com muitas das mesmas barreiras que aquelas mulheres.

 

Para finalizar, digo apenas que fiquei com muita vontade de conhecer melhor a poesia de Sappho. E vocês, já conheciam este livro ou a autora?

Sex | 12.04.24

Da Meia-Noite às Seis, Patrícia Reis

Ora aqui está mais uma das minhas compras da Feira do Livro de Lisboa do ano passado, o ano em que decidi comprar só livros de mulheres — e maioritariamente de autoras portuguesas. Fiquei interessada em Da Meia-Noite às Seis, de Patrícia Reis, por ser um romance sobre os tempos de pandemia. Bem sei que há muita gente que não gosta de ler sobre esses tempos, mas interessa-me muito perceber a universalidade da experiência por que todos passámos em tempos recentes.

 

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Começamos por conhecer Susana, uma radialista que perdeu o marido como consequência da Covid-19. Acompanhamos o seu fluxo de consciência, os pensamentos desta personagem que não pôde despedir-se do marido e que, então, recorda o modo como se conheceram e apaixonaram. E, depois, quando Susana consegue emprego noutra estação de rádio, para fazer o programa que dura da meia-noite às seis da manhã, conhece Rui, um jornalista com quem comunica apenas por e-mail.

 

No fundo, é uma história sobre a vivência partilhada que foi a pandemia da Covid-19: a tragédia, a necessidade de reestruturarmos as nossas vidas (a níveis mais ou menos profundos), a procura pela ligação humana quando não podemos tê-la, a esperança que surgiu dos sítios mais inesperados.

 

Gostei bastante da escrita da autora — até porque sou muito fã deste estilo que imita o que vai dentro da cabeça das personagens —, bem como da estrutura do livro. Saltamos entre pontos de vista, entre passado e presente, até compreendermos como é que as diferentes personagens se vão cruzando e como têm impacto na vida umas das outras. Ainda assim, houve duas coisas que não adorei: a primeira foi o facto de a autora se referir sempre às personagens pelo nome completo, o que acabou por me tirar da leitura algumas vezes; a segunda foi o final dado a uma das personagens e a ligação, a meu ver um pouco forçada, que tentou fazer.

 

De resto, foi uma experiência mesmo muito positiva e deixou-me com bastante vontade de explorar mais a escrita de Patrícia Reis. Há por aí leitores dela? Se sim, que outros livros me recomendam?

Qui | 11.04.24

Must I Go, Yiyun Li

Lembro-me perfeitamente do momento em que comprei este livro, convencidíssima de que o iria adorar. Afinal, Must I Go conta a história de Lilia, uma idosa que recorda a sua vida através dos diários de Roland, um homem com quem teve um caso a certa altura. E estava motivada, apesar de várias reviews dizerem que era muito aborrecido, mas esse entusiasmo esmoreceu logo aos primeiros minutos de audiolivro.

 

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Gostei muito da premissa de revisitar uma vida através de registos deixados por outra pessoa, mas rapidamente compreendi que a execução iria deixar a desejar. O livro está estruturado em várias partes e só na última, talvez a mais interessante, é que acontece o que eu esperava desde o início: um confronto com um pouco mais de sumo. Lilia vai anotando as entradas de diário de Roland, desmentindo algumas, confirmando outras, acrescentando pormenores, clarificando — e o que poderia ser um estilo incrível, fez apenas com que o enredo se perdesse nesta tentativa de fazer diferente.

 

But how do you speak to a granddaughter in her dead mother's stead? Can the responsibility to the dead ever be replaced by the responsibility to the living?

 

Admito que gostei bastante de algumas passagens e reflexões que a autora foi deixando, mas o geral do livro foi tão secante, que nem sequer consigo lembrar-me de alguns para partilhar convosco. Separadamente, os temas abordados são interessantes: o confronto de memórias, a perda de um filho, os segredos que somos obrigados a esconder, etc. Contudo, enquanto história com princípio, meio e fim, não consegui achar cativante.

 

Bem sei que a capa é linda, mas diria que este é um daqueles casos em que nem isso salva o livro. Quem desse lado já o leu? O que acharam?

Ter | 09.04.24

Pod, Laline Paull

Tinha este livro no radar deste o Women’s Prize for Fiction do ano passado. Pod, de Laline Paull, fez parte da shortlist do prémio, mas não foi o vencedor — ainda assim, a premissa e a perspetiva diferente do comum fizeram-me adicioná-lo logo à minha lista de livros para ler. Deem-me uma história contada do ponto de vista de um animal, que eu vou querer ler.

 

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Em Pod, acompanhamos um grupo de golfinhos-rotador e a dinâmica que estabelecem no oceano — não apenas entre espécies de golfinhos, mas com os restantes animais. E fazêmo-lo principalmente através de Ea, que sempre se sentiu diferente dos outros golfinhos. É que ela sofre de um tipo de surdez que a impede de ouvir todas as comunicações entre golfinhos, assim como dificulta a arte de rodar, uma parte importantíssima da vida daquela espécie. Quando percebe que talvez seja a culpada da desgraça que atinge a sua família, Ea decide fugir e recomeçar a vida sozinha — nessa aventura, conhece outras espécies de golfinhos e outros animais (uns amigáveis, outros nem tanto).

 

Her many faults were so plain that everyone felt more gracious by comparison. How could they not have seen that cruel pride in themselves?

 

Tal como já tinha acontecido com The Bees, gostei muito da maneira como a autora introduziu elementos e informações sobre a espécie de modo que fizessem sentido para o enredo. Por exemplo: os golfinhos são animais hipersexuais, o que faz com que a reprodução seja uma parte muito importante da dinâmica entre espécimes. Ea não tem grande interesse nisso, o que também contribui para que seja posta de parte no grupo. Ao mesmo tempo, caracterizou os diferentes tipos de golfinhos, fazendo com que as suas idiossincrasia funcionassem como motivo de discordia.

 

Gostei muito do livro, só senti alguma dificuldade em entrar na história e em compreender as regras deste mundo que Laline Paull criou para a narrativa. De resto, deixou-me apenas com mais vontade de ler The Ice, que tenho cá por casa e é o único da autora em que ainda não peguei. E vocês, também apreciam histórias com pontos de vista diferentes?