Lembro-me de estar a “passear” pela loja do Kobo, de ver a capa e a sinopse deste livro, e de pensar que era mesmo a minha cara. Deixei-o na wishlist, os tempos foram passando, e a Joana acabou por mo oferecer no Natal — isso fez com que passasse à frente de umas quantas leituras. Publicado pela primeira vez em 1978, é considerado um dos clássicos da literatura LGBT, pelo que a minha curiosidade aumentou ainda mais.
Dancer from the Dance conta a história da relação entre Malone, um rapaz que procura uma relação com significado no meio de tantas saídas à noite e orgias, e Sutherland, uma lenda do panorama gay de Nova Iorque. Gostei muito que o livro começasse com a troca de cartas entre duas personagens, que ao início não sabemos quem são, onde uma delas fala de ter escrito a história de tempos passados no coração de NYC, em festas e decadência. A partir daí, o que lemos é esse tal manuscrito.
The greatest drug of all, my dear, was not one of those pills in so many colors that you took over the years, was not the opium, the hash you smoked in houses at the beach, or the speed or smack you shot up in Sutherland's apartment, no, it wasn't any of these. It was the city, darling, it was the city, the city itself. And do you see why I had to leave? As Santayana said, dear, artists are unhappy because they are not interested in happiness; they live for beauty. God, was that steaming, loathsome city beautiful!!! And why finally no human lover was possible, because I was in love with all men, with the city itself.
O livro é, no fundo, a recordação de todos esses momentos: sejam eles divertidos, emocionais ou extremamente dramáticos. Acompanhamos um conjunto de personagens homossexuais num período tão importante de libertação sexual — apanhamos referências a Stonewall, mas também à epidemia da SIDA. Está escrito com uma vivacidade contagiante — que tem a capacidade de nos transportar para o panorama gay da Nova Iorque dos anos 1970 — e as dinâmicas entre personagens soam muito reais, não há nada de novelesco na forma como falam umas com as outras, como se tratam, como interagem.
Ainda assim, há alguns aspetos que não me convenceram totalmente: senti que os capítulos eram demasiado extensos para a densidade que a história já tem, o que fez com que não fosse propriamente uma experiência de leitura leve. Também sei que não é suposto ser, já que por detrás desta camada de vida boémia se esconderam verdades mais cruas e vidas mais dramáticas — talvez Andrew Holleran quisesse transmitir esta sensação com a leitura, quem sabe?
Quem desse lado já leu este livro? Se sim, o que acharam e que outros do autor me recomendariam?
Conheci este livro quando ainda trabalhava em agências de comunicação e algumas colegas minhas, amigas da autora, me falaram dele. Na altura já sabia que Primeiro Eu Tive de Morrer, de Lorena Portela, era uma daquelas histórias com que qualquer mulher se consegue identificar — e uma daquelas de partir o coração —, mas outras leituras foram ganhando prioridade e nunca cheguei a ler. Até ao dia, há pouco tempo, em que a minha editora me disse que seria publicado também em Portugal pela Manuscrito e decidi que estava na hora de pegar nele.
Uma jovem publicitária de Fortaleza, no Brasil, está à beira do burnout. Quando é forçada a parar durante oito semanas, decide ir até Jericoacoara, uma vila paradisíaca que promete ser o sítio ideal para sarar as feridas que foi acumulando ao longo dos anos. Esta personagem feminina, que não tem nome porque poderia ser qualquer uma de nós, usa o mar e o sol de Jeri para tentar renascer, mas rapidamente descobre que só as outras mulheres podem realmente fazer a diferença na sua sobrevivência.
É curioso observar que homens são econômicos ao elogiar mulheres pelas quais eles não têm interesse sexual. Não é comum ver comentários masculinos sobre trabalhos ou performances femininas em perfis ou sites de intelectuais, artistas, cantoras, filósofas, escritoras e afins. Mas esses mesmos homens não perdem tempo em lamber e alimentar o já grande ego uns dos outros nas redes sociais.
Gostei muito da forma como este livro está escrito: Lorena Portela escreve com laivos de poesia, ao mesmo tempo que não se inibe de ser crua nas coisas que diz. É uma daquelas escritas que parece muito direta até ao momento em que aparece uma frase cheia de camadas para descobrir. E também gostei bastante das diferentes personagens femininas, estão todas no sítio certo — e não há nenhuma personagem que não cumpra um propósito.
Se tiver de apontar um defeito a este livro, é o de ser demasiado curto. Sinto que havia aqui mais espaço para desenvolver a história e para construir ainda melhor a relação que o leitor tem com as diferentes personagens. Também gostava que alguns dos aspetos mais místicos que aparecem no início do livro fossem tendo mais protagonismo, mas é mesmo uma questão de gosto e compreendo a opção da autora.
Em resumo: é um daqueles livros que toda e qualquer mulher tem de ler, mais que não seja porque haverá sempre qualquer coisa com que nos podemos identificar. Quem desse lado já leu Primeiro Eu Tive de Morrer?
Já tinha Intimacies (PT: Intimidades), de Katie Kitamura, debaixo de olho há algum tempo — pelo menos desde que a Quetzal me cedeu um exemplar. Sabem que nem sempre consigo ler os livros assim que me chegam, mas felizmente a Joana escolheu-o para o mês de abril no Clube do Livra-te e consegui tirar mais um livro do meu carrinho de livros por ler.
Estava muito curiosa com a premissa porque gosto muito de histórias que abordam o poder da linguagem e da tradução. Aqui, acompanhamos uma intérprete que se muda de Nova Iorque para Haia, uma vez que conseguiu um lugar no Tribunal Internacional de Justiça. Mas será que alguém que é interprete, que faz da tradução de ideias a sua vida, consegue realmente pertencer a algum lado? Ou ser um intermédio para os outros faz com que esta personagem nunca consiga realmente pertencer a lado algum?
The appearance of simplicity is not the same thing as simplicity itself, even then I was aware of this.
Grande parte do livro é apenas esta personagem feminina a confrontar-se com os seus problemas: o namorado que não consegue realmente largar a ex-mulher, uma amiga que fica presa a um ato de violência que acontece na rua onde mora, os casos graves em que precisa de servir de intérprete no trabalho. Ou seja, diria que Intimacies vive muito mais dos pensamentos e ideias sobre esta dificuldade em pertencer, em conseguir ser realmente íntima de alguém, do que propriamente de uma história bem orquestrada.
Não é um mau livro, mas também não creio que vá ser memorável: é, no fundo, uma leitura rápida e relativamente simples, que ao mesmo tempo nos faz pensar nestes temas. Ora contem-me lá: já o leram? Se sim, qual é a vossa opinião?
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O que é o Clube do Livra-te?
É o clube do livro do podcast Livra-te — calma, não precisam de acompanhar o podcast para participar nas leituras. Todos os meses, cada uma de nós escolhe um livro para ler em conjunto convosco e vocês podem optar por ler a escolha da Joana, a escolha da Rita ou ambas. Depois, podem deixar a vossa opinião no grupo do Goodreads ou no Discord. Podem juntar-se a qualquer altura, venham daí!
Comprei este livro no ano passado, quando estava a sofrer de ressaca por ter regressado do Japão, e fez-me sentido lê-lo um ano depois da viagem. De certa forma, foi a minha estratégia para recordar os dias que passei naquele país, onde tenho a certeza de querer voltar um dia — e não é que tenho a sensação de ter sido uma leitura mais emocional por ter todo o imaginário muito presente?
The Pachinko Parlour, de Elisa Shua Dusapin, conta a história de Claire num verão, em Tóquio, em que vai dividir o seu tempo entre tomar conta da jovem Mieko e passar tempo no apartamento dos avós. O plano de Claire é levar os avós a visitar a Coreia, de onde emigraram há mais de cinquenta anos. Nunca tendo regressado ao país de origem desde então, fizeram vida através de um estabelecimento de pachinko. Shiny, é assim o nome, ainda está aberto: a pequena Mieko quer muito visitá-lo e Claire acha que não é boa ideia levar uma criança até um sítio de jogo e vício.
I like it when it’s foggy. When you can’t see into the distance. When there’s no horizon. It gives me a feeling of having time. That it’s all right not to see, not to be aware of what’s in my path.
Adianto já que este livro não tem muito enredo: vive essencialmente da dinâmica entre personagens — as interações entre Claire e Mieko são deliciosas — e da descrição dos locais. A escrita de Elisa Shua Dusapin é daquelas que nos permite encontrar beleza nas coisas mundanas, e o livro passa sempre uma sensação que mistura nostalgia com paz. Gostei bastante da forma como termina e de como isso se liga com toda a reflexão que a autora pretende fazer sobre o sentimento de pertença a um sítio.
Gostei mesmo muito do livro, mas reforço que não acontece grande coisa — por isso, se um enredo emocionante é importante para vocês enquanto leitores, talvez não seja a escolha mais acertada. Se, pelo contrário, gostam de vibes, para mais vibes japonesas, então acho que vão gostar bastante. Já tinham ouvido falar de The Pachinko Parlour?