Continuo focada na missão de dar conta de todos os livros por ler que tenho cá em casa, o que fez com que pegasse finalmente em True Biz, de Sara Nović. Se acompanham o Livra-te, poderão lembrar-se do episódio de rescaldo da viagem que eu e a Joana fizemos a Londres, em Abril do ano passado. Nessa altura, decidimos fazer um desafio que tínhamos visto no TikTok. Comprámos um livro surpresa para a outra e só os desembrulhámos durante o episódio. E este foi o que a Joana escolheu para mim.
True Biz passa-se nos Estados Unidos e centra a sua narrativa numa escola para surdos ficcionada, a River Valley School for the Deaf. Neste cenário, acompanhamos diferentes personagens. As centrais são February, a diretora, filha de pais surdos; Charlie, uma rapariga surda com implante que é transferida para a RVSD por não se conseguir adaptar numa escola “normal”; e Austin, um jovem que aparentemente tem a família perfeita por ser filho de mãe surda e pai intérprete. A narrativa inicia-se no momento em que Charlie vai para esta escola e conhece todo um universo que não conhecia até então, nomeadamente a American Sign Language, que lhe permite comunicar de uma forma mais eficaz, sem sentir que está a perder partes importantes.
Kept apart from one another, deaf children frequently receive not only substandard education without full access to language, but a suppressed understanding of the self that can only be righted by representation and a sense of larger community belonging.
Aproveitando o título do livro, já que True Biz corresponde a um gesto em ASL que significa “seriously” ou “real-talk”, devo dizer que o adorei. Sendo honesta, eu sei que a história em si nem sempre pode ser o género de toda a gente, até porque é bastante young adult, mas eu fiquei fascinada com a forma como a autora conseguiu explicar várias das questões mais importantes que existem dentro da comunidade surda. É quase como se cada personagem representasse uma forma de estar dentro desta comunidade. Ou seja, True Biz aborda temas que são desconhecidos da maioria de nós, mas que não deixam de ser interessantes: deve uma criança ser submetida à operação para pôr um implante coclear? Quais as consequências de a língua gestual ter sido proibida durante anos? Existe racismo dentro da comunidade surda?
Além da narrativa principal, que vai saltitando entre pontos de vista, o livro também é intercalado com alguns capítulos mais curtos, cujo propósito é o de desmistificar a ASL e dar a conhecer a história da comunidade surda nos Estados Unidos. Achei muito original, uma vez que tem vários desenhos que exemplificam a forma de fazer os gestos.
É provável que este livro não me tivesse impactado tanto se não estivesse a aprender Língua Gestual Portuguesa e em contacto com a comunidade surda, mas acredito que é uma daquelas histórias com capacidade de aumentar a nossa perspectiva acerca do mundo que nos rodeia, de nos tornar um pouco mais empáticos. Recomendo mesmo muito, caso tenham curiosidade em saber mais sobre estes temas!
Tenho a sorte de poder estar próxima de escritoras incríveis, algumas das quais posso chamar de amigas, e a Maria Francisca Gama é uma delas. Posto este disclaimer inicial, quero que saibam que eu diria exatamente as mesmas coisas sobre o seu mais recente livro, A Cicatriz, caso não nos conhecêssemos. Mais uma vez, fui uma sortuda porque tive a oportunidade de o ler ainda antes de ser publicado e devo dizer-vos que me apaixonei por esta história e pela forma como está contada.
Um casal jovem vai de férias para o Rio de Janeiro e tudo parece correr bem: estão apaixonados e toda a gente sabe que, quando estamos nesse estado, nada de mal nos pode acontecer. Os dias passados na cidade brasileira são pautados pela felicidade e pela descontração típica de quem viaja — mesmo que para um sítio que nem sempre é seguro. Numa das últimas noites das férias, depois de um jantar fora, regressam ao hotel e ficam na dúvida: deverão ir pela esquerda ou pela direita? E uma decisão aparentemente tão insignificante acaba por deixar uma cicatriz enorme na sua relação.
Éramos felizes, verdadeiros camaradas e a âncora um do outro. Um dia o nosso barco afundou-se e nenhum dos objetos que éramos nos salvou.
Sabemos desde o início que algo correu mal e a Maria Francisca vai-nos levando pelas férias desde casal com essa desgraça iminente subentendida nas palavras, mas nem por isso deixa de nos descrever o Rio de Janeiro como uma cidade incrível, cheia de coisas bonitas e de pessoas boas. Gostei mesmo da forma como conseguiu casar estas duas sensações num só livro, bem como da homenagem que vai fazendo a diferentes autores brasileiros.
É um livro curto e lê-se num sopro, mas isso não significa que se deva partir para a leitura de ânimo leve. De qualquer das formas, se gostam de livros intensos e que nos levam a considerar as pequeninas decisões que tomamos no dia a dia, então A Cicatriz tem mesmo de estar na vossa lista! Se quiserem ouvir-nos falar sobre este livro (e sobre tantas outras coisas) podem ouvir o podcast que a Francisca criou para o lançamento do livro — tem apenas três episódios, mas dá alguma visibilidade acerca do processo e das motivações para a escrita.
Aproveitei a Feira do Livro de Lisboa de 2023 para ir em busca de livros de escritoras portuguesas. Lisboa, Chão Sagrado, de Ana Bárbara Pedrosa, era um dos livros do dia e decidi aproveitar por ser, também, a obra de estreia da autora. Ficou algum tempo à espera, mas gostei tanto de ouvir a Ana Bárbara no Vale a Pena, que a vontade de o ler aumentou muito.
Sabia que não era um livro muito consensual, pelo menos conheço algumas pessoas que não o adoraram ou que tiveram alguma dificuldade em entrar na história. Até compreendo: em Lisboa, Chão Sagrado acompanhamos um conjunto de personagens e vamos saltando de perspectiva em perspectiva, o que pode dificultar a ligação à narrativa. Eduarda, Mariana, Noé, Matias e Dulcineia têm as suas histórias individuais, mas também momentos em que se vão cruzando uns com os outros. Através destas personagens, Ana Bárbara Pedrosa leva-nos ao Rio de Janeiro, à Palestina, a Lisboa, ao interior do Brasil — e, ao mesmo tempo, essas viagens no espaço também nos ajudam a compreender a dinâmica destas relações.
Não restou nada de bom: insónias, fraqueza, ansiedade, aquela tristeza lenta, aquele abraço impossível, passeios furiosos pela madrugada de Lisboa, um escaravelho estúpido, um ego que já só serve para varrer o chão, a falta d-e-l-a, a falta d-e-l-a, a falta d-e-l-a, a certeza de que a teria seguido até um lar, até ao fim.
É, sobretudo, uma história sobre a maneira como procuramos nos outros (e no amor que terão ou não para nos dar) aquilo que nem sempre conseguimos encontrar dentro de nós. Talvez seja um livro demasiado cru e intenso para alguns gostos, mas eu gostei de constatar que é possível escrever um livro que é quase todo sobre sexo sem que isso resvale para o brejeiro ou cringe. E adorei os diálogos entre personagens portuguesas e brasileiras, sobretudo os que mostravam a dificuldade em comunicar numa língua que, apesar de tudo, é a mesma.
Fiquei muito curiosa com Amor Estragado, da mesma autora, porque me parece ser o que os leitores mais costumam apreciar. Há por aí fãs de Ana Bárbara Pedrosa? Se sim, qual me recomendam que leia a seguir a este?
Acompanharam todo o marketing à volta de Argylle, de Elly Conway? Um livro escrito com pseudónimo — suspeitou-se durante algum tempo que fosse escrito pela Taylor Swift (😂) —, direitos para adaptação ao cinema vendidos ainda antes de haver livro e, pouco depois do lançamento do livro e da estreia do filme, o anúncio de que é, na realidade, da autoria de Terry Hayes e Tammy Cohen. Para compreenderem tudo isto, aconselho este artigo da Vulture.
Com tanta conversa em torno de um livro que ainda nem sequer estava publicado, eu e o Guilherme ficámos com curiosidade e quisemos lê-lo em conjunto durante o mês de Fevereiro. A nossa ideia é fazer uma leitura partilhada por mês (em Janeiro lemos este) e achámos que fazia sentido começar com o livro e depois ver o filme — embora, segundo sei, há poucas coisas em que as histórias se cruzam. Qual é a história do livro, então? Pouco tem que ver com o que possam ter visto no trailer do filme.
Argylle conta a história de Aubrey Argylle, contratado pela CIA para ser espião de uma unidade especial, e Frances Coffey, uma figura importante no mundo da espionagem, que comanda essa unidade. Apesar de ser um livro cheio de ação, quase como se fosse um livro inspirado num filme cheio de coisas a acontecer, o início da narrativa pode parecer um pouco mais lento. Isto porque acompanhamos parte do processo de recrutamento de Argylle para a tal unidade especial, bem como a sua adaptação junto da equipa.
There are definite advantages to being a middle-aged woman, society's least visible demographic, at the top of the foremost secret service in the world. If no one even sees you, how could they ever suspect you of holding one of the most powerful positions on the planet?
Depois disso, é aquilo que se pode esperar de um livro sobre espiões: tudo a acontecer, russos contra americanos, nazis enfiados lá no meio, explosões, tiros, mentiras, idas a festas para roubar coisas, etc. Não posso dizer que não seja divertido (e muito fora daquilo que costumo ler), mas sei que não me vou lembrar de nada do que acontece daqui por uns tempos. De qualquer das formas, gostei muito da forma como os Elly Conway conseguiram construir as dinâmicas entre todas as personagens que compõem esta equipa.
Fiquei com curiosidade de ver o filme e de perceber até que ponto é inspirado no que li. Se estiverem à procura de uma leitura rápida e empolgante, em que cada capítulo vos deixa com vontade de saber o que vai acontecer de seguida, então vale a pena experimentarem este! Contem-me: quem desse lado já leu o livro e/ou viu o filme? Qual é a vossa opinião?