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Rita da Nova

Qui | 11.01.24

Black Cake, Charmaine Wilkerson

Sabem aqueles livros que vão sendo recomendados um pouco por toda a parte e que, por isso, acabam a fazer parte da lista de livros que estão no nosso radar — mas que, ainda assim, não constituem uma wishlist? Black Cake (PT: Bolo Negro), de Charmaine Wilkerson, fazia parte desse conjunto de livros para mim, até ao dia em que me calhou num blind date with a book comprado em Roma, no fim-de-semana do meu aniversário. Achei engraçado que me calhasse um título de que já tinha ouvido falar tanto, pelo que decidi escolhê-lo para o mês de Dezembro no Clube do Livra-te.

 

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Antes de ler, sabia apenas que era uma saga familiar e que acompanharia dois irmãos — Byron e Benny — nos dias após a morte da mãe, Eleanor, que lhes deixou um bolo negro (uma receita ancestral) e uma mensagem gravada, o ponto de partida para que se comecem a desvendar vários segredos. Na gravação que os espera, Eleanor é perentória: deverão comer o bolo juntos, mas só “na altura certa”. A partir daí, a narrativa anda sempre entre o passado e o presente, entre a história da mãe e a história dos filhos.

 

I have lived long enough to see that my life has been determined not only by the meanness of others but also by the kindness of others, and their willingness to listen.

 

Black Cake tinha tudo para ser um favorito: dinâmicas entre irmãos, segredos desvendados, conflitos familiares que devem ser resolvidos. Ainda assim, tive alguma dificuldade em ligar-me ao livro — não pela história ou pelas personagens, mas pela maneira como está estruturado. O facto de andarmos, em capítulos alternados, a saltitar não apenas entre o presente e o passado, mas também entre os pontos-de-vista das diferentes personagens, faz com que informações valiosas sejam reveladas ou muito cedo ou demasiado tarde (perdendo impacto em ambos os casos). E confesso que me senti mais ligada à linha temporal do passado, uma vez que teve um pouco mais de desenvolvimento.

 

Não me interpretem mal: eu gostei bastante das personagens, acho que estão bem desenvolvidas (algumas um pouco caricaturais, ainda assim, admito), e sei que teria gostado mais do enredo se tivesse sido apresentado de outra forma. É, de qualquer das maneiras, uma leitura com muitas reflexões interessantes sobre ancestralidade e identidade cultural, sobre linhas familiares e sobre o papel que a comida pode ter no meio disto tudo. Acredito que seja uma experiência positiva para muitas pessoas, por isso podem partir para a leitura sem medos!

 

Desse lado, quem é que já leu este livro? E quem é que, como eu, quer ficar com atenção a futuros livros de Charmaine Wilkerson?

 

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O que é o Clube do Livra-te?

É o clube do livro do podcast Livra-te — calma, não precisam de acompanhar o podcast para participar nas leituras. Todos os meses, cada uma de nós escolhe um livro para ler em conjunto convosco e vocês podem optar por ler a escolha da Joana, a escolha da Rita ou ambas. Depois, podem deixar a vossa opinião no grupo do Goodreads ou no Discord. Podem juntar-se a qualquer altura, venham daí!

Ter | 09.01.24

So Late in the Day, Claire Keegan

Ainda em 2023, mesmo no final do ano, houve tempo para voltar às palavras de Claire Keegan com o seu mais recente So Late in the Day. Não é segredo para ninguém que esta foi uma das autoras que mais li no ano passado, não apenas pela natureza curta das suas histórias, mas porque são sempre bastante poderosas e enternecedoras.

 

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Parti com bastante curiosidade para esta história, que é ainda mais curta que as anteriores e tem uma aura mais contemporânea do que Small Things Like These e Foster. Ao início tudo parece estar a correr bem bem: Cathal, o nosso protagonista, termina uma sexta-feira de trabalho estranhamente soalheira para Dublin e regressa a casa, pronto a abraçar um fim-de-semana grande. É no caminho que começa a pensar em Sabine, a mulher com quem podia estar a partilhar a vida se as coisas tivessem sido diferentes.

 

Inicialmente integrado numa coletânea da autora sobre as dinâmicas entre homens e mulheres, este conto explora a desigualdade emocional que pode existir entre um casal — sobretudo, a maneira como o desalinhamento de expectativas e a falta de generosidade podem manchar uma relação ainda antes de ela realmente começar. Escrito com a emoção e síntese tão características da autora, é uma excelente companhia para uma horinha de leitura.

 

Fiquei muito curiosa com os restantes contos que compõem a coletânea So Late in the Day: Stories of Women and Men. Segundo percebi, uma delas — Antarctica — está publicada num outro livro de contos com o mesmo nome. E vocês, também já começaram a explorar as histórias desta escritora?

Sex | 05.01.24

Panenka, Rónán Hession

Se eu achava que acabaria em lágrimas depois de ler a história de um jogador de futebol reformado e caído em desgraça? Não, mas a magia dos livros é mesmo essa, a de nos ligar a histórias que aparentemente nada têm que ver connosco. Panenka, de Rónán Hession, andava debaixo do meu radar há algum tempo, mas nunca o tinha comprado — corta para este Natal, em Londres, quando fui ter com a Fi e ela me disse que queria encontrá-lo. Ao fazê-lo recordou-me dele, juntou-se a coincidência de só haver dois na livraria e lá seguimos as duas felizes.

 

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Comecei a lê-lo nesse mesmo dia e não consegui parar. Panenka foi um promissor jogador de futebol, mas uma decisão errada mudou o seu destino — agora, aos 50 anos, tem de viver uma vida normal enquanto tenta reconstruir a relação com a filha e criar uma ligação com o neto. Panenka é um homem demasiado reservado, o que faz com que mantenha as terríveis dores de cabeça de que sofre à noite (e a que chama “Máscara de Ferro”) em segredo. Mas o que acontece quando o nosso protagonista conhece Esther, que também está a tentar fugir do seu passado?

 

Este livro está escrito com uma sensibilidade muito tocante, envolve-nos desde a primeira frase com a personagem de Panenka — mesmo que nos apeteça entrar pelas páginas e pedir-lhe que fale com as pessoas da vida dele. Creio que isso só pode significar uma coisa: a história e as suas personagens são reais, erram e tomam decisões idiotas como as pessoas normais e, por isso mesmo, conseguimos empatizar com elas. Gostei mesmo muito de navegar na dinâmica que este conjunto de personagens estabelece entre si: não apenas o núcleo familiar de Panenka ou a relação com Esther, mas até as conversas no café entre os seus frequentadores habituais me mantiveram presa.

 

I’m not scared of that. Loneliness is a torch: it can show you things about yourself.

 

Panenka vive essencialmente da construção das personagens e da maneira como conversam umas com as outras, pelo que devem dar-lhe uma oportunidade se este for o vosso tipo de livro. Tem, ainda assim, várias reflexões interessantes sobre solidão, sobre a necessidade de nos fecharmos para que as coisas más que existem dentro de nós não transbordem para os outros, sobre qual é o nosso valor quando deixamos de fazer aquilo em que somos bons.

 

A melhor forma que tenho de o descrever é a seguinte: imaginem uma espécie de crossover entre o documentário Welcome to Wrexham e a aura irlandesa dos livros da Sally Rooney. Fiquei muito rendida à escrita de Rónán Hession e tenho a certeza de que lerei outras coisas dele — Leonard and Hungry Paul é o primeiro romance do autor e também é bastante aclamado.

 

Já tinham ouvido falar do autor ou do livro? Contem-me tudo nos comentários.

Qui | 04.01.24

I Am, I Am, I Am, Maggie O’Farrell

Só há pouco tempo me estreei na obra de Maggie O’Farrell e a minha experiência com Hamnet, um dos livros mais aclamados da autora, não conseguiu convencer-me completamente. Estava com algum receio de ler mais coisas da autora tão cedo, ainda assim, visto que I Am, I Am, I Am (PT: Estou Viva, Estou Viva, Estou Viva) foi a escolha da Joana para o Clube do Livra-te de Dezembro, e uma vez que é um memoir, lá decidi arriscar.

 

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I Am, I Am, I Am coleciona as dezassete experiências de quase-morte da autora. Sim, não me enganei nem leram mal: dezassete. Maggie O’Farrell chama-lhe “encontros com a morte” e eu concordo que acaba por ser uma expressão mais verdadeira do que a típica “experiências de quase-morte” — isto porque nem todas as histórias acabam com a autora numa cama de hospital ou em acidentes a que sobreviveu. Aquilo que une todas estas experiências é o facto de, a certo ponto, Maggie O’Farrell se ter confrontado com a possibilidade de morrer, caso as coisas tivessem sido ligeiramente diferentes.

 

There is nothing unique or special in a near-death experience. They are not rare; everyone, I would venture, has had them, at one time or another, perhaps without even realising it. The brush of a van too close to your bicycle, the tired medic who realises that a dosage ought to be checked one final time, the driver who has drunk too much and is reluctantly persuaded to relinquish the car keys, the train missed after sleeping through an alarm, the aeroplane not caught, the virus never inhaled, the assailant never encountered, the path not taken.

 

É certo que alguns capítulos parecem mais pessoais e têm um impacto maior do que outros, mas em geral gostei bastante de conhecer um pouco mais da vida desta mulher através destes episódios que nos relata. Não me fez particular confusão que não estivessem organizados por ordem cronológica, uma vez que me deu sempre a sensação de que a escritora nos dava as informações certas no momento certo. De qualquer das formas, recomendo que vão com algum cuidado porque este livro lida com vários temas delicados, desde doenças a perda gestacional — se forem sensíveis, fica o aviso.

 

Em resumo: gostei muito de ler um livro de memórias contado de uma maneira tão original e deu-me algum fôlego e vontade de explorar outros livros dela. De qualquer das formas, tenho a sensação de que gostarei sempre mais da Maggie O’Farrell enquanto autora de não-ficção. E vocês, já leram este ou outros livros dela? Quais são os vossos favoritos?

 

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O que é o Clube do Livra-te?

É o clube do livro do podcast Livra-te — calma, não precisam de acompanhar o podcast para participar nas leituras. Todos os meses, cada uma de nós escolhe um livro para ler em conjunto convosco e vocês podem optar por ler a escolha da Joana, a escolha da Rita ou ambas. Depois, podem deixar a vossa opinião no grupo do Goodreads ou no Discord. Podem juntar-se a qualquer altura, venham daí!