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Rita da Nova

Ter | 31.10.23

A Thousand Ships, Natalie Haynes

Há algum tempo que não lia um dos géneros de que mais tenho gostado nos últimos anos: reinterpretações de clássicos da mitologia, sobretudo a grega. Natalie Haynes tem-se vindo a afirmar como uma das minhas autoras favoritas nestas matérias e A Thousand Ships, que reconta a guerra de Tróia pela perspetiva das mulheres, só veio comprovar isso mesmo.

 

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Começamos a história no momento em que a guerra chega ao fim: os gregos venceram e Tróia está dominada por chamas. Uma batalha de durou décadas teve, obviamente, as suas consequências — mas não apenas para os homens. O que dizer de várias mulheres, gregas e troianas, que tiveram de esperar pelo regresso dos seus homens (vivos ou não) e que foram forçadas a tomar várias decisões para conseguirem sobreviver? É essa a missão de Natalie Haynes com este livro de ficção, narrado alternadamente pelas vozes de diferentes mulheres: Pentesileia, que lutou contra Aquiles, Penélope, que esperou o regresso de Odisseu até muito depois do fim da guerra e, até, as Deusas que deram início a tudo.

 

But this is a women's war, just as much as it is the men's, and the poet will look upon their pain - the pain of the women who have always been relegated to the edges of the story, victims of men, survivors of men, slaves of men - and he will tell it, or he will tell nothing at all. They have waited long enough for their turn.

 

Natalie Haynes é exímia em trazer diferentes pontos de vista e, mesmo quando não parecem relacionados, no final tudo faz sentido e compreendemos o quadro geral dos acontecimentos. É uma capacidade muito importante, pelo menos a meu ver, porque os mitos nunca são isolados — relacionam-se uns com os outros, as figuras míticas influenciam-se mutuamente. A guerra de Tróia é um excelente exemplo disso e adorei lê-la narrada desta forma, já para não falar da escrita da autora, que é bonita e sarcástica em partes iguais.

 

Ou seja: recomendo mesmo muito que leiam este livro, mesmo que não tenham qualquer conhecimento prévio sobre mitologia grega — a autora consegue explicar tudo o que precisam de saber de uma forma muito simples. Se gostarem de audiolivros, também podem optar pela versão áudio deste, narrado pela própria e muito bom. Eu fui fazendo uma mistura entre versão física e audiolivro e correu muito bem. Que me dizem, ficaram com curiosidade de ler?

Qui | 26.10.23

Misericórdia, Lídia Jorge

Aqui me confesso: não só nunca tinha lido nada de Lídia Jorge, como não tinha especial atração pelos livros da autora. Era um daqueles nomes conhecidíssimos que, por qualquer motivo, nunca ganhava grande destaque nas minhas pesquisas de novas leituras. Isto mudou quando o meu amigo Jorge (olá, Jojo! 🙋‍♀️) estava a lê-lo e a dizer-me, várias vezes, que eu iria adorar.

 

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Misericórdia conta a história de Dona Alberti e das suas aventuras enquanto residente no lar Hotel Paraíso. Esta personagem vai-nos contando, em jeito de diário, os acontecimentos do lar: quem chega de novo e quem falece, as visitas que a filha e o genro lhe fazem, as intrigas e paixões entre residentes, a relação que vai criando com os assistentes que tomam conta dela e dos outros velhotes, etc. Além destas coisas mais corriqueiras, Alberti vive atormentada pela noite — ou seja, pela morte. É quando se aproxima da hora de dormir que a noite se acerca dela e começa a fazer-lhe perguntas, a dominar o seu pensamento, o que eu achei uma excelente representação do que é estarmos a aproximar-nos dos nossos últimos dias.

 

Aqui onde me encontro, mesmo em tempo de Primavera, quando os dias costumam ser do tamanho das noites, a noite é sempre mais longa que o dia. Sabendo disso, é precisamente a meio da noite que a noite vem ter comigo, dirigindo-me perguntas inimagináveis como se fosse aquele gato pardo, muito antigo, que se chamava esfinge.

 

Gostei tanto de ver o mundo pelos olhos desta personagem e de conhecer todas as outras que Lídia Jorge traz para este livro — a Dona Joaninha, a Dona Rita de Lyon, a brasileira Lilimunde e, até, a filha de Dona Alberti que nunca é mencionada, mas, sendo escritora, é a primeira pista para a inspiração biográfica deste livro. No final, a autora revela que a sua própria mãe lhe pediu que publicasse esta história e, aliás, sei que foram escritos por ela os pedaços de texto com que Dona Alberti termina alguns dos capítulos.

 

Não sei se ficou o bichinho para ler mais coisas desta autora, mas sei que dificilmente esquecerei Misericórdia — é tão nosso, tão português, que quase que sinto que todas estas personagens poderiam ser pessoas que eu conheço. Já para não falar que é uma bonita reflexão sobre a velhice, sobre a morte e sobre os nossos dias finais neste mundo.

 

Há leitores de Lídia Jorge desse lado? Se sim, acham que deviam investir em mais livros da autora? Quais?

Ter | 24.10.23

These Precious Days, Ann Patchett

Estamos em Outubro de 2023 e eu acho que descobri a minha paixão literária deste ano. Depois de ter devorado o audiolivro do romance Tom Lake, decidi dar uma oportunidade à escrita de Ann Patchett no formato de crónicas e acho que ainda fiquei mais apaixonada pela escritora. Optei, mais uma vez, pelo formato áudio (e este é narrado pela própria autora), mas gostei tanto que já fui comprar a versão física.

 

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These Precious Days é a segunda coletânea de crónicas de Ann Patchett, onde, embora explore uma série de temas, acaba sempre com um pezinho na escrita e na sua vida enquanto escritora. É um livro bastante íntimo, que depende das experiências da autora para uma reflexão mais aprofundada sobre amizade, amor, escrita, propósito. Acho sempre de uma generosidade enorme quando um escritor opta por partilhar partes da sua vida privada, para que compreendamos melhor a sua escrita e os temas que aborda na ficção — e quando isso é feito com uma escrita poética, melhor ainda ainda.

 

A crónica que dá o título ao livro, These Precious Days, conta a história de como Ann Patchett conheceu Sooki, a assistente de Tom Hanks, e de como as duas criaram uma amizade forte já em idade adulta, enfrentando várias adversidades juntas. Em Three Fathers, dá a conhecer os três pais que teve — o biológico e os dois maridos da mãe — e mostra como cada um deles foi fundamental para o seu crescimento enquanto pessoa e escritora. There Are No Children Here é um texto importante sobre a escolha de não ser mãe e as vezes em que precisou de se confrontar publicamente com essa decisão. Cover Stories recordou-me da importância de, enquanto escritora, tomar as rédeas dos meus livros muito para além do seu conteúdo (a capa, a revisão, a maneira como é comunicado); e, por fim, Two More Things I Want to Say About My Father emocionou-me bastante, já que Ann Patchett partilha com os leitores algumas das partes mais importantes da relação com o pai.

 

Having someone who believed in my failure more than my success kept me alert. It made me fierce. Without ever meaning to, my father taught me at a very early age to give up on the idea of approval. I wish I could bottle that freedom now and give it to every young writer I meet, with an extra bottle for the women. I would give them the ability both to love and not to care.

 

Falei-vos de apenas cinco crónicas deste livro, provavelmente porque foram as que mais me marcaram, mas posso garantir que estão todas muitíssimo bem escritas — e que cimentaram a minha admiração pela autora. Terminei o livro a sentir que quero ser mais como ela no futuro, o que só pode ser bom sinal. Já fiz o download de This Is the Story of a Happy Marriage, o primeiro livro de crónicas que publicou e, brevemente, quererei ler The Dutch House (PT: A Casa Holandesa).

 

Também têm paixões literárias recentes? Quais são?

Sex | 20.10.23

Nora Goes Off Script, Annabel Monaghan

Vamos começar por calibrar as expectativas em relação a este livro, uma das escolhas de Outubro do Clube do Livra-te: Nora Goes Off Script (PT: Nora Foge ao Guião), de Annabel Monaghan é um romance leve, daqueles que parecem filmes de domingo à tarde. E não há mal nenhum nisso, é só mesmo para estarmos no mesmo comprimento de onda antes de eu dar a minha opinião.

 

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Nora, a protagonista deste livro, é guionista de filmes românticos para um canal fictício, que é a mesma coisa que dizer que escreve filmes para o Hallmark. Tem dois filhos e, depois de vários anos de casamento, foi deixada pelo marido e — canaliza toda a dor e sofrimento para um novo guião, só que não é a típica história com final feliz. Algumas cenas desse filme têm de ser filmadas na “casinha de chá” que existe nas traseiras da casa de Nora, que serve de escritório, e isso faz com que ela conheça Leo Vance — um actor famosíssimo que será um dos protagonistas.

 

Já conseguem prever o que acontece, certo? Leo pede para ficar mais uns dias a dormir na casa de chá, aproxima-se de Nora e apaixonam-se. Quando Leo é chamado para gravar um novo filme (ou para ir a uma audição ou lá o que é — perdoem-me, mas não tomei atenção), diz que regressa em breve, mas desaparece da vida de Nora e dos seus dois filhos.

 

“Have you ever felt like you’re disappearing?” he asks. “Like you’re sure one day you’re going to wake up and find that the truest parts of yourself have been replaced by someone else’s plans?”

 

Devo dizer que não foi um dos piores romances que já li, porque consigo identificar vários pontos positivos: a escrita tem um ritmo bastante bom, a dinâmica entre as personagens secundárias também é muito agradável e tens várias reflexões interessantes sobre transformarmos o nosso sofrimento em arte ou, pelo menos, em algo exterior a nós. Também acho importante que a protagonista seja uma mulher na casa dos quarenta e com dois filhos, o que não é muito habitual neste género de livros.

 

Ao mesmo tempo, tenho pena que tenha tantas coisas cringe ou inverosímeis, porque acredito que com um pouco mais de tempo e dedicação, poderia mesmo ser um bom romance. A química entre os dois protagonistas é praticamente inexistente e eu não acreditei em momento algum que estavam apaixonados, os dois filhos supostamente têm oito e dez anos mas parecem adolescentes pela maneira como falam e não me façam sequer falar do facto de o filme da Nora estar nomeado para um Oscar de melhor guião! Ou seja, Nora Goes Off Script é uma pequena montanha-russa: tão depressa parece que está a tornar-se num bom livro, como vai por ali a baixo e só dá vontade de rir.

 

De qualquer das formas, é uma leitura muito rápida e leve, perfeita para dias mais cinzentos em que só apetece escapar deste mundo e ir para outro onde coisas meio tontas acontecem. E agora quero saber: já o leram? Se sim, o que acharam?

 

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O que é o Clube do Livra-te?

É o clube do livro do podcast Livra-te — calma, não precisam de acompanhar o podcast para participar nas leituras. Todos os meses, cada uma de nós escolhe um livro para ler em conjunto convosco e vocês podem optar por ler a escolha da Joana, a escolha da Rita ou ambas. Depois, podem deixar a vossa opinião no grupo do Goodreads ou no Discord. Podem juntar-se a qualquer altura, venham daí!

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