Andava para me aventurar na escrita de Maria Isaac há muito tempo, mas outros foram ganhando prioridade na lista infindável de livros para ler que existe nesta casa. O tempo de conhecer o Bando chegou finalmente, com a leitura de Quantos Ventos na Terra, o mais recente livro da autora.
Começamos com uma questão que eu própria coloquei antes de começar a ler este livro: sendo que os três livros da autora — O Que Dizer das Flores, Onde Cantam os Grilos e este Quantos Ventos na Terra estão todos ligados, será que é possível começar por qualquer um deles? A resposta mais imediata é sim, já que as personagens podem ser comuns, mas as histórias conseguem ser independentes umas das outras. A resposta mais elaborada, porém, é que depende dos vossos gostos e do quão a par querem estar deste universo do bando dos canaviais.
Em Quantos Ventos na Terra, a aventura começa quando Cuca, uma menina albina que consegue contactar com fantasmas, alerta o bando para a existência de um tesouro, que lhe foi revelado por um desses homens já mortos. Os adultos, porém, também estão a par da existência de ouro e entram também nesta caça, trazendo ao de cima dinâmicas e segredos que existem entre as diferentes gerações. Embora me tenha sido possível compreender e aproveitar a história como um todo, senti sempre que havia uma série de referências que eu não estava a conseguir apanhar, o que acabou por afectar a minha experiência de leitura.
Velhos e adultos, sabemos que não devemos intrometer-nos nos assuntos do bando. Há muito que eles tomaram de assalto este cantinho do mundo, com ânsia por tudo aquilo que possa ser deles. Vou-me mantendo na berma da existência destemida destas criaturas indomáveis, por vezes encantado com o que a juventude sempre nos encanta, por vezes enojado com o que a ignorância faz dela.
Adorei a forma como Maria Isaac constrói estas personagens tão portuguesas, que tão bem conhecemos: a maneira como falam e se comportam é tão familiar, que senti que estava a ler a história de um bairro ou de uma aldeia onde eu podia muito bem ter crescido. Também gostei muito do facto de haver estas dinâmicas entre crianças, adolescentes e adultos, onde nem sempre os mais crescidos e espertos são os mais velhos — acho que é impossível não ficar com carinho por este grupo de personagens tão reais.
Em resumo, aquilo que me impediu de me embrenhar completamente neste livro foi uma decisão que esteve completamente do meu lado: o facto de começar pelo último livro e não pelo primeiro. Reforço: é possível começar por onde quiserem ou ler apenas um dos livros, mas eu senti que afectou bastante a minha ligação à história. Por isso, sim, agora vou querer começar pelo início e, quem sabe, voltar a ler este.
Há por aí quem já tenha lido todos? Se sim, o que acharam?
Demorei muito tempo a ler este livro e foi propositado — depois de ter ouvido tanta gente falar bem dele, sobretudo pessoas em cuja opinião confio bastante, sabia que estava destinada à desilusão se fosse ler imediatamente. Deixei passar algum tempo até me agarrar às páginas de Hamnet e, mesmo já tendo terminado há umas semanas, ainda não tenho uma opinião fechada.
Para quem não sabe, Hamnet centra-se num dos filhos de Shakespeare, que morreu com onze anos. Mas mais do que contar a história da morte do rapaz ou a história de Shakespeare (que, já agora, nunca é referido através do nome), Maggie O’Farrell prefere dar-nos a prespectiva do processo de luto da mãe e das irmãs de Hamnet. É claro que, quatro anos depois da morte do filho, o dramaturgo escreve uma peça chamada Hamlet — a sua forma de lidar com a perda —, mas essa já é sobejamente conhecida e a autora quis revelar-nos as histórias que normalmente não são contadas.
Não tenho nada a apontar à construção de personagens ou ao ponto-de-vista escolhido; acho até que é bastante original e fresca, fez-me lembrar alguns retellings de mitologia de que gosto tanto. O meu maior problema com este livro é uma das coisas de que as pessoas mais parecem gostar: a escrita. Senti algumas vezes que Maggie O’Farrell punha as coisas de forma complicada e que, por isso, se notava o esforço de escrever de maneira lírica — quando, na realidade, poderia ter simplificado sem perder beleza.
What is given may be taken away, at any time. Cruelty and devastation wait for you around corners, inside coffers, behind doors: they can leap out at you at any time, like a thief or brigand. The trick is never to let down your guard. Never think you are safe. Never take for granted that your children's hearts beat, that they sup milk, that they draw breath, that they walk and speak and smile and argue and play. Never for a moment forget they may be gone, snatched from you, in the blink of an eye, borne away from you like thistledown.
Outro ponto que me afastou um pouco da história foi o head hopping constante entre personagens. Estamos sempre a saltar de perspectiva em perspectiva, às vezes até a meio de uma frase ou de um parágrafo. Foi outro mecanismo de escrita que achei desnecessário, uma vez que poderia ter sido feito de uma maneira mais simples sem perder o efeito desejado.
Obviamente que tem reflexões muito bonitas sobre a perda e o luto, a autora consegue fazer-nos empatizar com todos os membros da família, que sofrem com a morte de Hamnet, mesmo que não se consigam expressar claramente. Só gostava de ter conseguido aproveitar um bocadinho melhor as ideias da autora, sem me sentir constantemente cansada com a forma como estão escritas. Fico com vontade de ler mais coisas dela, para tentar perceber se este estilo foi propositado, para dar um ambiente shakespeariano à história, ou se é mesmo assim que escreve.
Já leram Hamnet? O que acharam? E que outros livros da autora me recomendariam?
Começo com um aviso: Acts of Desperation, de Megan Nolan, não é um livro para toda a gente. Não só toca em temas muito sensíveis — relações tóxicas, abuso sexual, violência —, como é escrito de uma forma pouco convencional. Não há propriamente um enredo, o que importa aqui é a construção das personagens e a maneira como se relacionam umas com as outras.
A protagonista deste livro não tem nome, mas conta-nos as experiências dela na primeira pessoa. A narrativa começa no momento em que conhece Ciaran, um escritor que a atrai imediatamente. Entram numa relação amorosa muito intensa, que termina abruptamente e deixa a protagonista completamente devastada, em busca de formas de o ter de volta. Claro que Acts of Desperation é muito mais do que isto: é uma reflexão profunda acerca dos desejos e sofrimento femininos — mais do que os embelezar, como foi tantas vezes feito na arte, Megan Nolan traz um retrato muito cru do que é ser mulher.
When you fall in love with someone and your life is remade, you know instinctively that you must take great care of this delicate new world the two of you are building. There is infrastructure to be dealt with, dams and bridges and town halls to be planned. The high-stakes precarity of what you are doing will frequently bring tears to your eyes, both from fright and from exquisite pleasure. One wrong move and the whole thing could collapse before you have even finished construction. Couples will often disappear together for months in their beginning stages, which is not just about lust but also about building.
As personagens têm todas falhas, por vezes são detestáveis, e é isso que as torna tão humanas. Consegui ver algumas coisas de relações minhas ali, coisas que foram deixadas no passado e que eu nunca tinha visto em palavras até ler este livro. Reforço que não é um livro fácil de ler ou de gostar, mas é ideal para quem gosta de saber mais sobre experiências humanas, mesmo que não sejam experiências felizes.
Algumas pessoas comparam o estilo de Megan Nolan com o de Sally Rooney, algo expectável dado as temáticas e a forma como escreve, mas eu diria até que esta autora consegue ser um pouco mais negra. Se gostam de sad hot girl books, então este é perfeito para vocês; se se irritam quando não há grande coisa a acontecer nos livros, então passem à frente. Infelizmente, acho que a autora ainda não está traduzida para português, mas digam-me se ficaram com vontade de a ler!
A capa de Viradas do Avesso, de Joana Kabuki, chamou-me a atenção ainda em pré-venda, mas foi quando eu e a Joana nos juntámos no Clube das Mulheres Escritoras que decidi comprá-lo. Como já tive oportunidade de dizer, ler mais autoras portuguesas contemporâneas faz parte dos meus objectivos para o futuro e nada como apoiar uma das minhas colegas que também se estreou recentemente nesta coisa de escrever e publicar livros.
Este livro é contado, de forma alternada, do ponto-de-vista de três amigas: Alice, Berta e Carlota. Inseparáveis desde pequenas, a amizade é posta à prova quando um acontecimento trágico faz com que, ainda adolescente, Berta desapareça. Vinte anos depois, no presente da história, esta mulher reaparece — será que as três conseguirão ficar em bons termos com o passado e com as decisões que tomaram?
Gostei bastante da forma como o livro está estruturado: em cada parte temos acesso à perspectiva de cada uma destas amigas, para compreendermos as suas acções e sentimentos, bem como a origem dos traumas de cada uma delas. Há também um bom equilíbrio entre flashbacks e acção no presente, algo que rapidamente se poderia tornar confuso e que a autora conseguiu fazer muito bem. Fico feliz quando vejo livros sobre amizade, porque nem sempre damos o mesmo destaque a estas relações — tanto nas nossas vidas, como na ficção.
Ainda assim, houve algumas partes que não me convenceram: um dos contras dos pontos-de-vista alternados foi que, por vezes, senti que se repetiam algumas coisas que não precisavam de ser ditas várias vezes — ou seja, as personagens referiam acontecimentos que já tinham sido mencionados antes, sem lhes acrescentar uma reflexão que justificasse estarem a contar-nos uma coisa que já sabíamos. Também não fiquei satisfeita com o final, nem com o twist da história: achei tudo tão real neste livro — estas mulheres podiam mesmo existir! —, que o remate da história me pareceu um pouco rebuscado.
Seja como for, acho que a minha insatisfação com o final é muito pessoal, pelo que não se sintam demovidos de dar uma oportunidade a Viradas do Avesso se ficaram com curiosidade. E agora quero saber: quem já se aventurou neste livro?