Desde que este livro saiu, no final de 2022, que vi muito boas reviews sobre ele e estive várias vezes para o comprar. Este vai-não-vai só ficou resolvido quando decidi fazer dele a minha escolha para o Clube do Livra-te de Fevereiro — ou seja, “arrastei” a malta do Discord comigo para não ir sozinha.
Nunca tinha lido nada de João Pinto Coelho, mas sei que sempre se dedicou a escrever livros centrados na II Guerra Mundial. Por isso, parti com bastante curiosidade para Mãe, Doce Mar, onde foge completamente a essa temática. No início deste livro conhecemos Noah, um rapaz de doze anos que conhece finalmente a mãe depois de passar grande parte da sua infância num orfanato. E embora esta mãe tente aproximar-se dele e compensá-lo de certa forma pela ausência, a verdade é que nunca conversam sobre os motivos do abandono.
Sei bem que mãe é um verbo, de todos o mais regular; não ia chamá-lo a Patience. Quem tem de esperar doze anos para aprender a conjugá-lo aceita que é tarde demais.
Além de Noah e Patience, existe também Frank — um padre jesuíta que Noah conhece em Cape Cod durante as férias. Se, ao início, as narrativas das três personagens parecem quase paralelas, com o desenrolar da acção vamos entendendo como é que se cruzam e o final apanhou-me de surpresa. Gosto também da forma como o autor leva algum tempo a descrever os lugares e, acima de tudo, a história desses lugares — como se nos quisesse passar a importância que estes têm, tornando-os quase personagens.
Não interpretem mal o que vou dizer: acho que este não é um livro para toda a gente. A escrita é lindíssima, mas a forma como a história está estruturada pode não prender logo a vossa atenção. Eu adorei — sobretudo as partes mais “meta” da escrita — porque, mais do que ser um livro sobre reencontrar uma mãe, parece-me um livro sobre o poder que a escrita tem de ajudar o escritor a tirar de dentro de si coisas da sua experiência pessoal. Talvez seja o meu coração de recém autora publicada, mas adorei a forma como João Pinto Coelho usa o que aconteceu consigo para criar Mãe, Doce Mar.
Já leram alguma coisa do autor? Se sim, recomendam que explore outros livros dele? Contem-me tudo!
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O que é o Clube do Livra-te?
É o clube do livro do podcast Livra-te — calma, não precisam de acompanhar o podcast para participar nas leituras. Todos os meses, cada uma de nós escolhe um livro para ler em conjunto convosco e vocês podem optar por ler a escolha da Joana, a escolha da Rita ou ambas. Depois, podem deixar a vossa opinião no grupo do Goodreads ou no Discord. Podem juntar-se a qualquer altura, venham daí!
Estava eu muito bem a explorar o Scribd, em busca de audiolivros para guardar e ouvir quando conseguisse, quando encontrei um chamado Butts: A Backstory, de Heather Radke. Sim, é exactamente o que estão a pensar que é: um livro sobre a história dos rabos — ou, pelo menos, partes seleccionadas dessa história.
Na introdução, a autora explica a forma como a sua relação com a imagem corporal foi mudando ao longo do tempo e como essas mudanças de percepção a fizeram reflectir sobre a importância que damos a diferentes partes do corpo. Foi a partir daí que decidiu desenvolver alguma investigação acerca do modo como entendemos o rabo humano — o que é, para que serve e como é que foi visto ao longo do tempo.
Este é o tipo de livros de não-ficção de que mais gosto, aqueles que são sobre temas aparentemente estapafúrdios ou muito específicos, mas que acabam por nos ensinar algumas coisas ou, pelo menos, abrir a nossa mente para coisas acerca das quais não costumamos reflectir. Claro que seria ambicioso da parte de Heather Radke publicar uma história exaustiva sobre o rabo humano — e a própria autora diz, logo no início do livro, que não explorou todas as vertentes que haveria para explorar.
In so many ways, butts ask us to turn away, to giggle with hot-faced shame and roll our eyes. When I started writing this book, I wondered what would happen if I instead turned my full attention toward the butt, if I investigated its history and asked butt experts and enthusiasts of all stripes — scientists, drag queens, dance instructors, historians, and archivists — serious questions about what butts are and what butts mean. In doing so, I found stories of tragedy, anger, oppression, lust, and joy. And I found that in our bodies, we carry histories.
Heather Radke explora questões mais inócuas, mas também parte da história dos rabos humanos para compreender melhor questões de racismo e opressão, por exemplo. Se procuram uma leitura que entretém, com uma escrita bastante acessível, que misture a experiência pessoal da autora com história e cultura, então provavelmente vão gostar deste livro. Acho que ainda não está traduzido, mas esperemos que esteja brevemente!
Algumas pessoas sabem isto, mas outras não, e por isso vou dar algum contexto para perceberem porque é que Remarkably Bright Creatures, de Shelby Van Pelt, me tocou tanto. Há uns anos, vi o documentário My Octopus Teacher (está na Netflix) achando que ia ver uma coisa fofinha sobre o mundo animal. Ora, a história contada no documentário foi o início da minha obsessão com polvos — e também o motivo pelo qual eu deixei de os comer.
Por isso, quando vi este livro no Goodreads e percebi que contava a história de amizade entre um polvo em exposição num Aquário e a senhora idosa que limpa o espaço à noite, soube imediatamente que tinha de o ler. Depois de o marido morrer, Tova começa então a trabalhar no Sowell Bay Aquarium onde, aos poucos, começa a travar amizade com Marcellus, um polvo-gigante-do-Pacífico. A história é contada alternadamente entre o ponto-de-vista de alguns habitantes de Sowell Bay e o ponto-de-vista do próprio polvo, o que acrescenta uma camada bastante original ao livro.
Tova wonders sometimes if it’s better that way, to have one’s tragedies clustered together, to make good use of the existing rawness. Get it over with in one shot. Tova knew there was a bottom to those depths of despair.
Confesso que, quando comecei, não me prendeu logo e fiquei um pouco chateada por não estar a conseguir criar uma ligação tão rápida com a história, mas rapidamente comecei a apegar-me às personagens. Gostei muito da forma como as linhas narrativas se cruzam todas no final e, não sendo um livro super profundo ou intelectual, consegue a proeza de aquecer o coração de quem o lê. Ficam já a saber que acabei a lacrimejar e tudo.
Não vos dou mais detalhes sobre o enredo para não vos estragar a leitura, mas é um livro perfeito para restaurar a vossa fé na humanidade. Ainda não está traduzido para português, mas espero que esteja rapidamente — para que toda a gente possa apaixonar-se pela amizade entre Tova e Marcellus da mesma forma que eu. Despertei-vos a curiosidade?
Embarquei para Edimburgo com uma certeza: tinha de trazer comigo Heaven, de Mieko Kawakami — o primeiro de vários livros nipónicos que quero ler como preparação da minha viagem ao Japão. O que eu não sabia é que ia acabar a lê-lo também durante a viagem, já que é bastante curtinho.
Tínhamos lido as primeiras frases num episódio de Livra-te sobre os livros que estavam na nossa pilha de livros para ler e fiquei com a ideia que era uma história de amizade enternecedora entre dois amigos na escola. E até é, mas só até certo ponto. Neste livro, acompanhamos um rapaz de 14 anos, que é gozado e agredido pelos colegas por ter um olho preguiçoso. Um dia, começa a trocar mensagens secretas com Kojima, uma menina da escola que é provavelmente a única pessoa que compreende aquilo por que ele passa.
But I wasn’t crying because I was sad. I guess I was crying because we had nowhere else to go, no choice but to go on living in this world. Crying because we had no other world to choose, and crying at everything before us, everything around us.
Não estava à espera que o livro fosse tão cru e visual: há vários momentos em que a autora descreve agressões físicas e psicológicas, e se forem sensíveis é melhor irem com alguma cautela. Ainda assim, consegue ir além da exposição destes acontecimentos e permite-nos reflectir bastante sobre as amizades que surgem em momentos de necessidade — e sobre a natureza dessas ligações —, bem como sobre todo um lado da cultura japonesa que me era desconhecido.
Passei toda a leitura de coração apertado e com vontade de abraçar os dois amigos, o que só pode querer dizer que consegui criar uma ligação emocional com as personagens principais, apesar de a escrita ser até bastante fria e distante. Este é daqueles que não recomendo “de caras”, porque a temática e a escrita podem não ser para toda a gente, mas se costumam ler japoneses talvez apreciem!