Sabem aquela coisa super portuguesa de as cozinhas serem o local favorito das pessoas para passar tempo? Pelos vistos, este amor à cozinha enquanto espaço e às memórias que ela nos traz, não é uma coisa só nossa — em Kitchen, Banana Yoshimoto usa o poder desta divisão como ponto de partida para uma história bem maior.
Na realidade, este livro é o conjunto de dois contos — Kitchen e Moonlight Shadow —, mas o primeiro foi o que mais me prendeu desde a primeira frase. Nesta história, conhecemos Mikage, recentemente sozinha no mundo, já que a avó, a única pessoa que ainda tinha, faleceu. As primeiras páginas detalham o luto e divagam um pouco sobre o que acontece quando ficamos sozinhos. Depois disso, Mikage reencontra o amigo Yoichi, que a convida para viver com ele e com a mãe durante algum tempo.
When was it I realized that, on this truly dark and solitary path we all walk, the only way we can light is our own? Although I was raised with love, I was always lonely. Someday, without fail, everyone will disappear, scattered into the blackness of time.
A escrita de Banana Yoshimoto é muito minimalista, parece relatar apenas eventos da vida comum, mas fá-lo com momentos realmente poéticos e bonitos. Ambos os contos tratam formas diferentes de perder e de nos curarmos dessas perdas através do amor dos outros. Claro que, se não estão muito habituados a ler autores japoneses, talvez a escrita custe um pouco a entrar ao início, mas prometo que vale muito a pena.
Embora seja um livro muito pequeno, Kitchen é daqueles para ler com calma, para sentir que conseguimos absorver tudo o que as frases nos querem passar. Andei à procura e acho que este livro em específico não está traduzido, mas há outros da mesma autora em português. Já tinham ouvido falar sobre ela?
Hoje é sexta-feira e isso é sinónimo de mais um post sobre as melhores coisas do ano. Tive alguma dificuldade em encontrar surpresas que fossem completamente diferentes dos melhores momentos de 2022, mas a verdade é que não foi um ano particularmente surpreendente — foi um ano muito mais planeado, de finalmente ir atrás das coisas que ficaram pendentes nos últimos dois anos.
Ainda assim, há sempre coisas que chegam sem avisar ou que conseguem destacar-se por serem inesperadas, neste caso pela positiva. Sem uma ordem em específico, como sempre, aqui seguem cinco surpresas que este ano me trouxe:
1. Conseguir viver confortavelmente como freelancer
Quando, no final do ano passado, tomei a decisão de deixar de trabalhar para uma empresa das 9 às 6, tive bastante receio de ter de regressar brevemente por não conseguir trabalho suficiente como freelancer. Queria muito ter liberdade para organizar os meus dias entre a escrita, os trabalhos que faço com marcas e o trabalho de estratégia de marketing e redes sociais, mas sabia que era arriscado. Até agora, tem estado a correr bastante bem — tanto, que às vezes nem acredito que é mesmo real.
Obviamente que regressarei a esse estilo de vida se assim tiver de ser, mas se as coisas continuarem como até agora, posso afirmar com muita certeza que me sinto muito mais confortável neste registo. Resta-me agradecer a todas as pessoas que se lembraram de mim para projectos e campanhas, sejam eles no meu próprio Instagram ou até para marcas.
2. Expressar-me através das unhas
Arranjar as mãos e tê-las minimamente apresentáveis sempre foi importante para mim. E mesmo que isto vos soe muito fútil, a verdade é que acaba por ser uma forma de expressão. Eu já sentia isto, mas depois de um ano inteiro a confiar as minhas mãos à Nailcore Studio, posso dizer que pensar na maneira como vou pintar as unhas, que cores e design quero, é cada vez mais um processo que me diverte. Até porque não há uma vez que saia de lá sem pensar “estas são as minhas favoritas de sempre”.
3. Ter ajudado a criar a comunidade do Livra-te
Bem sei que já falei do Livra-te no post de melhores momentos de 2022 — e também já referi a comunidade —, mas nada como lhe dedicar só mais algumas palavrinhas. O Discord do Livra-te é um dos safe spaces mais bonitos que conheço e todos os dias me orgulho de termos ajudado a criar um sítio onde as pessoas podem falar sobre livros sem julgamentos e com outras pessoas tão apaixonadas pelo tema quanto nós. Recentemente fomos também convidadas para estar na Comic Con e ninguém me tira da cabeça que, sem a nossa comunidade, não íamos a lado algum.
4. Não ter odiado fazer 31 anos
Não é segredo para ninguém que a minha relação com os meus aniversários foi tendo altos e baixos — e que a chegada aos 30 foi particularmente marcante —, mas não esperava chegar aos 31 com a paz, e até maturidade, que tanta gente me dizia que iria apoderar-se de mim nesta década. Pensei que ainda iria demorar um pouco a ambientar-me, mas foi bem mais rápido e tranquilo do que esperava. Agora é esperar para ver como serão os próximos anos!
O livro do Terapia de Casal foi lançado no final de 2021, por isso não esperava que estivesse tanta gente à nossa espera nas feiras do livro em que estivemos presentes — a Feira do Livro de Belém e a Feira do Livro de Lisboa. Foi muito bom encontrar-nos com leitores, falar um bocadinho sobre o livro e sobre o podcast. Fico à vossa espera na edição de 2023! 🤞
Ouviram o episódio desta semana do Livra-te, com a Elga Fontes? Então não vão encontrar aqui nada de diferente e já terão percebido porque é que Kindred, de Octavia E. Butler, me veio parar à lista de livros para ler. Estava com algum receio de o ler por causa da capa do filme, mas tudo isso me passou assim que li os primeiros parágrafos.
Kindred foi o primeiro livro de ficção científica escrito por uma mulher negra e traz uma visão única sobre o tema da escravatura. Mais do que escrever um livro em muito semelhante a outros, a autora pergunta-se: e se uma mulher negra dos anos 1970 fosse transportada para o sul dos Estados Unidos no século XIX? Tudo começa quando Dana, a personagem principal, viaja no tempo e salva um menino branco de morrer afogado.
I closed my eyes and saw the children playing their game again. 'The ease seemed so frightening.' I said. 'Now I see why.' 'What?' 'The ease. Us, the children ... I never realized how easily people could be trained to accept slavery.
Eu já sei o que vão dizer: saltos temporais não são a minha cena, Rita. Também não são assim tanto a minha, mas prometo que a forma inteligente como este livro está escrito — com muito cuidado para não haver pontas soltas —, vai certamente prender-vos. Gostei sobretudo da reflexão sobre aquilo de que somos feitos, sobre o facto de muitas pessoas serem, hoje em dia, fruto do sofrimento dos seus antepassados. Além disso, as consequências da escravatura continuam muito presentes no inconsciente das gerações actuais, por mais séculos que passem.
Sinto que nunca vou ser capaz de fazer jus a este livro, porque há tantas camadas e está escrito de uma forma tão inteligente, mostrando as diferentes camadas na dinâmica entre esclavagistadas e escravizados. Acima de tudo, fá-lo com uma linguagem bastante actual — como dizia a Elga, no episódio, é um clássico que não se lê como tal.
Editoras, atendam a este pedido! Já o tinham lido? Se sim, o que acharam? Infelizmente, este livro não está traduzido para português, mas pode ser que isso aconteça no futuro.
Dezembro já é um mês complicado para as emoções, mas no Clube do Livra-te decidimos que precisávamos de ainda mais dano. Além de a malta do Discord ter votado em A Little Life, de Hanya Yanagihara, como leitura conjunta extra, a Joana ainda escolheu You’ve Reached Sam, de Dustin Thao. Talvez tenha começado a ler na expectativa de me emocionar bastante, uma vez que muitas reviews falavam nisso, mas posso dizer que foi um melhor limpa-palato do que uma leitura que me chegasse ao coração.
Sam e Julie, o casal protagonista da história, tem a sua vida pós-secundário completamente organizada: vão passar férias de Verão no Japão, vão mudar-se juntos para uma cidade maior, vão estudar coisas de que gostam. Porém, Sam morre inesperadamente num acidente automóvel e a vida de Julie muda por completo. Além de ser uma adolescente a ter de lidar com o luto do namorado, também tem de lidar com tudo o que acontece à volta dela — a vida não pára e ela tem dificuldade em acompanhar.
Letting go isn’t about forgetting. It’s balancing moving forward with life, and looking back from time to time, remembering the people in it.
Só que, um dia, numa situação de desespero, telefona para o Sam e ele atende. A partir daí, vão falando várias vezes ao telefone. Uma premissa de realismo mágico que costuma até ser a minha praia, mas confesso que houve algumas pontas soltas que ficaram por explicar. E pensava que iria sentir muito mais a dor da Julie, mas não funcionou para mim nesse aspecto. Gostei bastante mais da importância que foi dada às amizades em momentos de perda — e houve algumas personagens secundárias que me conquistaram bastante, sobretudo o Oliver.
Talvez eu não seja o público certo para o livro, que é claramente young adult, mas foi uma boa forma de me entreter entre leituras mais pesadas e isso também conta. Já leram este livro? Sei que está traduzido para português com o título Daqui Fala o Sam.
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O que é o Clube do Livra-te?
É o clube do livro do podcast Livra-te — calma, não precisam de acompanhar o podcast para participar nas leituras. Todos os meses, cada uma de nós escolhe um livro para ler em conjunto convosco e vocês podem optar por ler a escolha da Joana, a escolha da Rita ou ambas. Depois, podem deixar a vossa opinião no grupo do Goodreads ou no Discord. Podem juntar-se a qualquer altura, venham daí!