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Rita da Nova

Ter | 29.11.22

Cai a noite em Caracas, Karina Sainz Borgo

Sabem aqueles livros que vos são constantemente recomendados, para mais recomendações vindas de pessoas em cuja opinião vocês confiam cegamente? Então saberão, certamente, que por algum motivo também são aqueles que vamos deixando bem para o fim da lista de livros que temos para ler. Será porque temos a certeza de que vai ser uma boa leitura? E, se for esse o motivo, então porque é que não lhes damos prioridade?

 

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Pensei nisto tudo quando terminei Cai a noite em Caracas, de Karina Sainz Borgo, que tinha há que tempos no Kobo para ler. Como me foi sugerido várias vezes, acabei por nunca ler a sinopse e não sabia ao que ia. O livro começa com a personagem principal, Adelaida, no funeral da sua mãe, com o mesmo nome. Passados alguns dias desta perda, Adelaida encontra a sua casa ocupada por um grupo de mulheres que defendem o regime ditatorial — e é aí que a história começa a ganhar acção, uma vez que a personagem terá de passar por vários desafios para conseguir sobreviver. Inclusivamente, terá de deixar de ser ela mesma.

 

Os Filhos da Revolução conseguiram chegar bastante longe. Separaram-nos em ambos os lados de uma linha. O que tem e o que não tem. O que parte e o que fica. O que é de fiar e o suspeito. Instituíram a reprovação como mais uma das divisões que tinham criado numa sociedade que já as possuía. Eu não vivia bem, mas de uma coisa estava certa: podia estar sempre pior.

 

A escrita prendeu-me logo no primeiro capítulo, depois esmoreceu um pouco, mas assim que Adelaida vê a sua casa ocupada, não consegui parar de ler. Este livro é um excelente exemplo de como a literatura pode ser uma porta para outras vidas — para vidas que, se tudo correr bem, nunca teremos de viver, mas que é importante saber que existem. Karina Sainz Borgo é uma jornalista venezuelana e consegue trazer todo o contexto social e político necessário para a vida desta personagem, mostrando-nos a urgência que tem em abandonar o seu país.

 

Senti só necessidade de que fosse um pouco maior. Por norma sou a favor de histórias contadas com o mínimo de palavras possível, mas esta terminou quando eu estava mesmo embrenhada no enredo e a torcer para que tudo corresse bem com a Adelaida. De resto, acho que é impossível não gostar do romance de estreia da autora e vou ficar de olho em tudo o que escrever. Quem desse lado já leu este livro? O que acharam?

Sex | 25.11.22

The Dictionary of Lost Words, Pip Williams

Tinha este livro perdido na minha wishlist do Kobo e, no momento de decidir qual seria a minha escolha para o Clube do Livra-te de Novembro, lembrei-me dele porque verifiquei que estava traduzido para português. Tinha as expectativas bastante calibradas para este The Dictionary of Lost Words, de Pip Williams, e posso dizer que foram largamente superadas.

 

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Este livro conta a história da criação do primeiro Dicionário de Inglês Oxford, mas através do ponto de vista de Esme, filha de um dos editores. Desde criança que passa os seus dias no Scriptorium, onde o pai e outros editores trabalham diariamente para reunir (e verificar) as palavras que devem ou não ir para o dicionário. Um dia, uma pedaço de papel com uma das palavras (”escrava”) cai da grande mesa de trabalho e Esme começa aí a sua grande colecção de palavras perdidas.

 

Vamos acompanhando a vida de Esme e, com isso, a evolução dos diferentes volumes do dicionário, bem como da sociedade em geral. O movimento das sufragistas e o início da I Guerra Mundial são o pano de fundo desta história, que reforça constantemente a importância e o poder das palavras. É através da personagem de Esme que somos forçados a fazer perguntas interessantes, como: quem escolhe que palavras são suficientemente relevantes para terem uma entrada no dicionário? Porque é que as palavras mais usadas pelas mulheres e pelas pessoas pobres não são sequer consideradas?

 

I realized that the words most often used to define us were words that described our function in relation to others. Even the most benign words — maiden, wife, mother — told the world whether we were virgins or not. What was the male equivalent of maiden? I could not think of it. What was the male equivalent of Mrs., of whore, of common scold?... Which words would define me? Which would be used to judge or contain?

 

Tinham-me avisado do ritmo lento como o livro é narrado, mas posso dizer que estava a precisar de um livro assim — daqueles que nem sequer convém devorar, daqueles que exige que nos embrenhemos na escrita a na narrativa. É certo que se enquadra dentro do género da ficção histórica, mas eu fiquei agradavelmente surpreendida pela perspectiva escolhida para contar os eventos, bem como pela forma como a autora nos puxa para o ambiente que se vivia no Scriptorium.

 

Até a forma como a autora escreve os agradecimentos é original, fazendo-o ao estilo de entradas de dicionário. Além disso, recomendo muito que leiam a nota final, que explica que eventos e personagens da história são reais e quais são ficcionados. Nota-se que houve bastante investigação para criar esta narrativa, mas também que Pip Williams conseguiu escrever com um tom que entretém ao mesmo tempo que ensina.

 

Foi mesmo uma agradável surpresa, durante horas senti-me a viver lado a lado com Esme. Tenho a certeza de que este livro será um daqueles que vou recomendar a várias pessoas, mesmo que não tenha passado directamente para a categoria de favoritos da vida. E vocês, já o leram? O que acharam?

 

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O que é o Clube do Livra-te?

É o clube do livro do podcast Livra-te — calma, não precisam de acompanhar o podcast para participar nas leituras. Todos os meses, cada uma de nós escolhe um livro para ler em conjunto convosco e vocês podem optar por ler a escolha da Joana, a escolha da Rita ou ambas. Depois, podem deixar a vossa opinião no grupo do Goodreads ou no Discord. Podem juntar-se a qualquer altura, venham daí!

Ter | 22.11.22

Mayflies, Andrew O’Hagan

Ouvi falar de Mayflies, de Andrew O’Hagan, através do Instagram e houve logo qualquer coisa na capa que me chamou a atenção. Não sabendo grande coisa sobre ele, trouxe-o numa visita espontânea à Fnac e ficou à espera que fosse a vez dele na minha lista interminável de coisas para ler. Depois de gravar o episódio desta semana do Livra-te, ganhou prioridade e assumiu rapidamente o título de uma das leituras mais dolorosas deste ano.

 

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A história está dividida em duas partes: a primeira passa-se em 1986 e retrata a amizade entre James (o protagonista e narrador) e Tully — o amigo mais importante da vida de James, muitas vezes o centro do grupo de amigos. Durante esta primeira parte, acompanhamos os amigos numa viagem a Manchester para assistir a concertos. É no relato desse fim-de-semana que nos são apresentadas as personalidades dos adolescentes e as dinâmicas que existem entre si.

 

What we had that day was our story. We didn't have the other bit, the future, and we had no way of knowing what that would be like. Perhaps it would change our memory of all this, or perhaps it would draw from it, nobody knew. But I'm sure I felt the story of that hall and how we reached it would never vanish.

 

Pode ser um bocadinho difícil de entrar na forma como está escrito e senti que precisava de estar concentradíssima, mas assim que mergulhava na história conseguia mesmo imaginar-me a passar aqueles dias com as personagens. Arrepiei-me quando os The Smiths subiram a palco, como se estivesse presente — não apenas pelas descrições da música ao vivo, mas pela forma como a personagem principal observa os amigos a divertir-se naquele momento.

 

A segunda parte deste livro é uma facada no coração do início ao fim — e é o motivo pelo qual este foi um dos livros mais dolorosos que li este ano. Passa-se em 2017, trinta anos depois do fatídico fim-de-semana em Manchester, e tudo começa quando Tully telefona a James para lhe dar uma notícia. A partir daí, a amizade entre os dois homens desenvolve-se de formas que nenhum deles esperava e as dinâmicas de poder começam a mudar. Está escrito de uma forma aparentemente simples, mas faz-nos realmente sentir a prova de fogo a que estes dois amigos são sujeitos.

 

Não sei se é um livro para toda a gente, e também não sei se teria gostado tanto se a música de The Smiths não tivesse tido um papel importante na minha chegada à idade adulta, mas liguei-me muito a este livro e a estes dois amigos. Não posso dizer mais nada, senão estrago-vos completamente a segunda parte do livro que, para mim, é a mais bonita.

 

Para já, contem-me: já tinham ouvido falar deste livro? Ficaram com vontade de o ler?

Sex | 18.11.22

Tomorrow, and Tomorrow, and Tomorrow, Gabrielle Zevin

Tomorrow, and Tomorrow, and Tomorrow, de Gabrielle Zevin, era um daqueles livros que eu achava que iria adorar. Muitas pessoas cuja opinião literária tenho muito em conta disseram maravilhas dele — dizendo até que era um favorito do ano, quiçá da vida — e eu tentei moderar as expectativas quando parti para a leitura, a propósito do Clube do Livra-te.

 

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Gostava mesmo muito de ter adorado a experiência de ler este livro, mas infelizmente não foi o caso. Nem sempre as coisas funcionam da mesma forma para toda a gente e eu não senti uma ligação emocional nem com a história, nem com as personagens. Tomorrow, and Tomorrow, and Tomorrow conta a história de Sam e Sadie, que se tornam amigos num hospital enquanto Sam está a recuperar de um acidente de carro. É através dos videojogos que começam a desenvolver a ligação entre eles. Anos — e desentendimentos — depois, já durante a universidade, voltam a encontrar-se e criam uma empresa de jogos com a ajuda de Marx, colega de quarto de Sam.

 

É essencialmente um livro sobre a forma como criamos ligação uns com os outros (neste caso através dos jogos), mas sobretudo sobre as falhas de comunicação que prejudicam as nossas relações de amizade e amor. Ou seja: tinha tudo para que eu adorasse, mas senti sempre que a autora estava a fazer um esforço muito grande para explicar que o livro é sobre estes temas. Há tão bons livros sobre falhas de comunicação, que este não conseguiu chegar lá para mim.

 

“And what is love, in the end?" Alabaster said. "Except the irrational desire to put evolutionary competitiveness aside in order to ease someone else's journey through life?”

 

Não quero encher este post de spoilers, porque acredito que haja mais pessoas que possam vir a gostar do livro, mas não posso deixar de dizer que a escolha de perspectiva na narração dificultou muito a leitura para mim. Gabrielle Zevin escreve diálogos muitíssimo bem, mas o resto é demasiado explicativo — o oposto do famoso show, don’t tell. Tem também capítulos originais, que tentam replicar a mecânica de videojogos, mas não foram o suficiente para me fazer ficar apaixonada pelo universo que a autora tentou criar. Ernest Cline faz isso com muita mestria em Ready Player One, por exemplo.

 

Em resumo: não funcionou para mim, mas neste caso acho que devem mesmo experimentar e ver por vocês mesmos. A opinião geral no Discord está a ser muito positiva, por isso há esperança! Entretanto, quem já leu? Adoraram ou não vos convenceu?

 

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