Depois de uma pequena pausa nas leituras relacionadas com mitologia — e depois de ter ouvido Pandora’s Jar de Natalie Haynes —, achei que estava na altura de, finalmente, pegar em Elektra de Jennifer Saint. Já tinha lido Ariadne, da mesma autora, e tinha adorado. Ia com as expectativas elevadas para este livro e devo dizer que, apesar de ter sido uma boa leitura, não me chegou ao coração como outros recontos.
Gostei de conhecer mais sobre Elektra, mas gostei ainda mais que esta história acompanhasse três mulheres diferentes durante a Guerra de Tróia. Além de Elektra, que dá o título ao livro, conhecemos também a sua mãe, Clitemnestra, e Cassandra, uma princesa troiana com o dom da profecia. As perspectivas das três mulheres vão-se interligando, mas confesso que a personagem supostamente principal foi aquela por que me interessei menos.
O mito de Cassandra é muito interessante: a princesa de Tróia pede muito ao Deus Apolo que lhe dê o dom da profecia, mesmo contra os avisos da mãe. Apolo concede-lhe esse desejo, mas, como acontece sempre com as divindades gregas, esse desejo tem um preço: Cassandra vai poder saber o que vai acontecer, mas ninguém vai acreditar no que ela disser. Esta personagem não foi tão explorada quanto as outras, mas senti que teria espaço para ter um livro só seu.
Nothing brought them more joy than the fall of a lovely woman. They picked over her reputation like vultures, scavenging for every scrap of flesh they could devour.
Paralelamente, Clitemnestra é uma mãe em luto pela filha Iphigenia, sacrificada aos Deuses pelo pai Agamemnon na esperança que isso lhes desse vantagem contra os troianos durante a guerra. Depois de assistir à morte da filha, convencida de que estava a entregá-la ao casamento e não à morte, decide esperar que o marido regresse para vingar-se dele. Enquanto isto, Elektra, obcecada e fascinada pelo pai, rebela-se contra a mãe. Não senti que houvesse evolução para esta personagem — o que considero uma falha grande quando é suposto ser o centro da narrativa. No meio disto tudo, até Helena, que nunca tem voz própria no livro, acaba por ter mais camadas e ser mais interessante do que Elektra.
Resumindo: se me tivessem dito que ia ler um livro com a perspectiva de diferentes mulheres durante a Guerra de Tróia, talvez tivesse calibrado as expectativas. Ler mitologia é sempre uma boa experiência para mim, mas não posso deixar de vos alertar para o facto de a personagem principal ser, de longe, a menos interessante e a menos desenvolvida.
Brevemente vou iniciar-me na escrita de ficção de Natalie Haynes e de Pat Barker, mas gostava de saber que outros autores contemporâneos de mitologia grega me recomendam!
Não é fácil ler sobre abuso sexual e manipulação, muito menos quando aquilo que lemos é escrito na primeira pessoa. Tinha-me cruzado com Consent, da autora francesa Vanessa Springora, em algumas livrarias de Nova Iorque, mas sabia que iria preferir a versão audiolivro por ser uma história verídica. Não me enganei, mas admito que ouvir todo este relato provavelmente ainda me impactou mais do que se o tivesse lido.
Vanessa Springora conta como, aos 14 anos, se envolveu romantica e sexualmente com o escritor Gabriel Matzneff, que tinha mais 35 anos que ela e foi muito conceituado em França entre os anos 70 e 90. O que é mais interessante no meio disto tudo, é que Matzneff nunca escondeu a sua preferência por mulheres mais novas (crianças e adolescentes, no caso) e escreveu vários livros, ensaios e manifestos a defender a liberalização sexual dos pré-adolescentes e adolescentes.
Se é certo que, à data, ninguém se escandalizou com este relacionamento — nem mesmo a mãe de Vanessa, que a considerava “muito madura” para a idade —, a verdade é que com o passar dos anos, foi a própria autora que se começou a aperceber dos padrões de abuso que este homem tinha, não apenas para consigo, mas também para com outros rapazes e raparigas. Felizmente, a autora sentiu a necessidade de escrever sobre o que se passou como forma de tentar superar a depressão de que sofre desde essa altura. Caso contrário, provavelmente esta situação não seria trazida a público.
For many years I paced around my cage, my dreams filled with murder and revenge. Until the day when the solution finally presented itself to me, like something that was completely obvious: Why not ensnare the hunter in his own trap, ambush him within the pages of a book?
Porém, se achamos que na época se aceitavam melhor este tipo de relações e que agora estamos melhor, deixo algumas informações. Em 2013, Gabriel Matzneff recebeu o Prémio Renaudot — um prémio literário de renome em França. Só aquando da publicação de Consent, em 2020, é que a editora Gallimard decidiu retirar a obra do autor de circulação. E só em Setembro de 2021 é que Matzneff seria levado a tribunal, para responder por vários crimes — incluindo a glorificação da pedofilia —, mas o caso foi arquivado porque prescreveu.
Este livro fez-me pensar sobretudo na definição de consentimento e na forma como esta palavra isolada pode servir de desculpa para o abuso de poder — como aconteceu neste caso e acontecerá certamente em vários outros. É necessário pensar em todo o contexto que está por detrás deste consentimento: quem são as pessoas envolvidas, quais as duas idades, como é a dinâmica de poder entre elas? Ou seja: o consentimento só por si não pode, nem deve, validar alguns tipos de relação.
É um livro muito duro de ler ou de ouvir, mas se se interessam por estes temas e ficaram com curiosidade em perceber a forma crua como Vanessa Springora escreveu, então vale muito a pena!
Depois do meu post da semana passada, sobre audiolivros, nada como trazer um livro que ouvi recentemente e que adorei. Talvez seja uma recomendação muito especifica, uma vez que se trata de um livro de não ficção sobre mitologia grega — mas acompanhem-me na mesma, que vai na volta e ainda ficam com vontade de entrar nestas lides mitológicas.
Já tinha ouvido falar dos livros da Natalie Haynes através da Noelle, principalmente dos de ficção onde reconta alguns mitos conhecidos — como A Thousand Ships (que tenho cá em casa para ler) ou The Children of Jocasta. Porém, como procurava alguma coisa para ouvir e tinham falado deste Pandora’s Jar no Discord, achei por bem experimentar. A autora começa por explicar como a mitologia grega faz parte da sua vida desde criança, uma vez que sempre teve muita curiosidade sobre o tema, e diz que se lembra de contactar com o mito da Medusa através do filme Clash of the Titans.
Depois de anos a estudar mitologia grega, surgiu-lhe a ideia de olhar para as histórias de dez mulheres com mitos conhecidos e populares, com o objectivo de perceber como é que eram vistas na Grécia Antiga e como são retratadas aos dias de hoje — o que é que se manteve e o que é que mudou? Será que aquilo que sabemos sobre estas mulheres está aproximado daquilo que os poetas, dramaturgos e escritores da Antiguidade relatavam?
Every myth contains multiple timelines within itself: the time in which it is set, the time it is first told, and every retelling afterwards. Myths may be the home of the miraculous, but they are also mirrors of us. Which version of a story we choose to tell, which characters we place in the foreground, which ones we allow to fade into the shadows: these reflect both the teller and the reader, as much as they show the characters of the myth. We have made space in our storytelling to rediscover women who have been lost or forgotten. They are not villains, victims, wives and monsters: they are people.
Como é perceptível ao longo de todo o livro, nenhuma destas mulheres tem uma única história — não tinham na Grécia Antiga e, como é óbvio, não têm agora. Cada história tem inúmeras versões, e fica do nosso lado retirar o que acharmos mais relevante de cada uma delas. Quer conheçam ou não Pandora, Jocasta, Helena, Medusa, as Amazonas, Clitemnestra, Eurídice, Fedra, Medeia e Penélope, acho que podem encontrar aqui várias coisas interessantes sobre a forma como os mitos gregos têm influência nos dias de hoje.
Além de tudo isto, Natalie Haynes escreve de uma forma muito descontraída e com bastante humor, conseguindo trazer estes temas para os dias de hoje. Diria que só por isso já vale a pena dar uma oportunidade a este livro. E, se escolherem a versão áudio, vem com o bónus de ser narrado pela própria autora.
O que me dizem? Ficaram com vontade de ler este livro?
Depois de ter iniciado do Clube do Livra-te de Outubro com Carrie Soto is Back, que me deu vontade de devorar página atrás de página, a nossa outra escolha foi como uma espécie de travão de mão puxado em andamento — The Paper Palace, de Miranda Cowley Heller, é um daqueles livros em que custa entrar, mas que nos puxam para dentro da história e dos cenários.
Elle é casada com Peter e parecem felizes — mas ali, no Palácio de Papel, a casa de férias que faz parte da família desde que se lembram, percebemos que há mais no passado daquela mulher. Há Jonas, o amor de infância com quem partilha segredos; há a mãe, Wallace, que não sabe toda a verdade sobre acontecimentos dos anos passados; há a figura de Anna, a irmã que está sempre presente nas conversas, embora não esteja presente nas férias. A história desenrola-se em 24h, mas temos um conjunto de flashbacks que nos transportam para a infância e adolescência de Elle e que compõem melhor as dinâmicas entre as personagens.
The tree is still there, but its branches now reach high into the open sky. Jonas sighs. "So many years.” "Yes." "It grew so tall." "That happens." He nods. "I love the way trees grow up and down at the same time.”
Lembro-me de falar com a Lénia sobre este livro, ainda antes de o ler, e de ela me ter dito que os diálogos entre as personagens eram uma óptima lição de escrita. Depois de ter mergulhado e regressado desta história, não poderia concordar mais — diria até que as personagens se revelam essencialmente através da forma como falam e se comportam umas com as outras. The Paper Palace vale essencialmente pela qualidade da escrita e pela forma como as personagens estão construídas, mas eu acho que o lado do enredo também consegue surpreender-nos em certos momentos.
Em resumo: acho que qualquer pessoa se pode apaixonar por esta história, apesar de começar bem lenta e de ser preciso insistir um pouco para continuar. Mas prometo que não se vão arrepender! Deixo só uma nota, caso queiram lê-lo: tem várias referências a abuso sexual e violação, pelo que se esses temas forem sensíveis para vocês, vão com cuidado.
----------
O que é o Clube do Livra-te?
É o clube do livro do podcast Livra-te — calma, não precisam de acompanhar o podcast para participar nas leituras. Todos os meses, cada uma de nós escolhe um livro para ler em conjunto convosco e vocês podem optar por ler a escolha da Joana, a escolha da Rita ou ambas. Depois, podem deixar a vossa opinião no grupo do Goodreads ou no Discord. Podem juntar-se a qualquer altura, venham daí!