Há alguns autores que eu considero favoritos, mas dos quais ainda não li a obra toda — propositadamente. O que é que isto quer dizer? Que evito ler mais do que um livro de certos autores por ano, sobretudo se já faleceram, porque sei que vou chegar a uma altura em que já não há mais. Falo, claro, de José Saramago.
O meu Saramago deste ano foi Claraboia, a propósito de ter entrado mais uma vez no desafio #WookMeUp da Wook. A ideia era escolher três clássicos que eu nunca tivesse lido e eu aproveitei a deixa para me aventurar um pouco mais na obra do nosso Nobel. Vou ser muito honesta: eu não sabia o que esperar porque a sinopse do livro nem sequer explicava a premissa da história, e por isso tive alguma dificuldade em entrar na narrativa.
Só quero dizer que aquilo que cada um de nós tiver de ser na vida, não o será pelas palavras que ouve nem pelos conselhos que recebe. Teremos de receber na própria carne a cicatriz que nos transforma em verdadeiros homens.
Ao contrário de outros livros dele, em que há um ponto de partida fora do comum — por exemplo: de um dia para o outro ninguém morre ou há uma epidemia de cegueira em Portugal —, Claraboia conta “apenas” a história de um prédio e das pessoas que nele habitam. Os capítulos vão sendo contados da perspectiva dos vários vizinhos e é assim que vamos deslindando as dinâmicas entre eles.
Só consegui realmente entrar no livro a partir de meio, até porque está escrito de uma forma bastante normal — tem sinais de pontuação e tudo! —, então sinto que estranhei e que o meu cérebro demorou um pouco a compreendê-lo como Saramago, se é que isto faz sentido. No geral é uma boa experiência de leitura, como aliás tudo do autor, mas não posso dizer que tenha sido memorável. Depois de Intermitências da Morte, que li há uns anos, e de Ensaio Sobre a Cegueira, que li no ano passado, fica difícil de superar.
Já aqui vos tinha dito que estou fascinada com a Amanda Montell, autora do livro Cultish e do podcast Sounds Like a Cult — e enquanto espero que lance o seu novo livro, The Age of Magical Overthinking, decidi dar uma oportunidade ao primeiro livro que escreveu. Chama-se Wordslut: A Feminist Guide to Taking Back the English Language.
Como acontece com a maioria dos livros de não-ficção, optei pela versão audiolivro e, felizmente, desta vez é a própria autora a narrar. Ela é tão carismática, que só me faz questionar ainda mais o motivo pelo qual não é ela a ler o Cultish. Mas bom, avançando! Tendo em conta a sua formação como linguista, Amanda Montell debruça-se sobre as várias consequências — essencialmente negativas — de uma linguagem genderizada. O que é mais curioso é que eu sempre entendi a língua inglesa como uma língua um pouco mais igualitária do que a portuguesa, menos assente na dicotomia feminino-masculino, mas este livro veio provar-me que não é bem assim.
One of our culture’s least helpful pieces of advice is that women need to change the way they speak to sound less “like women” (or that queer people need to sound straighter, or that people of color need to sound whiter). The way any of these folks talk isn’t inherently more or less worthy of respect. It only sounds that way because it reflects an underlying assumption about who holds more power in our culture.
É um livro um pouco mais denso do que o Cultish, sobretudo porque Amanda Montell tenta ser o mais abrangente possível nos assuntos que aborda. Fala de coisas como a diferença nos insultos a mulheres vs. homens, os diferentes tipos de tratamento formal que existem para os dois géneros, a forma como a linguagem evolui e o papel das mulheres nessa mudança, a linguagem como forma de opressão, entre outros. E sim, ela faz o disclaimer de que nem sempre esta opressão e genderização da linguagem são conscientes ou propositadas, mas também recorda a importância de as mulheres começarem a tomar as rédeas a linguagem.
Se acham que a autora quis ser provocadora, acham bem! Tenho a certeza de que algumas pessoas acharão este livro exagerado em alguns pontos, mas dá-me a impressão de que foi mesmo propositado — Amanda Montell tem opiniões e não tem medo de as expressar, ao contrário de muitas mulheres que, lá está, sempre se sentiram oprimidas no momento de partilhar as duas ideias. Mais que não seja, vale a pena ler ou ouvir para ganhar força com o exemplo dela!
Sabiam que a autora tinha escrito este livro? Ficaram com curiosidade em ler? Contem-me tudo!
Depois de ter feito algumas escolhas duvidosas para o Clube do Livra-te, posso dizer que o livro de Setembro foi a minha melhor escolha até agora — If We Were Villains, de M. L. Rio. É certo que é uma leitura fora dos meus géneros habituais, mas talvez por isso tenha gostado tanto da experiência de o ler.
Considerado um bom exemplo do género dark academia — e muito inspirado em A História Secreta de Donna Tartt —, este livro acompanha sete amigos durante o seu último ano numa escola de artes, mais especificamente num curso de Teatro focado em Shakespeare. Logo no início do livro percebemos que Oliver, a personagem central, esteve preso durante dez anos por algo que aconteceu na escola. Agora que está prestes a sair e que o detective responsável pelo caso se vai reformar, Oliver aceita contar tudo o que aconteceu.
Actors are by nature volatile—alchemic creatures composed of incendiary elements, emotion and ego and envy. Heat them up, stir them together, and sometimes you get gold. Sometimes disaster.
O livro está dividido em actos, mesmo como se fosse uma peça de teatro, que nos situa na conversa entre Oliver e o detective. A partir daí, somos levados até às dinâmicas entre os sete amigos, as peças de Shakespeare que estudavam e representavam na escola e, claro, a construção do momento em que tudo começou a correr mal. As dinâmicas entre as personagens e o ambiente sempre sombrio foram as partes que mais me agarraram — bem sei que o facto de eles irem falando com partes de peças de Shakespeare não agradou a toda a gente, mas eu achei que contextualizava a história de outra forma, mesmo que não entendamos completamente o significado dos excertos.
É certo que o final é meio previsível, mas eu até achei que isso deu um ar mais real à história — a parte do mistério não me pareceu o foco do livro. Ou, pelo menos, eu fiquei mais agarrada às relações entre as personagens, entre o dito e o não-dito, e isso foi mais do que suficiente para não conseguir parar de ler. Por isso, mesmo que achem que não é o vosso género, recomendo muito esta leitura (ainda por cima está traduzido para português). Vão ver que não vão conseguir largar!
Quem desse lado já leu? O que acharam?
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O que é o Clube do Livra-te?
É o clube do livro do podcast Livra-te — calma, não precisam de acompanhar o podcast para participar nas leituras. Todos os meses, cada uma de nós escolhe um livro para ler em conjunto convosco e vocês podem optar por ler a escolha da Joana, a escolha da Rita ou ambas. Depois, podem deixar a vossa opinião no grupo do Goodreads ou no Discord. Podem juntar-se a qualquer altura, venham daí!
Aconteceram tantas coisas nos meus 30, muitas mais do que eu esperava. E, ainda assim, aquilo que eu mais antecipava, não aconteceu: não me senti velha, nem triste, nem desmotivada — tudo sensações que me invadiram no momento em que estava a preparar-me para abraçar uma nova década. Muitas pessoas me diziam que os 30 iam ser ainda melhores do que os vintes, que tudo muda para melhor. Embora não conseguisse senti-lo na altura, agora começo a perceber.
[fiquem com a minha fotografia favorita dos 30, tirada pela minha amiga Patrícia]
Acho que também tem a ver com a quantidade de coisas que aconteceram na minha vida neste ano. Tantas, que me parece que passou uma eternidade desde que vos escrevi aqui sobre as 30 coisas que aprendi antes dos 30. Não pretendo fazer hoje o mesmo exercício, até porque este ano foi dedicado a sentir e viver — viagens que estavam por fazer, concertos que estavam por assistir, experiências que estavam por completar.
Certamente que vos falarei com mais detalhe sobre tudo isto no final do ano, a propósito do balanço que é habitual fazer aqui pelo blog. Para já, quero só registar — mais para referência futura do que outra coisa qualquer — que a vida é boa. Que coisas boas acontecem quando trabalhamos para tal. Que hoje estou mais feliz do que alguma vez estive. E que, apesar do receio que tinha acerca de uma nova década, até agora está a provar ser incrível. ✨