Sabiam que é muito provável que uma mulher morra de ataque cardíaco sem que os médicos o detectem? E que os acidentes de automóvel são mais mortais para as mulheres do que para os homens? Ou, até, que há um motivo para as mulheres enjoarem mais quando andam de carro? São apenas três dos variadíssimos factos que Caroline Criado Perez traz à luz do dia em Invisible Women: Data Bias in a World Designed for Men.
Ouvi este livro recentemente, numa das muitas viagens de carro que fiz recentemente, e pareceu-me que devia ser daqueles de leitura obrigatória — acredito até que seja mais fácil de ouvir do que de ler, sobretudo para quem, como eu, perde o foco se vir muitos números e muitas estatísticas de seguida. De qualquer das formas, essa é a proposta e a grande mais-valia deste livro: identificar que há uma falha gigante na forma como se recolhem os dados no que diz respeito às mulheres e que, por isso, o mundo é criado e mantido tendo com base em dados e informação sobre “o ser humano comum” — ou seja, os homens.
One of the most important things to say about the gender data gap is that it is not generally malicious, or even deliberate. Quite the opposite. It is simply the product of a way of thinking that has been around for millennia and is therefore a kind of not thinking. A double not thinking, even: men go without saying, and women don't get said at all. Because when we say human, on the whole, we mean man.
Acho que nunca me tinha sentido tão frustrada, mas também tão compreendida. Ao dividir o livro em diferentes áreas, como a linguagem, o trabalho, a vida pública, a saúde, o design, etc., a autora consegue mostrar-nos um panorama geral que confirma que vivemos num mundo de homens e para homens.
Gostava que tivesse sido também ela um pouco mais inclusiva, referindo-se à falta de dados acerca de mulheres trans e pessoas não-binárias — bastaria uma nota no início a dizer que quando fala em “mulheres” isso inclui também mulheres trans, por exemplo —, mas, ao contrário do que li por aí, também compreendo que tenha decidido focar-se apenas em mulheres cis e não sinto que esse foco seja propositadamente discriminatório.
Isto para dizer que sim, devem absolutamente ler este livro. Há muitas verdades difíceis de engolir, até para nós, mulheres, que muitas vezes somos condicionadas a ver o mundo através deste enfoque nas necessidades do homem. Está traduzido para português, mas se tiverem facilidade com o inglês, eu recomendo a 100% que experimentem ouvir em vez de ler, porque sinto que é mais fácil assimilar todos os dados.
Já leram este? Se sim, o que acharam? Se não, ficaram com vontade de o adicionar à vossa lista?
Se Giovanni’s Room, de James Baldwin, já estava na minha lista de livros para ler, posso garantir-vos que subiu muito nas prioridades depois de ter lido Swimming in the Dark, de Tomasz Jedrowski — até agora, um dos meus favoritos deste ano, sobre o qual já vos falei aqui pelo blog.
Sabia que este livro era um clássico dos romances LGBTQ+ e também sabia que se passava em Paris, mas, tirando isso, parti para a leitura completamente às cegas. Também nunca tinha lido nada de James Baldwin — uma falha, eu sei —, por isso não tinha quaisquer referências da escrita dele. Posso dizer que compreendo perfeitamente porque é que este livro é tão bem falado: tem um estilo de escrita muito particular e James Baldwin faz-nos gostar de personagens que são maioritariamente detestáveis.
Em termos de enredo, Giovanni’s Room é relativamente simples: conta, na primeira pessoa, a história de David, um americano em Paris, que conhece o italiano Giovanni num período em que está longe da namorada Hella. Basta estarem juntos uma vez para ser difícil separarem-se, então David ocupa o quarto de Giovanni durante algum tempo. Porém, a relação torna-se cada vez mais claustrofóbica e as decisões tomadas por David acabam por ter impacto em várias personagens.
The beast which Giovanni had awakened in me would never go to sleep again; but one day I would not be with Giovanni anymore. And would I then, like all the others, find myself turning and following all kinds of boys down God knows what dark avenues, into what dark places?
Mais do que explorar o nascimento de uma relação homossexual, este livro centra-se no dilema interior de David — não apenas porque continua apaixonado por Hella, mas porque à época não era assim tão bem visto que dois homens estivessem juntos, nem em Paris, onde tudo sempre foi um pouco mais liberal. Gostei muito da forma como o quarto de Giovanni não é apenas um espaço em que a história se desenrola, é quase uma personagem do livro — representando a claustrofobia que alguém tão dividido pode sentir.
Fico muito feliz por ter trazido este livro da minha viagem a Nova Iorque, porque consegui mesmo conectar-me com ele e não gorou as minhas expectativas. Já leram este livro? Se sim, o que acharam?
Percebi uma coisa sobre mim enquanto lia A Manual for Cleaning Women, de Lucia Berlin: eu não sei ler contos. Ou melhor: ainda não cheguei à melhor forma de ler uma colectânea de short stories ou de ensaios sem sentir que vou baralhar tudo na minha cabeça.
Fiz, porém, algum progresso com a leitura deste livro! Decidi ir alternando entre ler e ouvir os contos, o que ajudou bastante a não misturar as histórias todas — ou, pior, a deixar o livro completamente de lado com o argumento de “vou lendo um conto de vez em quando”, algo que nunca acontece. Por isso, se também sentem essa dificuldade, experimentem este truque, que pode resultar também para vocês.
Falando um pouco sobre o livro em si, que isto ainda é uma review e não uma sessão de terapia de leitura, fico muito feliz por ter sido a escolha da Joana para o mês de Agosto no Clube do Livra-te. Não só porque a minha própria escolha foi uma desilusão completa, mas também porque provavelmente não o teria lido de outra forma. Não achei que a escrita de Lucia Berlin fosse imediatamente fácil, acho que é preciso um período de habituação, mas depois flui bastante bem.
A lot of things were really bothering me in those days, like what gave life to the candles and where the sound came from in the desks. If everything in God's world has a soul, even the desks, since they have a voice, there must be a heaven. I couldn't go to heaven because I was Protestant. I'd have to go to limbo. I would rather have gone to hell than limbo, what an ugly word, like dumbo, or mumbo jumbo, a place without any dignity at all.
Há quarenta contos nesta colectânea, mas os temas são mais ou menos transversais e muito ligados à própria vida da autora: fala-se bastante sobre luto, sobre alcoolismo, sobre lidar com o cancro, sobre viver na América Latina, etc. Sinto que a informação sobre Lucia Berlin que vinha no final da minha edição ajudou a compreender porque é que estes temas lhe eram tão queridos.
Algumas histórias são claramente autobiográficas, até porque a personagem principal se chama Lucia, mas achei curioso que, a certa altura, uma das personagens de um conto dissesse algo como: “tenho dificuldade em distinguir a realidade da ficção, mas nunca minto”. Acho que isto resume na perfeição a experiência de ler este livro.
Para terminar, deixo-vos algumas das minhas histórias favoritas: Tiger Bites (muito actual), Carpe Diem, Grief, Mijito, Here it is Saturday e Friends (a minha preferida de todas). E vocês, também leram este livro? Se sim, quais foram os contos de que mais gostaram?
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O que é o Clube do Livra-te?
É o clube do livro do podcast Livra-te — calma, não precisam de acompanhar o podcast para participar nas leituras. Todos os meses, cada uma de nós escolhe um livro para ler em conjunto convosco e vocês podem optar por ler a escolha da Joana, a escolha da Rita ou ambas. Depois, podem deixar a vossa opinião no grupo do Goodreads ou no Discord. Podem juntar-se a qualquer altura, venham daí!
A gestão deste blog já não é o que era… então esqueci-me de publicar aqui a minha opinião sobre Lessons in Chemistry, de Bonnie Garmus — ainda por cima sendo um dos livros de Julho do Clube do Livra-te? Imperdoável, mas cá estou para me tentar redimir.
Passado nos anos 60, este livro conta a história de Elizabeth Zott, uma mulher extraordinária e muito à frente para o seu tempo. No Hastings Research Institute, onde trabalha, os homens não a levam muito a sério — afinal, não era normal que uma mulher pudesse ser investigadora. Quando conhece Calvin Evans, tudo muda. Porém, a felicidade não dura muito tempo e Elizabeth Zott vê-se no papel de mãe solteira, sem emprego, mas com a oportunidade de ser apresentadora de um programa de culinária.
On the other hand, wasn't that the very definitely of life? Constant adaptations brought about by a series of never-ending mistakes?
O que é que a culinária, a química e o feminismo têm em comum? Muito mais do que se poderia pensar, e é isso que Elizabeth Zott tenta ensinar às suas telespectadoras. A premissa está toda lá, e achei a escrita divertida, mas o livro pareceu-me demasiado irrealista em vários momentos — a personagem principal é perfeita em tudo o que faz, a filha Mad é sobredotada (e um pouco irritante, sou honesta). Só mesmo o cão Six Thirty e algumas personagens secundárias é que me caíram bem.
A vantagem de escrever esta review muito atrasada é que consigo perfeitamente identificar várias das falhas deste livro, nomeadamente na estrutura da narrativa e na forma como acaba (um pouco underwhelming a meu ver), mas também consigo separar-me do meu lado mais analítico e compreender porque é que há tanta gente a adorar este livro. Não funcionou completamente para mim, mas também não vos aconselho a descartá-lo porque pode ser melhor para vocês.
Também já leram este? O que acharam?
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