Tudo é Rio, Carla Madeira
Sabem quando a vossa fama vos precede? A minha é a fama de pessoa que adora livros duros, livros dramáticos, livros para chorar. E é assim, não está errado. Talvez por isso tanta gente me tenha recomendado Tudo é Rio, de Carla Madeira, uma autora brasileira que eu não conhecia.
Este livro só é pequeno no tamanho, porque me pareceu de uma profundeza gigante no que toca à construção das personagens. Acompanhamos um casal, Dalva e Venâncio, um amor à primeira vista que rapidamente se torna um amor possessivo. Ao mesmo tempo, Lucy, uma prostituta que gosta de o ser, encontra em Venâncio o único homem que nunca a desejou — está reunida a receita para dramas entre esta espécie de triângulo amoroso.
Devo confessar que adorei a forma como a Lucy foi construída, acho que nunca tinha lido nada que me pusesse nos pés de uma prostituta que escolheu essa profissão — não foram as circunstâncias que a obrigaram, ela quis. E foi muito interessante ver esta personagem num contexto mais conservador e religioso. Porém, foi a excessiva referência a Deus e a ideia geral de que “Deus vê tudo, Deus perdoa” que não me convenceu na totalidade.
Sinto que gostei mais da escrita do que do rumo da história em si, talvez porque já tinha as expectativas em cima para o enredo, já esperava que fosse dramático. De qualquer das formas — e acho que já disse isto aqui —, não há nada melhor do que ler com a melodia do português do Brasil, tudo parece logo mais ritmado. Como o livro tem passagens incríveis, vou deixar aqui algumas de que gostei:
Para toda a cidade isso era uma provocação sem tamanho, qualquer pessoa de bem tolera as putas, com a condição de sentir pena delas.
O amor tem nome, mas não é nada que a gente possa reconhecer só de olhar. A dor a gente sabe o que é, tem lugar e intensidades que cabem na ciência. A raiva, o medo, o ódio entortam a cara com um jeito provável de se manifestar. Mas e o amor? O que é senão um monte de gostar? Gostar de falar, gostar de tocar, gostar de cheirar, gostar de ouvir, gostar de olhar. Gostar de se abandonar no outro. O amor não passa de um gostar de muitos verbos ao mesmo tempo.
O que mais existe no mundo são pessoas que nunca vão se conhecer. Nasceram em um lugar distante, e o acaso não fará com que se cruzem. Um desperdício. Muitos desses encontros destinados a não acontecer poderiam ter sido arrebatadores.
Tudo passa, você vai ver, tudo passa. Ela tinha razão. A vida dá um jeito de manter a gente vivo mesmo quando a gente morre de dor.
Em jeito de resumo: apesar de não ter amado como achei que aconteceria, gostei muito de conhecer a escrita de Carla Madeira — curta, concisa, mas cheia de significado. Já ouviram falar deste livro?