Imaginem o cenário: a Sally Rooney lançou o seu novo livro, Beautiful World, Where Are You, que imediatamente encomendei assim que entrou em pré-venda. Tenho um domingo sem planos nem preocupações. O que é que acham que aconteceu?
a) Esperei para terminar o que estava a ler antes de começar o da Sally;
b) Li o novo da Sally com calma e ponderação, alternando a leitura com outras actividades normais para a vida humana (por exemplo: ir à casa-de-banho);
c) Li mais de metade do livro no domingo e acabei-o na segunda porque não me aguentava.
Se responderam c), muitos parabéns! Acabaram de ganhar a possibilidade de saber o que é que eu achei sobre este livro e, se tudo correr bem, ganharão também vontade de ir a correr lê-lo também. Acho que não é novidade para ninguém que sou uma fã incondicional de tudo o que esta mulher escreve e que tenho uma grande admiração pela sua capacidade de pôr por escrito algumas das coisas que todos sentimos, mas que nem sabemos bem como sentir, quanto mais expressar.
Em Beautiful World, Where Are You acompanhamos quatro personagens: Alice, uma jovem escritora, a sua amiga Eileen, e Simon, um homem que faz parte da vida de Eileen desde que ela nasceu. Falta acrescentar Felix, um rapaz que trabalha num armazém e que Alice conhece num date do Tinder, quando se muda para uma cidade pequena. Apesar de Conversations with Friendstambém gravitar em torno de quatro personagens, aqui senti que o protagonismo estava bem dividido entre elas – não só os capítulos são conduzidos por um narrador que se vai focando em cada um deles, mas são também intercalados com uma thread de e-mails entre Alice e Eileen, o que ajuda a descentralizar o enredo.
Como em qualquer livro de Sally Rooney, não se passa grande coisa em termos de história: Alice e Felix conhecem-se, Eileen e Simon encontram-se e desencontram-se, Alice e Eileen são mais próximas por e-mail do que quando se juntam, finalmente, na vida real. Nada disto é spoiler porque a essência do livro está na forma como as personagens comunicam (ou não) umas com as outras, naquilo que lhes causa ansiedade e na forma como a educação que tiveram afecta o presente.
Maybe we're just born to love and worry about the people we know, and to go on loving and worrying even when there are more important things we should be doing. And if that means the human species is going to die out, isn't it in a way a nice reason to die out, the nicest reason you can imagine? Because when we should have been reorganising the distribution of the world's resources and transitioning collectively to a sustainable economic model, we were worrying about sex and friendship instead. Because we loved each other too much and found each other too interesting. And I love that about humanity, and in fact it's the very reason I root for us to survive - because we are so stupid about each other.
Uma das coisas com que mais me identifiquei em Beautiful World, Where Are You foi a fase da vida em que as personagens se encontram: já não estamos na entrada da idade adulta como em Normal People, nem estamos a confrontar duas gerações diferentes como em Conversations with Friends. Aqui fala-se da chegada aos trinta, uma fase que tanto eu como a Sally estamos a viver – só que ela é um génio e eu sou uma pessoa normal. Relacionei-me muito com alguns dos temas que Alice e Eileen abordam nas suas trocas de e-mails: o medo de morrer sem ter feito nada de especial, a necessidade de nos preocuparmos com coisas mundanas quando o mundo está no estado em que está, a indecisão sobre o que queremos realmente fazer para deixar uma marca.
Embora não se saiba muito sobre Sally Rooney enquanto pessoa, visto que ela é bastante reservada e nem sequer tem presença em social media, não há como não ficar com a sensação de que este livro é extremamente autobiográfico. Alice também é escritora e sinto que Sally a usou para falar do que está a viver, da ascensão da sua carreira e da Síndrome de Impostor que poderá estar a viver. Mas isto sou só eu a tentar especular sobre a pessoa por detrás dos livros – o que, na realidade, interessa muito pouco.
Prometo que já me calo, vou só terminar com uma nota: adorei os três últimos capítulos e como a autora aproximou esta história à realidade que estamos todos a viver no momento. E é isto! Bem sei que desse lado há algumas pessoas que não são as maiores fãs de Sally Rooney, mas para os que são, quero saber: já leram (se sim, o que acharam?) ou vão esperar pela tradução portuguesa, que deverá sair em Outubro?
O que é que eu faço quando um livro com uma capa bonita e uma premissa promissora está a 1,99€ no Kobo? Compro, claro. Seven Days in June, de Tia Williams, veio cá parar numa dessas situações e achei que era um bom livro para “limpar o palato” entre leituras mais pesadas.
Seven Days in June conta a história de Eva e Shane, que na adolescência passaram sete dias juntos, num mês de Junho, e acabaram por se afastar. Quando crescem, ambos se tornam escritores: Eva é esforçada, mas não muito famosa; Shane é um escritor de renome, mas a recuperação de anos de alcoolismo deixam-no afastado do panorama literário. Quando se reencontram, num festival literário, acabam por reviver aqueles sete dias em Junho e percebem como essa semana os marcou profundamente – não apenas como pessoas, mas no seu futuro enquanto escritores.
A capa e a sinopse prometiam uma leitura sexy, inteligente e com um toque de romance dramático, mas confesso que nem tudo me entusiasmou. O lado steamy do livro não é assim tão marcado – apesar de a protagonista ser escritora de livros eróticos – e sinto que a autora podia ter aprofundado ainda mais os detalhes trágicos da relação deles no passado e a forma como a escrita passou a ser uma forma de se encontrarem com as memórias desses dias.
Women are expected to absorb traumas both subtle and loud and move on. Shoulder the weight of the world. But when the world fucks with us, the worst thing we can do is bury it. Embracing it makes us strong enough to fuck the world right back.
Eu até conseguia lidar com uma história que não fosse assim tão aprofundada, mas houve um aspecto que me irritou profundamente neste livro: o facto de tentar, parágrafo sim, parágrafo não, fazer algum tipo de comentário woke sobre a sociedade racista, machista e injusta em que vivemos. Gosto que seja actual, foi aliás um dos motivos que me fez querer lê-lo, mas sinto que não era preciso ser tão evidente nestes comentários políticos. O que eu quero dizer, é: o comentário político até podia estar presente no livro, mas poderia ser feito de forma mais inteligente, mais ligado à narrativa e à construção de personagens, e não ser apenas meia dúzia de frases aleatórias que as personagens dizem a meio de um diálogo.
Se a sinopse e a capa vos despertam curiosidade, tal como me aconteceu, então diria que podem experimentar e tirar as vossas próprias conclusões – aliás, Seven Days in June tem-me aparecido muito (e bem recomendado) no TikTok, por isso pode ser que vos diga coisas que não me disse, ou que se consigam relacionar mais e melhor com ele.
Infelizmente, acho que ainda não está traduzido para português, mas agora quero saber se já o conheciam e se faz parte da vossa lista de livros a ler!
A 91ª Edição da Feira do Livro de Lisboa termina já no domingo – ainda têm o fim-de-semana para a aproveitar –, mas, depois de três visitas bastante boas, dou por encerrados os meus passeios ao longo do Parque Eduardo VII. Vocês já sabem que este é um dos momentos altos do meu ano e, como partilhei na edição passada, gosto mesmo muito que seja nesta altura de fim de Verão e rentrée.
Também já é hábito revelar-vos o meu “plano de ataque” à Feira do Livro, que se tem mantido mais ou menos o mesmo desde 2018: comprar apenas Livros do Dia, preferir autores portugueses e comprar livros de autores estrangeiros/em inglês apenas em casos muito pontuais. Ao mesmo tempo, desde que tenho o Kobo e desde o Brexit que reduzi em muito a minha compra de livros físicos em inglês, por isso as compras deste ano foram um pouco diferentes.
Não havia muitos livros do dia que me interessassem, mas, por oposição, o stand da Fnac tinha muitas coisas que me interessavam e que estavam mais baratas ou praticamente pelo mesmo preço que encontrava no Kobo. Sem mais demoras, deixo-vos as minhas compras deste ano:
Levante-se o Réu, Rui Cardoso Martins (16,90€ 10,44€)
Sinopse:
«Levante-se o Réu contava histórias dos tribunais portugueses, com pessoas reais e crimes verdadeiros, mas havia quem julgasse que eram inventados. Que os réus, acusadores, testemunhas e magistrados seriam personagens de ficção. Mas não eram nem podiam. Todas as semanas eu voltava, por assim dizer, ao local do crime: ao tribunal. Só alterava os nomes para proteger as identidades nos casos mais delicados.
Não se pode mentir em jornalismo. A realidade - a chamada vida - é que tem muita imaginação.»
Ao longo de 20 anos, Rui Cardoso Martins assistiu a mais de 700 casos de justiça em sessões públicas de tribunal. Depois, fixou-os num registo literário de efeitos ora cómicos, ora comoventes. E sempre com uma capacidade notável para captar com empatia a justiça e a injustiça, o chocante e o caricato.
Levante-se o Réu recupera a saudosa rubrica do Público, reunindo as cem melhores crónicas do autor.
Tudo São Histórias de Amor, Dulce Maria Cardoso (14,90€ 9,13€)
Sinopse:
Uma velha que em clausura depende do que o seu cão fiel lhe recolhe, uma mulher que mata a sua alma gémea, nós que nos tornamos cúmplices num autocarro em noite de temporal, um rio que devolve os ecos de duas crianças a quem aguarda um terrível milagre, uma ilha onde congeminam os faroleiros e suas zelosas esposas, um assassino a salvo na biblioteca, uma menina desaparecida, uma mulher intrigada pelo homem desconhecido. Um destino chamado amor.
Neste inquietante livro, Dulce Maria Cardoso revela mais uma vez a sua mestria literária.
Mr. Salary, Sally Rooney (5,25€)
Sinopse:
My love for him felt so total and so annihilating that it was often impossible for me to see him clearly at all.
Years ago, Sukie moved in with Nathan because her mother was dead and her father was difficult, and she had nowhere else to go. Now they are on the brink of the inevitable.
Sally Rooney is one of the most acclaimed young talents of recent years. With her minute attention to the power dynamics in everyday speech, she builds up sexual tension and throws a deceptively low-key glance at love and death.
The Penelopiad, Margaret Atwood (14,25€ 11,40€)
Sinopse:
The story of Odysseus' return to his home kingdom of Ithaca following an absence of twenty years is best known from Homer's Odyssey. Odysseus is said to have spent half of these years fighting the Trojan War and the other half wandering around the Aegean Sea, trying to get home. But what of his wife, Penelope? In addition to weeping and praying for the return of Odysseus, she cleverly deceives the many Suitors who are swarming around her palace, eating up Odysseus' estate in an attempt to force her to marry one of them. The Odyssey, draws to an end with the slaughter of the Suitors by Odysseus and Telemachus, the hanging of twelve of the maids who have been sleeping with the Suitors, and the reunion of Odysseus and Penelope.
Margaret Atwood has chosen to give the telling of the story to Penelope and to the twelve hanged Maids. The Maids form a chanting and singing Chorus which focuses on two questions that must pose themselves after any close reading of the Odyssey: what led to the hanging of the maids, and what was Penelope really up to? The story as told in the Odyssey doesn't hold water: there are too many inconsistencies. In The Penelopiad, Penelope provides the answers.
City of Girls, Elizabeth Gilbert (10,50€ 8,40€)
Sinopse:
Beloved author Elizabeth Gilbert returns to fiction with a unique love story set in the New York City theatre world during the 1940s. Told from the perspective of an older woman as she looks back on her youth with both pleasure and regret (but mostly pleasure), City of Girls explores themes of female sexuality and promiscuity, as well as the idiosyncrasies of true love.
Homo Irrealis, André Aciman (16,80€ 13,44€)
Sinopse:
Irrealis moods are a category of verbal moods that indicate that certain events have not happened, may never happen, or should or must or are indeed desired to happen, but for which there is no indication that they will ever happen. Irrealis moods are also known as counterfactual moods and include the conditional, the subjunctive, the optative, and the imperative-all best expressed in this book as the might-be and the might-have-been.
One of the great prose stylists of his generation, Andre Aciman returns to the essay form in Homo Irrealis to explore what time means to artists who cannot grasp life in the present.
E agora quero saber não só a vossa estratégia de ataque à Feira do Livro, como as vossas escolhas deste ano. Se tiverem curiosidade de ler os posts antigos de outras idas à Feira do Livro, podem ler aqui os dos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020. Agora é esperar pela edição de 2022, já estou a contar os dias!
Mais um mês, mais três e-books em destaque aqui pelo blog. Antes de vos falar sobre eles, queria que me contassem que tipo de livros digitais gostariam de ver neste espacinho mensal – como vocês já sabem, a estes posts segue-se sempre um giveaway no meu Instagram (obrigada Kobo e Fnac Portugal!), pelo que quero cada vez mais trazer as leituras que vos interessam. Passem ali na caixa de comentários ou mandem mensagem no Instagram com os autores, géneros ou títulos que querem ver por aqui.
Posto este pedido, nada como falar das escolhas para Setembro. Ando com tanta vontade de viajar para fora de Portugal – é já este mês, caraças –, que o meu inconsciente decidiu que era importante ler três livros passados um pouco por toda a Europa. Temos Alemanha, Berlim e França, sendo que os autores também são destes países e é uma forma de conhecermos autores nacionalidades diferentes.
Sem mais demoras, aqui ficam os e-books de Setembro:
Enquanto jovem mulher, Else, uma menina mimada da burguesia de Berlim, fez duas promessas a si mesma: viver a vida intensamente e ter um filho de todos os homens que amasse.
Tu não és como as outras mães é a história real dessa vida intensa, extravagante, inconformista que foi a de Else Kirschner, uma mulher verdadeiramente livre, e uma mãe diferente de todas as outras. Nascida na conservadora burguesia judia de Berlim, Else estava prometida para casar com um bom partido. Mas os encantos de um artista cristão - "o maior amor e pior partido da sua vida" - foram o trampolim que procurava para renunciar ao conforto da casa paterna e ser dona do seu destino num mundo cheio de promessa.
Corriam os loucos anos vinte, dias efervescentes numa Berlim que parecia a capital do mundo, um tempo irrepetível de cultura, esplendor e liberdade. Else instalou-se no centro dessa boémia, incapaz de suspeitar que uma ameaça arrepiante cercava inexoravelmente a sua família. Quando as sombras do Nacional Socialismo tingiram a Europa de negro, Else, judia, teve de fugir com a família da cidade que tanto amava. No exílio, na Bulgária, tudo é miserável, tudo é muito pouco quando comparado com a primeira vida. Nessa segunda vida, Else arrepender-se-á de não ter protegido a família da calamidade, que se revela trágica para alguns.
Esta é a história de uma vida maior que a vida, um retalho de História extraordinário. Quem nos conta a história é Angelika Schrobsdorff, importante escritora de origem alemã. Era filha de Else e demorou quinze anos a pôr no papel a história da mãe, sem sentimentalismo mas com o amor e a admiração inevitáveis, criando um pedaço de grande literatura, um clássico do nosso tempo.
A vida na pequena cidade de Nowa Ruda, situada no coração da Europa, num território de passagem e de fronteiras instáveis, onde povos, guerras e regimes se sucedem, não é tão simples como aparenta ser. Os seus mais recentes habitantes polacos ocuparam as casas deixadas vazias pelos alemães em fuga no final da guerra, e nos bosques em redor há muitos segredos que se escondem debaixo da terra. Com a ajuda de Marta, a sua velha e sábia vizinha, a narradora deste romance, recém-chegada à cidade, vai reunindo as histórias surpreendentes deste lugar, compondo um novelo de mitos, sonhos, episódios anedóticos, que muitas vezes transcendem o visível e o racional, misturando passado e presente.
Florent-Claude Labrouste tem quarenta e seis anos, é funcionário do Ministério da Agricultura e detesta o seu nome. Divide o apartamento na periferia de Paris com Yuzu, a namorada japonesa, muitos anos mais jovem. Cínico, profundamente desesperançado e intimamente só, tudo lhe parece insuportável: a França está à beira do precipício, a Europa ameaça ruir, a sua vida é um beco sem saída.
A descoberta de uns vídeos comprometedores da namorada, que ele planeava há muito abandonar, leva-o a despedir-se de muito mais: deixa o emprego, a namorada e a casa, e aluga um quarto de hotel. Dedica os dias a divagar e deambular pelos bares, restaurantes e lojas da cidade. E descobre Captorix, um antidepressivo que liberta serotonina e lhe devolve a possibilidade de aguentar o dia-a-dia mas lhe rouba aquilo que poucos homens estariam dispostos a perder.
Aproveita a ruptura radical para rememorar o passado: as aspirações e ideais de jovem agrónomo; as relações amorosas, de fim desastroso; a nostalgia de um amor perdido; e o reencontro com um velho amigo aristocrata, que o ensina a manusear uma espingarda. Entre passado e futuro, é-lhe forçoso contemplar, com uma feroz acidez, um mundo sem bondade, desumanizado, atingido por mutações irreversíveis.
Com Serotonina, romance-profecia de um futuro pouco perfeito, Houellebecq reafirma-se uma vez mais como um cronista impiedoso da decadência da sociedade ocidental, um escritor indómito, incómodo e por isso imprescindível.
Nos próximos dias haverá, então, giveaway destes e-books no meu Instagram, em parceria com a Kobo e a Fnac Portugal. Podem participar mesmo que não tenham Kobo, uma vez que é possível ler na app da Kobo para o telemóvel – quem sabe não é o empurrão de que precisam para se renderem à leitura em e-reader?
E agora contem-me: já leram algum destes? Qual têm mais vontade de conhecer?