Já vos aconteceu comprar um livro do qual não conhecem grande coisa, simplesmente porque estava barato? Foi assim que Such a Fun Age de Kiley Reid me veio parar ao Kobo - estava a 3€ na Black Friday da Kobo Store e, depois de o ter visto por aí no Instagram, decidi que era a melhor altura para o comprar e ler. Não sei se foi de ter partido para a leitura sem quaisquer expectativas, mas adorei, simplesmente.
O livro começa de noite, num supermercado de bairro, quando Emira, uma babysitter afro-americana, é chamada de urgência pela mãe da criança de que toma conta. Alix conta-lhe que aconteceu uma emergência em casa, com o marido, e pede-lhe que leve a criança para a loja durante um bocado, enquanto a polícia chega para resolver a tal questão. No supermercado, Emira é acusada de ter tirado a criança aos pais.
Numa espécie de efeito dominó, este acontecimento serve de ponto de partida para toda a narrativa - Alix, a mãe da criança, tenta redimir-se do que aconteceu fazendo um esforço desmedido para trazer Emira para o seio familiar. Emira não parece ter muita vontade, até porque a única pessoa de quem gosta genuinamente naquela família é Briar, a criança que levou consigo ao supermercado naquela noite.
Emira realized that Briar probably didn't know how to say good-bye because she never had to do it before. But whether she said good-bye or not, Briar was about to become a person who existed without Emira. She'd go to sleepovers with girls she met at school, and she'd have certain words that she'd always forget how to spell. She'd be a person who sometimes said things like, "Seriously?" or "That's so funny" and she'd ask a friend if this was her water or theirs. Briar would say good-bye in yearbook signatures and through heartbroken tears and through emails and over the phone. But she'd never say good-bye to Emira, which made it seem that Emira would never be completely free from her. For the rest of her life and for zero dollars an hour, Emira would always be Briar's sitter.
Para além deste confronto evidente entre as duas personagens, há também um vídeo gravado na noite do supermercado, que Emira tenta esconder e Alix acha que faria sentido ser divulgado para que toda a gente ficasse alerta para atitudes racistas. Acontecem outras coisas pelo meio que tornam esta tensão ainda mais forte, mas não vos quero estragar a leitura.
Numa altura em que falamos tanto sobre desigualdade, também é importante ler um livro destes, que põe a tónica no esforço despropositado que algumas pessoas brancas fazem para combater o racismo. É que, por mais que estejamos do lado certo, quem somos nós para tomar decisões pelas pessoas que são alvo de racismo? O que sabemos nós, do alto do nosso privilégio, para dizermos a estas pessoas o que fazer? Qual é, então, a melhor forma de mostrar que as apoiamos?
É bastante pequeno, lê-se muito bem (li todo no feriado, assumo!) e acho que em Portugal ainda não está a ser suficientemente lido e falado. Quem desse lado já conhecia ou já leu?
SIM! É verdade, é verdade. Chegámos novamente à época dos balanços e listinhas a marcar as nossas coisas favoritas do ano. Quem acompanha o blog há mais tempo sabe que estes já publico estes posts desde 2017 e podem contar com eles todas as sextas-feiras de Dezembro. Acho que num ano como 2020 faz ainda mais sentido parar para pensar nas coisas boas que nos aconteceram, celebrá-las e desejar que o ano que vem seja bem melhor.
Um dos temas que tenho mantido mais ou menos intacto ao longo dos anos é este, onde falo dos 5 melhores momentos. Confesso que foi bem complicado encontrar momentos em 2020 que eu ache dignos de fazerem parte de um post com o melhor do melhor do meu ano, mas vamos ter que nos contentar com o que a vida nos pôs à frente e não estar para aqui com esquisitices.
Portanto, sem qualquer ordem específica, aqui ficam os 5 melhores momentos de 2020:
1. O sucesso do Terapia de Casal
Eu não sou nada de andar a gabar-me das coisas que faço ou deixo de fazer, mas sem dúvida que não estava à espera que o Terapia de Casal, lançado em Setembro do ano passado, durasse até este ano e estivesse a correr tão bem. O feedback de quem ouve tem sido super positivo e ganhámos, inclusivamente, o prémio de melhor podcast de humor no Festival Podes - onde também estivemos a fazer uma emissão live. Para além de estar a correr bem, é um projecto que nos diverte muito fazer e queremos sem dúvida trazer novidades em 2021. O que me diriam a uma linha de merchandising ou a mais emissões live?
Se não fazem ideia do que estou a falar, podem começar a ouvir os mais de 60 episódios que já temos no ar. Deixo-vos o mais recente:
2. O meu aniversário nos Açores
Acho que toda a gente sabe o quão importantes para mim são as viagens e, este ano, todos os planos que tinha foram por água abaixo - como acredito que tenha acontecido a muitos de vós. De qualquer das formas, houve sempre maneira de fugir um bocadinho “cá dentro” e descobrir São Miguel, um destino que estava na lista há bastante tempo. Foi mesmo a melhor forma de celebrar o meu aniversário, vim de lá apaixonada e fiquei cheia de vontade de conhecer as restantes ilhas.
Confesso que estava cheia de medo que não houvesse Feira do Livro este ano, mas não é que até gostei do facto de ser em Setembro? Como disse na altura, nem é tanto por estar mais ou menos calor, mas sim porque Setembro é o meu mês favorito e parece que a Feira do Livro faz mais sentido nesse mês. Foi mais uma edição com compras comedidas, mas boas.
Para além da viagem aos Açores e de uns dias passados no Alentejo, ainda houve tempo de ir ter com uns amigos ao Porto Santo. E que ilha tão boa para passar uma temporada apenas para descansar. A praia é incrível, come-se muito bem e fomos demasiado bem recebidos, mais do que merecemos. É para voltar, sem dúvida!
Não é segredo para ninguém que eu sou uma pessoa super caseira e adoro estar por casa, descansada, com os meus gatos e um livrinho. E, por isso, não me custa admitir que os meses de quarentena não me custaram assim tanto - provavelmente até comuniquei mais com as pessoas de quem gosto do que numa época “normal”. Dou-me super bem a trabalhar a partir de casa e adorei o facto de não ter que ir todos os dias para um escritório. Acima de tudo, consegui aproveitar mesmo bem a minha casa, terminar partes da decoração que faltavam e estar mais tempo com os meus pequeninos (e plantinhas).
O que é que acontece quando leio uma review de um livro e comparam a autora com Sally Rooney? Vou, obviamente, comprar o livro - Exciting Times, de Naoise Dolan, no caso. Tal como aconteceria com um livro da Sally Rooney, li esta novela em apenas um dia, até porque não é particularmente grande e eu estive uma manhã inteira no cabeleireiro com tempo para gastar. Embora perceba as comparações entre as duas escritoras - são ambas irlandesas e têm um estilo de escrita muito semelhante -, ainda não tenho a certeza do que achei sobre este livro.
Aliás, quanto mais penso sobre ele, menos certezas tenho. Dando-vos contexto: Exciting Times é contado na perspectiva de Ava, uma rapariga irlandesa de 22 anos que vai para Hong Kong dar aulas de inglês a crianças, onde conhece Julian (do Reino Unido). Ele é ligeiramente mais velho e desenvolvem uma relação meio Marianne e Connell em Normal People, mas eu diria que não tão bem construída porque esta tem uma dinâmica de poder clara - Julian tem bastante mais dinheiro que Ava e acaba por sustentá-la durante meses. Quando ele se ausenta durante uma temporada em trabalho, Ava conhece Edith, local, por quem se apaixona e a quem esconde a relação que tem com Julian.
You keep describing yourself as this uniquely damaged person, when a lot of it is completely normal. I think you want to feel special - which is fair, who doesn’t - but you won’t allow yourself to feel special in a good way, so you tell yourself you’re especially bad.
Esta espécie de triângulo amoroso, a forma como as personagens se relacionam entre si e a indecisão de Ava em relação aos dois foram as coisas de que mais gostei no livro. A escrita também é competente, mas nada que me tenha deixado especialmente impressionada. Apesar disso, todo o cenário em que se passa o livro pareceu-me um pouco descabido e sem grande contexto ou motivação das personagens. Tudo se passa em Hong Kong, mas Ava quase que só se dá com pessoas que são de países vizinhos do dela, não há grande explicação para ela estar a dar aulas lá… enfim, acho que teria enriquecido a história e as personagens se o enquadramento fosse um bocadinho mais desenvolvido.
De qualquer das formas, é uma leitura relativamente leve e interessante se tiverem interesse em temas LGBTQ+ ou simplesmente em relações humanas. Já tinham ouvido falar do livro ou de Naoise Dolan?
Minha nossa. Sim, só agora cheguei ao Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago e fiquei completamente de rastos. O Intermitências da Morte é um dos meus livros favoritos de sempre, mas não sei se não gostei ainda mais deste. Gosto de dizer que Saramago é mestre das premissas com base na pergunta “e se?”; para mim são as que dão as melhores histórias e este livro não é excepção.
Ensaio sobre a Cegueira propõe o seguinte cenário: e se, de repente, as pessoas começassem a cegar e a passar essa cegueira umas às outras? Como reagiríamos em relação a esses cegos e como nos comportaríamos se todos ficássemos sem ver? De certa forma, acho que podemos analisar esta narrativa em dois planos - por um lado, o da epidemia da cegueira e a forma como as pessoas lidam com isso e, por outro, o da cegueira como algo que transcende a cegueira física, sendo mais uma cegueira colectiva da humanidade.
Começando pelo primeiro, foi difícil para mim não associar a epidemia do livro com a pandemia que estamos a viver actualmente - dei por mim a pensar qual delas preferia que estivesse a acontecer (a resposta é COVID-19, sempre). As comparações são inevitáveis e é muito interessante ler este livro no contexto actual (mesmo que já tenham lido, recomendo muito uma releitura).
Por outro lado, Saramago nunca foge a uma análise mais profunda sobre a forma como nos comportamos em sociedade, sendo que aqui a pergunta é: quem é mais cego? Quem não possui capacidade de visão ou quem vê apenas o que quer ver?
Se eu voltar a ter olhos, olharei verdadeiramente os olhos dos outros, como se estivesse a ver-lhes a alma, A alma, perguntou o velho da venda preta, Ou o espírito, o nome pouco importa, foi então que, surpreendentemente, se tivermos em conta que se trata de pessoa que não passou por estudos adiantados, a rapariga dos óculos escuros disse, Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos.
Como vos disse inicialmente, não sei se este não passou a ser o meu livro favorito do autor e acho que é daqueles que toda a gente deveria ler pelo menos uma vez na vida. Se têm receio da escrita à Saramago, garanto-vos aqui que este até é dos mais fáceis de seguir e, provavelmente, dos que li, aquele que nos deixa mais presos ao enredo e com vontade de saber o que vai acontecer a seguir.
Contem-me lá: a quem falta ler este? Quem já leu, o que achou?