Oh, Dulce, porque é que me fazes isto? Desculpa tratar-te por tu, mas já nos sinto um bocadinho amigas. Não há nada que tu escrevas que seja só assim um bocadinho menos bom? Juro que começo um livro teu sempre da mesma forma, a achar que é desta que me desiludo… e nunca é.
Agora que já tive este pequeno diálogo com a Dulce Maria Cardoso na minha cabeça, é altura de vos falar de Campo de Sangue, o único romance da autora que ainda não tinha lido - apesar de o ter cá por casa à espera. Neste livro, conta-nos a história de um assassinato, embora tenhamos que ir lendo para perceber, primeiro, quem é o assassino e, depois, quem é a vítima.
O protagonista, sem nome, tem claramente uma doença mental que o faz procurar constantemente a validação dos outros, sobretudo das mulheres, como que criando uma realidade feliz e entusiasmante que só existe na cabeça dele. O mais interessante é que vi um pequeno vídeo em que a autora dizia que, quando o idealizou nos anos 90, a ideia era ser apenas um doente mental; mas que agora, aos olhos dos anos que vivemos, parece-lhe ser apenas um homem normal, dentro do que todos nos tornámos.
Ao longo das páginas de Campo de Sangue vamo-nos tornando familiares com esta forma de ser do protagonista e, ao mesmo tempo, vemos a perspectiva de quatro mulheres importantes na vida dele: a mãe, a ex-mulher, a senhoria da pensão em que vive e a rapariga por que se apaixona. São elas quem tem que atestar a saúde mental deste homem, antes de ser julgado pelo crime que cometeu.
Nunca tinha acreditado que se podia começar a vida outra vez, e a carta que a intimava a depor dava-lhe razão. Começar a vida era um privilégio de um recém-nascido ou de um amnésico, não estava ao alcance dela nem de ninguém, os que diziam isso estavam enganados e mentiam. Eva não os criticava porque era fácil enganarem-se e bom mentirem, em contrapartida acreditava que todos os erros podiam ser corrigidos desde que se tivesse vontade, a vontade chegava para corrigir os erros, mas nunca para se começar tudo de novo, Eva queria corrigir o erro de ter confiado nele.
Percebemos, também, que mesmo as pessoas próximas de um doente mental podem não ter completa noção de como ele verdadeiramente se sente. E isto leva-nos a outras questões, como: será que conhecemos realmente as outras pessoas? E será que nos conhecemos realmente? Como em todos os livros da Dulce Maria Cardoso, a história parte de um acontecimento aparentemente pequeno para, aos poucos, nos levar a reflexões sobre temas muito mais profundos e importantes.
Isto para vos dizer que Campo de Sangue não é sobre um homem que mata alguém, nem sobre as mulheres que fazem parte da vida dele. É sim, sobre assuntos muito maiores como a solidão, a dificuldade em nos ligarmos verdadeiramente uns aos outros e a forma como nos conhecemos uns aos outros (ou não). Vale muito, muito a pena. Facilmente se tornou o meu segundo livro favorito da escritora, só destronado pel'O Retorno.
Já leram este livro ou outros da autora? Vocês sabem que eu sou fã e vou fazer de tudo para que leiam.
Olha aí Novembro já na esquina! Então, estão a adorar estes dias outonais que se têm posto, cheios de chuvinha e com um bocadinho de frio? Sei que alguns de vocês não, mas eu estou a amar. Já rendeu bons fins de tarde deitadinho no sofá, com um livrinho e um chá Gorreana que trouxe dos Açores.
Com a aproximação de um novo mês, vocês já sabem o que aí vem - um novo tema para o Uma Dúzia de Livros. Nem acredito que já é o penúltimo! Realmente 2020 bate todos os recordes de esquizofrenia em termos de passagem de tempo. Mas, como eu estava a dizer, Novembro será um mês para estarmos mais por casa novamente, pelo que não há nada que grite mais conforto do que… comida! Por isso mesmo, o tema será um livro relacionado com comida.
É dar largas à imaginação e este tema pode incluir quase tudo o que quiserem: livros de não-ficção, livros de receitas, livros com comida no título ou na capa, livros cujas personagens se relacionam de alguma forma com comida… agora que penso nisto, pode ser mesmo muita coisa. Para ajudar, caso ainda estejam meio na dúvida, trago-vos a lista de livros relacionados com comida do Goodreads e uma lista do Book Riot com 100 livros de ficção relacionados com comida.
Deste lado vou ler o In Defense of Food: An Eater's Manifesto, de Michael Pollan, um autor que conheci no documentário Cooked, que podem encontrar na Netflix. Na altura gostei muito da forma como fala do tema e da evolução da nossa relação com a comida e comprei alguns livros dele, que acabei por não ler. Acho que agora é o momento certo. E vocês, já têm algum título em mente?
Outono do meu coração, uma das alturas do ano em que eu mais retiro prazer da leitura - com mantinhas e um chazinho a acompanhar. Quer dizer, eu ponho-me aqui com estas coisas, mas todas as estações do ano têm algo de diferente para trazer à experiência de ler um livro. De qualquer das formas, o Outono é a minha favorita e, por isso, quero encher o blog com o mood acolhedor tão característico destes meses.
Todas as alturas do ano são boas para ler, certo, mas há livros que parecem cair melhor no Outono - seja pela história mais melancólica ou pelo tema um pouco mais soturno. Talvez os associe a esta estação por passagens específicas do livro ou pelo contexto que estava a viver quando os li. Independentemente do racional, hoje decidi trazer-vos uma lista de 5 livros outonais - como forma de tentar introduzir aqui pelo blog algumas listas temáticas de livros.
Marina, Carlos Ruiz Záfon
Já me ouviram (leram) dizer maravilhas de Carlos Ruiz Zafón, mas quase sempre falei da saga Cemitério dos Livros Esquecidos - sem dúvida a obra que marcou a vida literária do autor e de muitos leitores. Ainda assim, Zafón tem uma série de livros anteriores a A Sombra do Vento que, embora um pouco mais juvenis, se lêem muito bem. Marina é uma espécie de transição entre esses livros mais juvenis e a tetralogia, e é um dos meus favoritos do autor.
Oscar, protagonista desta história, conhece Marina numa das escapadelas que consegue fazer do colégio interno onde estuda. Mas conhecer Marina é conhecer também o lado mais sombrio de Barcelona - acreditem, este livro é bem mais assustador do que qualquer outro que possam ler do autor. Achei que se enquadrava bem porque Outubro é o mês Halloween e, como não sou propriamente fã de filmes e livros de terror, isto é assim o mais perto a que eu fui.
Bom, nada como ler uma distopia aninhadinhos no sofá e bem tapados com uma manta, para garantir que estamos num lugar seguro. Acho que não há grandes novidades quanto a este livro, que foi há uns anos adaptado para uma série com a incrível Elisabeth Moss. Se há por aí alguém que ainda não leu esta versão alternativa (às vezes não tão alternativa assim) do mundo em que vivemos, onde há uma crise de fertilidade e as mulheres são divididas em grupos sociais com propósitos bem claros - incluindo ter filhos -, então não sei do que estão à espera. Vale muito, muito a pena ler antes até de ver a série!
As Intermitências da Morte, José Saramago
E se, de repente, as pessoas deixassem de morrer? Saramago é uma das minhas maiores referências nesta coisa dos “E se?” como premissa e origem de grandes histórias. Lembro-me de ter ficado presa a cada página desta livro porque é uma hipótese tão surreal, que foi interessante para mim perceber como funcionaria este mundo em tudo igual ao nosso - só muda uma variável que tem um impacto gigante na forma como as pessoas se organizam em sociedade. Não me lembro se o li no Outono, mas para mim tem claramente o mood desta altura do ano.
Palavras para quê? Quem acompanha as minhas leituras sabe que é um dos meus favoritos de todos os tempos, mas sabem também que é uma história pesada e triste - e, por isso, para mim é isso que a torna profundamente bonita. Hanya Yanagihara conta a história de quatro amigos em Nova Iorque, mostrando a importância que o amor (seja ele romântico ou fraternal) tem na vida de quem sofre. Um pouco de sofrimento e um pouco de beleza… há lá coisa mais Outono do que isto?
Preparem-se porque, à semelhança de A Little Life, é um grande calhamaço (como se nós precisássemos de desculpas para ficar a casa a ler, não é?). Ainda assim, isso não me impediu de o ler quase todo num fim-de-semana prolongado, de tão presa que fiquei. Bem sei que há quem não tenha achado tudo isto do livro, mas eu lembro-me sempre dele como uma daquelas experiências de não conseguir pousar um livro - e foi logo desde o início. Sei que há um filme, mas ainda não vi!
Bom, agora fiquei com vontade de reler estes todos (e a minha pilha de livros para ler estremeceu um bocado). Que livros teria a vossa lista de leituras outonais? 🍂
My Year of Rest and Relaxation, de Ottessa Moshfegh, foi-me recomendado pelo Kobo depois de ter terminado o último livro que li por lá - A Traveler at the Gates of Wisdom. Depois de ler a sinopse (e algumas reviews) decidi comprar e ler - mas não nego que foi uma espécie de compra por impulso porque não me estava a apetecer ler nada do que tinha em casa.
Começo por vos dizer que foi uma leitura assim-assim. My Year of Rest and Relaxation acompanha a história de uma protagonista no início dos anos 2000, uma jovem mulher que parece ter uma vida de sonho: é muito bonita, tem uma vida financeira estável devido a uma herança e mora num apartamento em Nova Iorque. Quase tudo é perfeito, sim, mas a morte dos pais e outros assuntos da sua vida parecem não estar assim tão bem resolvidos quanto isso. Dessa forma, a narradora decide despedir-se do emprego com o objectivo de passar um ano a dormir (com a ajuda de comprimidos, claro).
Sleep felt productive. Something was getting sorted out. I knew in my heart—this was, perhaps, the only thing my heart knew back then—that when I'd slept enough, I'd be okay. I'd be renewed, reborn. I would be a whole new person, every one of my cells regenerated enough times that the old cells were just distant, foggy memories. My past life would be but a dream, and I could start over without regrets, bolstered by the bliss and serenity that I would have accumulated in my year of rest and relaxation.
À medida que vemos a protagonista a pôr o seu plano em marcha, vamos seguindo a forma como ela se esforça para se desligar do mundo que a rodeia. Exactamente como eu acredito que deva ser estar deprimido - uma vontade constante de nos reduzirmos para dentro de nós mesmos. A narradora passa por algumas experiências e ajustes com vários tipos de medicação, por forma a encontrar a fórmula mágica que a fará dormir. É nesse processo que vamos percebendo tudo aquilo que a faz sentir-se profundamente infeliz.
Apesar de a premissa ser interessante, sinto que não consegui ligar-me a 100% à narrativa - daí que não tenha achado assim tão bom como algumas reviews que li. Em certos momentos achei a história um pouco tonta e exagerada, até. Ainda assim, lê-se muito bem e é um daqueles livros bons para quando não nos apetece ler nada em especial, sabem?
Quem desse lado já ouviu falar deste livro ou de Ottessa Moshfegh, a autora?