A minha aventura em Hogwarts continua e dei por mim tão perdida neste terceiro volume da saga Harry Potter - Harry Potter and the Prisoner of Azkaban - que acabei por eleger este livro como a minha leitura para o tema de Junho d’Uma Dúzia de Livros (um livro sobre um sítio que não conhecemos).
Começo por vos dizer que foi, de longe, o livro (e o filme) de que mais gostei até agora - apesar de achar que as adaptações para cinema continuam a não fazer jus às narrativas da J. K. Rowling. É, sem dúvida, uma história muito mais adulta, menos previsível e traz mais informações sobre o passado de Harry e Hogwarts.
You think the dead we loved ever truly leave us? You think that we don’t recall them more clearly than ever in times of great trouble? Your father is alive in you, Harry, and shows himself plainly when you have need of him.
É neste livro que aparece, pela primeira vez, a figura dos Dementors. E apesar de eu não saber se vão ter muito mais importância no resto da história, não deixam de ser importantes - não apenas para a narrativa, mas sobretudo por serem uma metáfora para a depressão. É um dos casos mais notáveis de como um escritor consegue passar a sua experiência de vida para um livro de forma subtil mas impactante, dando a devida importância ao tema da saúde mental.
Diverti-me muito com este livro, acima de tudo porque senti que o universo Harry Potter ficou muito enriquecido com coisas que aparecem pela primeira vez neste livro: não apenas os Dementors, mas o Time-Turner, o Marauder’s Map, o feitiço “Patronus” - alguns deles acredito que possam vir a ter ainda mais protagonismo e importância na história.
I solemnly swear that I am up to no good.
Como podem ver sigo motivada (e cada vez mais entusiasmada) nesta missão de ler a saga Harry Potter pela primeira vez. Segue-se Harry Potter and the Goblet of Fire, que deve estar a chegar pelo BookDepository. Quem desse lado também sentiu que o terceiro volume marca a história de uma forma diferente?
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Harry Potter and the Prisoner of Azkaban por J. K. Rowling
Os meus sentimentos, de Dulce Maria Cardoso, é um daqueles casos de um livro que se estranha e só depois realmente se entranha. Mal a narrativa começa percebemos que a personagem principal - que é também a narradora - está dentro de um carro capotado, presa apenas pelo cinto de segurança. Basta juntar as peças e rapidamente percebemos que está morta ou prestes a morrer.
A partir daí, acompanhamos esta pessoa com “nome de flor que também é uma cor”, numa viagem ao passado através dos pensamentos e, possivelmente, das últimas imagens que lhe passam pela cabeça antes de falecer. Conhecemos a relação atribulada que tem com os pais - sobretudo com a mãe -, a sede que tem de destruir tudo o que era deles, o ciúme que a relação da sua filha com os avós lhe causa.
se a Dora pudesse reconhecer o amor que tem ao Ângelo, se a Dora neste café sujo, ao lado do casal de desconhecidos, reconhecesse o amor que tem ao Ângelo tinha isso para lhe dizer, assim não tem mais nada, o passado não se corrige, ponto final, uma história não se conta duas vezes da mesma maneira
Não encontro outra forma de descrever este livro senão esta: é um chorrilho de memórias e pensamentos, muitas vezes avulsos e aparentemente desconexos. Dulce Maria Cardoso passa esta sensação precisamente pela forma como escreve, sem interrupções nem pausas para respirar. Fez-me muito lembrar Saramago e aquilo que ele tem de bom, que é a capacidade de entrar no íntimo de diversas personagens e trazer-nos os seus pensamentos mais escondidos.
obrigada, muito obrigada, um aperto de mão, um abraço, um beijo rápido na face, depende das pessoas, da intimidade, da circunstância do cumprimento, os gestos ainda reservam algumas surpresas ao contrário das palavras que se repetem numa lengalenga, as minhas condolências, ainda era muito nova, os meus pêsames, vamos sentir a falta dela, não merecia ir tão cedo, coitadinha, ninguém ouve realmente o que diz, o que é dito
Gostei muito de conhecer uma Dulce Maria Cardoso mais emocional e com uma narrativa mais centrada naquilo que as personagens estão a sentir e não tanto num seguimento de uma história bem construída, como tinha conhecido em O Retorno. Ainda assim, aconselho a que partam para esta leitura com muita atenção e resiliência, uma vez que pode ser fácil perder o fio à meada.
Quem desse lado já leu algo desta autora? Estou a gostar tanto da escrita dela que aproveitei a Feira do Livro para comprar mais dois: Campo de Sangue e Eliete.
Assim que entrei no Fauna & Flora e olhei para a Joana, sentada na mesa redonda que em tempos foi uma bobine, percebi imediatamente que íamos ter um bom lanche. Nós nunca nos tínhamos conhecido pessoalmente e seguíamo-nos timidamente no Instagram, mas qualquer coisa nas fotografias que tira e nas descrições que escreve me dizia que tínhamos muito para conversar sobre comida.
Com a sua camisa floral (espantem-se: por coincidência eu e a Margarida também levávamos camisas com flores), a Joana encaixou que nem uma luva naquele espaço, mostrando que é em sítios assim que se sente bem - sítios calmos, ligados à natureza e à comida saudável. É impossível fugir a este tema numa conversa com a Joana porque, há uns anos, fez uma mudança grande na alimentação.
“A minha relação com a minha comida é uma evolução brutal. Sou do Ribatejo, onde é tudo baseado na cozinha tradicional portuguesa - carne, cozido, cabrito. Depois fui para a faculdade, mas também se sabe que nessa altura uma pessoa não se preocupa muito com isso. Na faculdade fui tendo já algum contacto com estilos de alimentação diferentes e foi com a cadeira de dietética e nutrição que comecei a perceber alguns erros alimentares que fazia já há imenso tempo.”
Apesar de ter trabalhado durante algum tempo em radiologia, o curso que tirou, foi só quando mudou para a indústria farmacêutica e engravidou que se deu a grande mudança e revelação. “Aí pensei: espera aí que estou a fazer crescer um ser dentro de mim e quero dar-lhe o melhor para o desenvolvimento dele.” Nada como ler e estudar e foi isso mesmo que a Joana fez - dedicou-se a perceber mais sobre o que é uma alimentação saudável e, ao mesmo tempo, foi percebendo várias coisas sobre o seu corpo e aquilo que ele precisa para estar bem.
“Percebi que era mais feliz com uma alimentação maioritariamente vegetariana”, diz-me, enquanto olha para o menu e escolhe uma Açaí Bowl. Já eu e a Margarida fomos mais gulosas: eu pedi umas Panquecas Spicy Pumpkin (com doce de abóbora, gengibre, canela, creme de requeijão e nozes pecan) e ela pediu umas Panquecas Green (matcha, lemon curd, frutos círicos e kiwi).
Com a mudança que fez, a Joana começou a inspirar as pessoas que a rodeiam: a cunhada tornou-se vegan, a melhor amiga passou a ser completamente vegetariana e, mesmo lá em casa, as refeições passaram a ser bastante diferentes. Cozinhar uma refeição é a forma natural que encontraram de passar tempo de qualidade juntos. A Joana tem o know-how da alimentação saudável e tem ideias de receitas, o marido executa-as na perfeição e o Sebastião, o filho, vai ajudando no que consegue. “Aos dois anos, ele já mostra muita curiosidade sobre o que estamos a fazer”, por isso é normal vê-lo em cima de um banquinho a acompanhar os pais.
“A cozinha é o ponto principal de uma casa - como bons portugueses que somos reunimos sempre à volta da mesa, mas eu não quero que seja só o estar à mesa, acho que o cozinhar também é muito importante. Acho que é isso que une as famílias - podemos todos estar a ver uma série juntos ou sair e estar ao ar livre, mas em casa o ponto principal é esse, o de cozinhar.”
À tradição de cozinharem juntos sempre que possível, junta-se o ritual de sábado de manhã. Vão à praça juntos, para comprar essencialmente legumes, fruta e peixe. Para além disso, sempre que podem optam por comprar biológico e evitam comer comida processada. “A base da minha alimentação é 80% vegetariana. Não deixei de comer carne nem peixe, até porque não sou nada restritiva com a alimentação do Sebastião, acho que deve crescer com o máximo de referências possível”, resume.
É projecto Fox & June, que mantém em dupla e que promete trazer inspiração para a vida do dia-a-dia, que a Joana consegue expressar esta relação de aprendizagem constante que tem com a comida. “Na altura do lançamento do projecto fui fazer o curso Fazer da Cozinha uma Farmácia, do Gabriel Mateus, para ter bases e poder falar à vontade sobre alimentação”. Ainda assim, a comida está presente noutras áreas da vida que gosta de partilhar: na sua constante descoberta de alojamentos em Portugal ou até nas viagens fora do país.
É normal vê-la escapar-se para o Alentejo, que a lembra o dolce far niente italiano: é calmo, tem a praia junto ao campo e a gastronomia é maravilhosa. Confesso aqui que é ao Instagram da Joana que vou buscar ideias sempre que quero conhecer um novo sítio em Portugal. “Assim que abre qualquer sítio vamos logo experimentar”, conta. “Quando se fala em viajar as pessoas pensam logo em apanhar um avião, fazer grandes bagagens e pagar imenso. Mas não, às vezes basta ir dois dias para fora de Lisboa e temos uma experiência logo totalmente diferente - paisagens diferentes, gastronomias diferentes, festas e culturas diferentes.”
Mas as viagens fora do país também lhe ficam na memória e conservam sabores e experiências gastronómicas. A mais impactante foi, sem dúvida, o Japão. “Até hoje foi onde comi as coisas mais variadas e diferentes - e era tudo óptimo. Teres a experiência de comer sushi num mercado de peixe, quando eles estão a cortar peixe na bancada lá atrás e servem-te ali na hora é uma coisa fantástica.”
Para terem noção da importância e impacto desta viagem, era a Kyoto que a Joana regressaria para uma última refeição. “Depois da experiência que tive no Japão, mandava vir aquele bife Kobe. É estranho uma pessoa que deixou praticamente de comer carne dizer isto, mas aquela foi efectivamente das melhores refeições da minha vida.” Depois da nossa primeira conversa in loco, acho que é isto que resume a Joana: a abertura a experiências novas e a certeza de que elas podem conviver perfeitamente com as coisas em que acredita, mesmo que pareçam ser completamente opostas. É o equilíbrio e paz nas decisões que toma, dando sempre espaço à vida para a surpreender e lhe mostrar novos caminhos.
Se ainda não a conhecem, saiam já daqui e vão acompanhá-la tanto no Instagram como no Fox & June. Não se vão arrepender, mas podem ficar com uma vontade incontrolável de comer pratos simples, mas maravilhosos, e de viajar (nem que seja “ir para fora cá dentro”).
1. Refeição favorita? Jantar.
2. Cozinhar ou comer fora? Cozinhar.
3. Um restaurante de sempre? Prado.
4. Uma moda gastronómica de que até gostas? Ramen.
5. Algo que cozinhas especialmente bem? Sopa.
6. Uma alergia? Leite (intolerância).
7. Chá ou café? Chá.
8. Uma comida do mundo? Bife Kobe.
9. Um restaurante que querias que se mantivesse segredo? Ona, Costa da Caparica.
10. Dividir a conta ou cada um paga o que comeu? Dividir a conta.
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Este post faz parte da rubrica Dividimos a Conta. Todos os meses convido uma pessoa para almoçar ou jantar fora em restaurantes Zomato Gold, para conversarmos sobre a sua relação com a comida. O que gosta, o que não gosta, o que aprendeu a gostar, mas manias, as receitas de família… enfim, o que surgir. A parte boa é que, com a Zomato Gold, temos sempre direito a um prato grátis a compra de outro (e se usarem o código RITADA, têm 25% de desconto na subscrição de qualquer pacote).
[Todas as fotografias deste post são da autoria da Margarida Pestana.]
O tema das Palavras Cruzadas de hoje é café e não há como fugir a um texto que escrevi para o blog do João há uns tempos, que mistura café e a cidade de Lisboa. Se quiserem, depois de lerem o texto, vão lá ver que fotografia me fez recordar esta história:
Meio quilo de lote Palace em grão. Meio quilo de lote Palace em grão. Meio quilo de lote Palace em grão.
Eu subia a Rua do Alecrim enquanto repetia mentalmente estas palavras, para não me esquecer do pedido da minha Avó. Cheirava-me a café ainda antes de chegar à Carioca, na Rua da Misericórdia.
Queres que te escreva num papel? Perguntava-me antes de sair, já sabendo a minha resposta. Não. Óbvio que não. Eu já era crescida e sabia o que fazia - desde que não estivesse muita gente para ser atendida, caso contrário o risco de não me lembrar do café que era preciso comprar era maior. A minha Avó nunca pedia para o moerem na loja, preferia fazê-lo em casa, mesmo antes de o colocar na máquina de filtro. Eu também gostava que ela fizesse dessa maneira, porque podia roubar um ou dois grãos para trincar.
Cresci assim, a subir e a descer a Rua do Alecrim. Entre o amplo Largo do Camões e as ruas mais estreitas do Cais do Sodré. Fazia recados à minha Avó, ia buscar-nos o lanche e, em dias de chuva, passava recibos lá no consultório em que ela trabalhava. Acho que foi nessa altura que me apaixonei por Lisboa - eu tinha liberdade e tempo para a descobrir e a cidade, na altura, tinha mais espaço para mim.
Naquela zona, só o Cais do Sodré me assustava. Não era como é hoje, cheio de ruas animadas, restaurantes com filas à porta e ruas pintadas de cor-de- rosa. Era sujo, cheirava mal e tinha pessoas com muito mau aspecto. Aos poucos, a minha Avó começou a levar-me até lá para conhecer as lojas e as pessoas da Rua de São Paulo. A maioria já nem sequer existe, mas gosto sempre de as recordar quando lá passo.
Ela ensinou-me esta parte de Lisboa da mesma forma que se ensinam outras coisas às crianças. Aprendi os nomes das ruas, porque é que devia ir a uma loja e não a outra (apesar de ambas venderem a mesma coisa), quais as áreas que devia evitar. Agora que penso nisso, conheço esta parte da cidade como a palma das minhas mãos e essa é a maior herança que a minha Avó alguma vez me vai deixar.
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Este é o 38º post da rubrica Palavras Cruzadas, criada em parceria com o P.A., mas vocês também estão mais do que à vontade para pegar nos temas e escrever sobre eles. O tema deste texto foi lançado por mim, por isso é espreitarem o blog dele para ver o que vai calhar na próxima edição!