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Rita da Nova

Qua | 26.12.18

Os livros da Rita // O Princípio de Karenina, Afonso Cruz

O Princípio de Karenina não é o típico livro de Afonso Cruz, pelo menos não o Afonso Cruz a que estou habituada. O que não significa que não seja bom, é só diferente. Quando saiu apressei-me a comprá-lo e decidi fazer dele um dos últimos livros de um 2018 demasiado recheado de leituras fortes, por isso soube bem mergulhar nas páginas tranquilas e meio melancólicas desta narrativa.

 

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Toda a história é contada em forma de carta, de um pai para uma filha que não viu nascer. Este homem cresceu limitado ao pouco que a família conhecia, vivia com medo de tudo o que é estranho e foi ensinado que só se é realmente feliz quando se consegue abarcar e compreender toda a realidade.

 

A minha mãe gostou sempre da deformidade com que nasci. Durante muito tempo não consegui perceber o motivo, mas seria algo que marcaria toda a minha vida. A imperfeição. A imperfeição salvar-me-ia com igual intensidade e na mesma medida que me faria sofrer.

 

Até que se apaixona por uma emigrante, vinda da Cochichina. E é a partir daí que começa a pôr em causa a definição de felicidade e os seus ingredientes. De onde vem a felicidade? Daquilo que conhecemos ou da abertura àquilo que é estranho e diferente?

 

Afonso Cruz coloca-nos esta questão através da abertura de Anna Karenina, de Tolstói, que dá nome a este livro e que é uma das minhas citações favoritas de sempre: “Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira”. Não podem imaginar o meu estado de felicidade e excitação quando percebi que esta frase dava corpo a tudo aquilo que o escritor tinha para dizer com este livro.

 

A felicidade é um estado especial que só pode existir se incluir no seu seio uma certa dose de infelicidade, por muito paradoxal que possa parecer. Sem desequilíbrio, nada se move. Um círculo está em constante desequilíbrio. É bom para fazer andar os carros. Os quadrados não têm essa possibilidade. Já estão bem assim, sentados à lareira, a sublinhar a sua hombridade, a sua estrutura sólida. Não são felizes, são produtos industriais saídos de uma máquina de fazer quadrados.

 

Com origem numa viagem ao Cambodja e Vietname, onde parte da narrativa se desenrola, O Princípio de Karenina traz-nos um Afonso cruz menos fantástico e fugidio, sem deixar de ter a capacidade de contar uma história simples de uma forma lindíssima.

 

Quando terminei de ler fiquei com a sensação de que falta alguma coisa a este livro, que é de certa forma imperfeito e incompleto. Só que, quanto mais tempo passa desde que o fechei pela última vez, mais tenho a certeza de que é exactamente isso que Afonso Cruz quer passar com esta história.

 

Como disse alguém: está consumado. Espero que aprendas a viver com as feridas que fazem de nós formas imperfeitas, famílias imperfeitas, diferentes, cada uma à sua maneira. Repara como é estranho, talvez belo, talvez perverso, que as nossas dores sejam eixos da memória e nos marquem indelevelmente, ao mesmo tempo que nos salvam a vida: assim como a minha deformidade me salvou da guerra, a minha morte salvou-te a vida. E, mais ainda, a minha morte salvou-me a vida.

 

 

Quem desse lado já leu este livro? O meu próximo Afonso Cruz vai ser Para Onde Vão os Guarda-Chuvas, que tenho na estante à minha espera. Que outros me recomendam?

 

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O Princípio de Karenina por Afonso Cruz

Avaliação: 7,5/10

Semelhante a: Flores, do mesmo autor