Dividimos a Conta // Ana Garcia Martins no Amaterasu
Era impossível sentar-me à mesa com a Ana (mais conhecida como A Pipoca Mais Doce) com o objectivo de falar sobre comida sem lhe perguntar isto: como é que surgiu o nome do blog? E era previsível que ela reagisse com aquele ar de quem já ouviu esta questão um milhão de vezes. “É a pergunta que mais me fazem sobre o blog e, estranhamente, não consigo explicar. Mas eu adoro realmente pipocas, não consigo ir ao cinema sem comer pipocas. Aviso já que, se forem comigo ao cinema, vai haver um balde grande de pipocas - e misturadas!”.
Sentadas à mesa do Amaterasu Pateo do Sushi, em Algés, dissertámos um pouco sobre qual a forma perfeita de misturar pipocas doces e salgadas, bem como a quantidade certa de cada sabor. Concordámos que devem ser colocadas em camadas no balde, mas eu sou mais 70% salgadas/30% doces e a Ana é mais meio-meio. Uma coisa é certa: uma ida ao cinema sem pipocas é uma oportunidade desperdiçada - desculpem lá, pessoas que se incomodam muito com o barulho.
O Amaterasu foi a primeira escolha de restaurante e depois de falar um bocadinho com ela, é fácil perceber porquê. O sushi é uma daquelas comidas omnipresentes na vida da Ana, mesmo que ela não se aperceba. Ora vejamos: não se lembra da primeira vez que cedeu a experimentar, mas sabe que passou muito tempo a rejeitar a possibilidade de comer peixe cru. “Agora arrependo-me dos anos que passei a negar à partida uma ciência que desconhecia. Perdi anos de vida e sinto-me lesada, mas por burrice minha!.”
Pode parecer um amor inquebrável, mas curiosamente foi a única coisa que enjoou na gravidez. Achou que nunca mais seria capaz de comer sushi na vida, mas depois passou-lhe. E conseguiu perdoá-lo daquela vez em Nova Iorque, em que uma das peças que pediu vinha com… cebola.
Ora, os próximos parágrafos tentarão reproduzir um bocadinho daquilo que é a aversão que a Ana tem à cebola. Se também não gostam deste ingrediente, talvez encontrem aqui pontos em comum. Se forem fãs, então se calhar passem à frente.
“É muito complicado num país como Portugal, em que toda a culinária é à base de cebola, dizer que não gosto. E depois fazem-me sempre a mesma pergunta: mas então como é que fazes um refogado?” Segundo a Ana, cozinhar sem cebola é exactamente igual a cozinhar com ela, não é preciso assim tanto drama à volta disso. Contudo, parece que, para as outras pessoas, não é assim tão directo. “Tenho que dizer que sou alérgica, para garantir que não põem. Mas muitas vezes assumo que há coisas que não vão trazer cebola.” Mas ela está lá, bem escondida, quer em bitoques, quer no tal combinado de sushi que a desiludiu em Nova Iorque.
Nem a sua própria casa ou a casa da mãe são lugares seguros. “Acontece muito tentarem-me enganar, a minha mãe faz muito isso. E mesmo quando eu descubro, ela nega a pés juntos que tem cebola.” Cada refeição é um autêntico episódio de CSI, que começa sempre da mesma forma: com a Ana a inspeccionar minuciosamente o prato, separando os ingredientes para garantir que estão livres do inimigo. É que, se houver nem que seja um bocadinho, por ínfimo que seja, ela já não consegue comer.
Aficcionados da cebola, podem voltar a acompanhar a partir daqui. Por esta amostra podem ficar com a impressão de que a Ana é muito esquisitinha com a comida, mas isso não é bem verdade. Há, aliás, poucas semelhanças entre a Ana de hoje em dia e a Ana dos tempos de escola, que ficava horas sentada à mesa porque simplesmente não comia. Se lhe calhava açorda na escola ou peixe cozido em casa, era certo e sabido que se mantinha no mesmo lugar até à hora do lanche, com o prato a arrefecer à sua frente.
Não é que seja a pessoa mais aventureira do mundo, até porque há coisas que estão completamente fora de questão, como partes estranhas de animais ou bichos estranhos. É, nas suas palavras, “muito xoninhas com a comida”, mas isso não quer dizer que não goste de comer. É fã de passar tempo à mesa, de estar por lá horas a conversar. E aí não é mesmo nada exigente: tanto pode ser em sua casa, em casa de amigos e família ou em restaurantes.
Por falar nisso, quem acompanha o seu blog sabe que é comum ir conhecer vários restaurantes pela cidade e escrever sobre eles - sem pretensão nenhuma de ser uma crítica gastronómica. “É difícil passar para palavras as sensações que a comida te transmite. A experiência que vais relatar nunca será igual para outra pessoa, para além de que eu não sou uma connoiseur do sector, sou muito básica. Mais do que recomendar, digo: fui e gostei. Se quiserem vão, mas é à vossa responsabilidade.”
Recentemente tem experimentado muitos asiáticos na cidade e recomenda vivamente o Ōkah e o Soão, porque ambos a transportaram para lugares diferentes através da comida, quase como se estivesse fora de Lisboa. “Ao mesmo tempo que não sou muito aventureira nas minhas escolhas gastronómicas, tento contrariar isso indo conhecer sítios novos. Depois, se calhar, chego lá e acabo por fazer as escolhas mais seguras, mas conta pelo espírito.”
A conversa foi fluindo à medida que provámos o melhor que o Amaterasu tem para oferecer, desde carpaccios e ceviches, passando por tempuras e combinados de sushi. Quando chegámos à sobremesa - e depois de termos falado da impossibilidade de resistirmos a certas gordices - achei que a Ana ia pedir qualquer coisa bem decadente. Mas não. Aparentemente, não há grandes sobremesas que a fascinem. Numa última refeição na vida, por exemplo, pediria um daqueles gelados Romântica, da Olá. “É um bocado deprimente, sou uma pessoa muito pouco polida, eu sei. Mas eu adoro aquilo.”
Eu cá não fui capaz de resistir a um gelado caseiro de Oreo (demasiado grande para conseguir dar conta dele, mas tudo bem). Enquanto isso, percebemos que não há propriamente um prato que caracterize a Ana. “Mais do que pratos, sou muito de chocolates. Tem sempre que haver chocolates lá em casa e gordices no geral.” E eu concluo agora que talvez as pipocas doces e salgadas no cinema sejam ainda melhores para a descrever: têm que estar misturadas de uma forma muito particular, algo próprio de quem sabe o que quer, ao mesmo tempo que estão associadas ao ritual de ir ao cinema, o que me remete para algo que é feito na companhia das pessoas de quem gosta.
Ou então sou só eu que estou a arranjar significados para coisas que não existem, mas na dúvida podem sempre perguntar-lhe através do blog A Pipoca Mais Doce ou Instagram. Só não vos digo para a conhecerem melhor porque, c’mon, a Ana praticamente inventou desta coisa dos blogs no nosso país e, se não a conhecem, andam a dormir.
Isto ou aquilo?
1. Refeição favorita? Pequeno-almoço de hotel ou jantar.
2. Cozinhar ou comer fora? Comer fora.
3. Um restaurante de sempre? [Até à publicação deste post, a Ana não conseguiu decidir-se]
4. Uma moda gastronómica de que até gostas? Abacate.
5. Algo que cozinhas especialmente bem? Esparguete ou Bacalhau à Brás na Bimby (sem cebola!).
6. Uma alergia? Cebola e pimenta, por convicção.
7. Chá ou café? Chá.
8. Uma comida do mundo? Sushi.
9. Um restaurante que querias que se mantivesse segredo? Sal e Brasas.
10. Dividir a conta ou cada um paga o que comeu? Dividir a conta.
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Este post faz parte da rubrica Dividimos a Conta. Todos os meses convido uma pessoa para almoçar ou jantar fora em restaurantes Zomato Gold, para conversarmos sobre a sua relação com a comida. O que gosta, o que não gosta, o que aprendeu a gostar, mas manias, as receitas de família… enfim, o que surgir.
[Todas as fotografias deste post são da autoria da Margarida Pestana.]